Mirian,
aliás, Susana
Mote
geral
Mas,
tendo ambos retrocedido, encontraram-se no mesmo lugar e, perguntando um
ao outro o motivo, confessaram a própria paixão.
(Daniel,
13:14) |
Navio Fantasma?
Claro que existe!
Eu mesmo conheço um jeep...
fantasma...
4
wheel
drive
Willys Overland
made in USA
model 1951
Táí a ficha do bicho,
que ainda corre e faz estrada
entre Teresina e Bacabal,
entre mim e Bacabal,
entre mim e Mirian, aliás, Susana...
Às vezes, eu mesmo o dirijo,
outras, ele me parte sozinho,
célere, louco, passa por mim,
comigo à direção, ao
gesto do susto:
aquele ali será o meu velho jipe,
e o jovem que o dirige será eu
mesmo?
E me parto e nunca chego
ou chego e não me parto
e a mesma viagem recomeça
entre mim e Bacabal:
A quem vai o velho jeep?
À Mirian, aliás, Susana
aliás Mirian,
a noviça!
Neste instante exato, madrugada,
escuto-lhe o ronco:
É ele:
chegando ou saindo, tanto faz,
a viagem recomeça.
Sempre.
Pois era uma vez:
Dezoito, na força do forte: 18!
Em viagem, ônibus, Teresina, Piauí,
quando ela chegou,
um hábito ligeiro,
(sem aquele chapelão)
um crucifixo (discreto),
dezessete...
talvez!
Apenas. E era
o encanto
da manhã.
Ela!
E, despedindo do pai, sozinha...
subiu ao ônibus,
também subi, todos os
demônios, todos os anjos,
desde ali, todos, em companhia.
Ali.
Até.
Piripiri,
no Piauí,
o velho ônibus quebrou:
Como é seu nome ?
Mirian
Susana?
Não, Mirian... e você?
[um dos juizes..., pensei, o mais
cruel] Francisco...
Pouco falamos,
o que tinha-se a dizer,
dizia-se
sutilmente,
no gesto,
expressão
do belo,
belo,
chuva e flor:
talvez dezessete, ela
eu, dezoito, já disse!
O velho ônibus quebrado,
dormimos todos no mesmo ônibus,
eu espreitava...
um descuido:
os Juízes também olhavam e espreitavam
e se abalroaram um no outro:
É Ela. E você?
Também, por causa dela!
Estamos perdidos!
Estavam.
Perderam-se.
Pois eu também espreitei e nada vi,
nem inventei.
Somente a aurora,
a matriz de Piripiri,
repicavam os sinos e era mais bela,
ela,
que acordava...
Bom dia, lindeza!
E a rosa vermelha da manhã
desabrochou ao espanto
de sua face:
romã!
Ninguém disse mais nada.
Depois,
à viagem
os olhos é que falavam;
a voz,
vagamente,
obedecida:
Onde é que você vai
ficar?
No hotel, ainda não sei qual.
É no meu, de dona Filó!
Vamos, é
ali, vamos, disse-lhe.
Respeito de antigamente,
cavalheirismo de antigamente:
Dona Filó, por favor,
esta jovem vai para Bacabal...
vai ficar aqui, com as suas filhas,
até viajar!
Eu mesmo lhe comprei a passagem
para três dias depois.
Hoje não lembro se a demora dos três
dias
foi pura malandragem,
ou se o ônibus não era diário,
naquele tempo.
Ficamos.
Três dias!
Três eram suficientes para reconstruir
o Templo...
Deram, de sobra, para destruir.
Eu mesmo fui levá-la, madrugada,
ao ônibus,
sua mala atlético, forte: 18!
mala de algodão, parecia,
à despedida,
e as palavras que eu lhe dizia,
lisonja, disse-me ela,
nem sabia eu o que era essa tal lisonja,
mas pelo tom,
sei que era coisa boa que ela dizia,
estava satisfeita com o que ouvira:
apertavam-se as mãos, os braços,
trêmulos.
Depois fui aos léxicos e comprei o tal
jeep.
Li que a lisonja poderia não ser coisa
boa,
duplo sentido,
adulação ou mimo,
pois foi de mimo, Mirian,
quando teríamos viajado.
No jeep.
Pois de jeep,
todos os dias fazia-e-refazia uma viagem a
Bacabal,
como se a espreitá-la,
à missa,
no noviciado,
no claustro,
no convento,
também no banho...
Claro, claro, por certo, também no
banho!
Parece que era a melhor parte:
banhávamo-nos.
E ao sabor da fantasia,
chegava um jovem a Bacabal:
A noviça Mirian está?
Quem quer falar com ela?
E aí refaziam-se os mesmos projetos,
no tempo,
reconstituía-se, passo a passo,
aquela viagem
do velho ônibus:
Como é que você
vai para Bacabal?
