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Felipe Stefani
Um pequeno bloco de poemas
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LOBOS, MADRUGADA
Não te deites com
a volúpia presa aos dentes,
se pretendes despertar os lobos.
Madrugada,
o uivo sonda teus ossos.
Alquimia não
consiste em acalentar o orgulho.
Os lobos sabem farejar as sombras,
violetas e asteróides
não envolvem seus mundos.
Sutileza,
presa acidentada dos cálculos,
a cidade tem uma cegueira acelerada,
os lobos avançam,
teu quarto tem extremidades impossíveis.
A volúpia brota
de ossos cegos,
onde a vida, com seus lábios violetas,
não penetra.
Tu, cadáver de ti mesma,
volúpia acidentada,
não penetres a alquimia com asteróides cegos.
Os lobos te
envolvem, no lado mais sutil do orgulho.
Madrugada
tem acordes turvos.
Deitas-te à cama,
o edifício encravado na cidade
não supõe teus lobos extremos.
Com volúpia, não
calcules a cegueira
sem supor teus uivos.
Brotam nas
sombras,
brotam nas ruas,
em espaços turvos,
no sorriso das cifras.
Avançam a madrugada em que te deitas,
cadavérica.
Farejam e, ao farejar, te despertam,
tão inesperada quanto um asteróide.
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DANÇA PRIMORDIAL
Quantas
vezes vi a loucura me percorrer cegamente as entranhas?
Lavrando do fundo de um corpo sua flor brutal,
libertando
a dança
desregrada que atravessa a voz,
recompondo
na
noite o ouro intenso onde a lua faz ressaca.
Estou
completo em minhas paisagens.
De uma
vida inteira absorvo a marcha,
canto
as estações abertamente,
tocando
com o esquecimento as margens,
que se
distanciam
e
evocam
toda
pureza de uma arte.
Quantas
vezes essa loucura corrompeu o último enlace
do medo
que se abre ao fim de cada feixe de encanto
no
alimento obscuro,
colhido
do apuro
das
visões imensas?
Toda
obra é terrível e sangra
na
memória a sua imagem.
No auge
insondável desse estrondo,
canto
em
volta de uma dor,
o dorso
se contorce,
no
centro,
multiplicando o gesto,
um eco
indefinido devora em travessia
centenas de mundos construídos
e
sonhados.
Pois a
música se apossa da ébria lentidão do meu engano.
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ÉBRIO
a noite levou-me
qual ébrio furacão dentro do sono a casa o perfume nada sabia do
silêncio unânime levava o vinho a janela do quarto negro negro minha
treva me chamava madame colocava gelo no copo ah caminho vegetal de
tentações mesquinhas na manhã abri as asas na revolta de um insone o
vôo sobre a cidade a cidade a cidade a chaga imediata dos vícios
deixei-a entorpecida pálpebra negra enquanto o sol faiscava uma
loucura unânime migrei para as visões distantes a aurora e o beijo
afundou-a até a doçura do sonho besta soberba no outro dia era um
poeta
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ACORDE
NOTURNO
O acorde da
noite
mais uma vez
tombou
sobre meu corpo
migrante,
e, sendo a
música a vastidão no instante,
deixei-me sonhar
em volta dela.
Ela que me tocou
na noite,
na correnteza de
músicas estranhas,
como mar revolto
entre as sombras dos naufrágios.
E navegamos,
sacrificando o
mar, multiplicando as margens,
a infinita
música dos presságios,
exilados nessa
travessia,
onde somente as
estrelas morrem por nós.
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POEMA
MÍSTICO
Repentino,
na clareira
vulcânica da idade,
concebi assim a
leitura da memória:
de que tudo que
desata, cresce e morre
tem um gesto,
um gesto de
princípio.
Deveríamos
chamar ritmo
tudo que nos
torna exaltados.
Somos tentados a
ver dentro do sonho,
assim nos
recriamos do que nos causa escândalo,
nomeamos a
noite, a tarde e a manhã dos tempos
como fôssemos
deuses.
Somos ritmo do
sonho,
lembrando,
vagando,
no fim de cada
era,
causando
escândalo.
Vede, as
estrelas,
os frutos das
figueiras,
o templo
furiosamente
serão lembrados.
Viveremos disso,
dando ao mundo
um nome de
batismo.
Chamaremos
inspiração
tudo que
concentra,
avança e se
enraíza.
Impérios
definham.
Somos tentados a
dizer que foi um sonho,
um sonho dentro
do sonho,
se concebêssemos
tal geometria.
Pois também se
lavram as águas antigas.
Vede, as águas
calmas
são também
colhidas.
O sonho não é
sonho,
a memória não é
memória.
Há sempre um
Deus a redizer a história.
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