NEGAÇÃO
Alto muro que cerceia novos sentimentos
Muro novo
- cimento e pedra -
Obstruindo inconfessáveis desejos
Molda o ser para que não ultrapasse
O limite do inatingível
- do inatingível -
Sentimento azul
- borboleta e pássaro -
Sobrevoando a barreira dura e áspera
Da minha mais completa solidão.
VISÃO DA RUA
Meu coração fica tão apertado
Quando tua camisa branca esvoaça
-garça aprisionada -
No varal do apartamento.
EM SILÊNCIO
Quero que meu olhar
Atravesse teus olhos
Como uma seta lançada
Por um arqueiro infalível
E que descubra, lá no fundo,
A força silenciosa
Que mantém a ordem do universo
Na total ausência
De palavras estabelecidas
O coração é mudo e simples.
SONHO
Adormeço
E encontro teus olhos
Naquele mesmo lugar dos sonhos
Que minha memória inventou
Estendo minha mão
E toco tua sombra
Com as pontas dos dedos
Dançamos a música inaudível
Como nas fotografias
Amanheço
E afago teu corpo ausente.
PERCEPÇÃO
Mão crispada no meu ombro esquerdo
Profundos olhos de oceano intocado
Visão urgente que tudo percebe
E dissimula
Desconcertando a minha imaginação
Acende agora a chama oculta
No meu peito
E que esse calor sagrado
Aqueça nossos corações
Neste inesperado quase-abraço.
THORN TREE
Adeus, terra árida
Que trouxe aridez ao meu coração
Eu quero a chuva nos campos
Da minha terra
Ver os pássaros nas poças d'água
Acariciar os meus gatos
Eu quero poder respirar
O ar úmido das manhãs
Da minha terra
Não mais a poeira seca do deserto
Não mais esta paisagem cinzenta,
Inacabável
De árvores com espinhos
Que ferem o meu coração
Eu quero as árvores verdes
Dos desenhos das crianças
Com seus frutos maduros
Eu quero os frutos maduros
Que este deserto infértil
Não pode gerar
Tanta poeira... tantos espinhos...
Adeus, monótona paisagem cinza
Que cobre de cinzas a minha alma:
Marquei um encontro com a vida!
PLENITUDE
Deixem-me ser como aquele rio:
Nunca o mesmo rio a cada segundo
E, ainda assim, água
Como todas as águas
De todos os rios
- É sabedoria pura sua essência intacta
Deixem-me ser como os seixos
Que rolam em seu leito
Com suas formas perfeitas
-Mistério guardado
No silêncio profundo do tempo
Deixem-me ser como as árvores
Em suas margens
Cujas folhas fingem cair e renascer
De tempos em tempos
Deixem-me ser como os pássaros
Deste cenário
Que não precisam disputar o azul do céu
Para serem livres
Também sou essa paisagem
Sei que sou feita de água, pedra,
Árvore e pássaro
Também eles são feitos de mim
Somos todos a página de um mesmo livro
No mistério inexplicável do tempo.
FANTASIA
Em frente ao espelho visto meus sáris coloridos
- Um a um -
A breve revelação em vidro e prata desvenda
Meus olhos de jade,
Meu pescoço de estátua,
Minha pele de cetim
Meu coração a céu-aberto
Galopando cavalos azuis
Esta noite me pertence:
Serei, em vermelho e dourado,
A princesa escolhida do harém
Esta noite dormirei tão perfumada
Como se esperasse alguém.
PELA JANELA DO TREM
A mulher de sári colorido
Desce do riquixá com duas meninas
O homem de longui as recebe
Sem emoção
A pequena, de vermelho, enlaça seu pescoço
A maior o abraça, em branco
A mulher apenas segue atrás, resignada
Sobem em silêncio
A rua estreita de terra
E desaparecem na poeira
Da minha visão
O que terão para o jantar?
AMOR-MENINO
Meu amor-menino
Vem sempre visitar meus sonhos
Sua presença é sempre doce
Como um pássaro sem medo
O tempo o tornou homem
E a vida o afastou para um país distante
Não sei se é feliz
Nada sei do âmbar
De seus olhos calmos
Nem mesmo sei o seu rosto
Mas minha memória
Guardou suas mãos
Seus longos dedos acariciando
A face morna do tempo
Meu amor-menino
Vem sempre visitar meus sonhos
Somos tão jovens e belos!
Mas ele nada sabe de sonhos,
Ele nada sabe de mim
Ele nada sabe de sua visita inesperada
Que me faz despertar
Em total abandono e abraçar
O amor que nunca tive.
TARDE EM COCHIN
País longínquo do meu amor distante
Atravesso oceanos e continentes
Para observar o pôr-do-sol
Na tarde quente de Cochin
(Da calçada da marina
Sou mais observada que o pôr-do-sol)
Oh mistura de cheiros e sabores
Diante do Mar Arábico!
Vozes estranhas me localizam
No mapa-múndi da minha memória
Tecidos coloridos e poeira
Se misturam à minha solidão.
SIMPLICIDADE
Meditar.
Meu refúgio em silêncio
Minha mente serena
Meu coração desperto
Oração silenciosa
Que me identifica
Sem números
E sem registros
Não mais eu-com-documentos
E obrigações
E deveres
E horários a cumprir
E sorrisos a dar,
Nem aplausos
Nem explicações
Deixem-me ser assim
Desperta e distante
E ao mesmo tempo
Tão envolvida
E tão próxima
O olhar que se aproxima
Enche de luz a minha alma
Sei que já não sou
E sou
Sei também que sou o ser
Que se aproxima
Também sou luz no silêncio da noite.