De ônibus.
Não e não: eu
tenho um jeep,
vou levá-la, no meu jeep,
e um dicionário,
lisonja pode ser coisa boa, veja, Mirian!
Vamos!
[Teria sido quando
os riachinhos da beira da estrada
cheios de audácia e os pássaros bêbados
teriam de se calar, zombaríamos deles!]
Outras vezes,
o jeep viajava: sozinho!
Eu mesmo ia voando:
Mirian, é você, Mirian,
Susana
aliás, Mirian, aliás, Susana?
O pior é o que velho jeep não
me larga,
em todas as estradas eu o revejo,
célere, louco, consulto a bússola,
tomo-lhe o mapa,
a carta de navegação:
destino: Bacabal
a quem: Mirian!
de quem: de mim!
Como é possível aquele jeep ali
estar viajando
comigo à direção,
se eu estou neste outro, em outra direção?
Para ir a Bacabal
não preciso mais de jeep
(mas, o bicho não me larga)
sequer preciso de mim, para ir:
sempre estive lá,
à espreita,
ao banho
(devasso)
Dela!
Escutem, escutem, silêncio:
Vruuummmm!!!!
É ele, o jeep:
Será que desta vez ela
está vindo?
Salvador, BA, madrugada, 31.03.94
Continua
em Poltrona F
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Notas
para Mirian:
Os
Juízes, in Livro de Daniel, profeta, capítulo 13:
1 -
Havia um homem que morava em Babilônia, chamado Joaquim.
2
- Ele tinha desposado uma mulher chamada Susana, filha de Helcias, muito
bela e temente ao Senhor.
3
- Seus pais também eram justos e haviam educado a filha na lei de
Moisés.
4
- Joaquim era muito rico e possuía um jardim contíguo à
sua casa. A ele acorriam os judeus, porque era o mais ilustre de todos.
5
- Naquele ano haviam sido designados como juízes dois anciãos
do povo, a respeito dos quais falou o Senhor: A iniqüidade
saiu de Babilônia, dos anciãos, que só aparentemente
guiavam o povo.
6
- Estes dois freqüentavam a casa de Joaquim, e todos os que tinham
uma questão a julgar vinham a eles.
7
- E acontecia que, ao retirar-se o povo pelo meio-dia, Susana costumava
entrar para um passeio no jardim do seu esposo.
8
- Os dois anciãos, que a observavam diariamente enquanto ela entrava
e passeava, puseram-se a desejá-la.
9
- Perverteram assim a sua mente e desviaram seus próprios olhos,
de modo a não olharem para o Céu e não se lembrarem
dos justos julgamentos.
10
- Ambos ardiam de paixão por causa dela, mas não comunicavam
um ao outro o seu tormento.
11
- Eles sentiam vergonha de revelar a própria paixão, isto
é, o fato de quererem juntar-se com ela.
12
- Mas diariamente se escondiam, com avidez, procurando vê-la.
13
- Certa feita, disseram um ao outro: vamos para casa, pois é
hora do almoço. De fato, saindo, separaram-se.
14
- Mas, tendo ambos retrocedido, encontraram-se no mesmo lugar e, perguntando
um ao outro o motivo, confessaram a própria paixão.
Então, de comum acordo, combinaram o momento em que poderiam encontrá-la
sozinha.
15
- Sucedeu que, enquanto procuravam um dia favorável, ela entrou
certa vez, como fizera nos dias anteriores, acompanhada apenas de duas
meninas. E pensou em tomar banho no jardim, porque fazia calor.
16
- Não havia ninguém ali, exceto os dois anciãos que,
escondidos, a espreitavam.
17
- Ela disse então às meninas: Trazei-me óleo
e bálsamo, e fechai a porta do jardim, porque vou banhar-me.
18
- Elas fizeram como lhes fora dito: fecharam cuidadosamente as portas
do jardim e saíram por uma porta lateral a fim de buscar o
que lhes fora ordenado. E não perceberam a presença
dos anciãos, que se achavam escondidos.
19
- Apenas saíram as meninas, levantaram-se os dois anciãos
e correram para ela,
20
- dizendo: As portas do jardim estão fechadas. Ninguém
nos vê e nós te desejamos. Por isso, consente conosco e junta-te
a nós.
21
- Se recusares, testemunharemos contra ti que um moço esteve contigo,
e que foi por isso que afastaste de ti as meninas.
Obs.
- Nas bíblias evangélicas - protestantes - é suprimida
esta passagem do Livro de Daniel. Este trecho, entre outros e mais
alguns livros, são conhecidos como deuterocanônicos,
isto é, partes e livros escritos originariamente em grego e que
não foram aceitos como oriundos da revelação divina
pela Reforma. Vide Bíblia de Jerusalém ou qualquer outra
edição com Imprimatur.
Continua
em Poltrona F
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