Georgina Albuquerque
Freud x Nélson
Rodrigues
Há uns sete anos atrás, lembro-me
de um professor haver feito referência à antiga estréia de "Vestido
de Noiva" (direção de Ziembinski). Segundo ele, devido à forte
tensão, Nélson Rodrigues havia assistido à peça de costas para o
palco. Ao final do espetáculo, platéia impactada, uma das pessoas
que o assistia pôs-se a aplaudir e, paulatinamente, a tímida
manifestação transformou-se em calorosa saraivada de palmas.
Geralmente, por ocasião da
conclusão de uma obra, ocorre uma certa hesitação ou relativa
ansiedade quando de seu lançamento para apreciação pública. É fácil
avaliar, também considerada a questão temporal, o quanto isso se
intensifica quando se referem a temas diretamente relacionados ao
mergulho no inconsciente humano. "Álbum de Família" representava
justamente esse "incômodo", ou seja, esse desnudar do indivíduo.
Escrita em 1945, a peça mítica de Nélson Rodrigues ficou censurada
durante longos anos, até que Raphael de Almeida Magalhães a liberou.
A Psicanálise tornou clara a idéia
de que a repressão dos anseios mais primitivos do homem surgiu
decorrente das regras do jogo social. Em Totem e Tabu (1912- 1913),
Freud refere-se justamente a essa questão do controle social dos
impulsos, concluindo que o homem nunca internaliza completamente a
interdição. Daí consiste a necessidade de o grupo social criar um
sistema interno que garanta sua ordem interna, decorrendo disso o
conflito de duas grandes forças que são o desejo de violação das
normas instituídas e o recalque do desejo por uma questão de
imposição social. O estudo deveu-se ao interesse de Freud pela
Antropologia, assim como pela inter-relação entre a civilização e a
repressão dos instintos.
Em Álbum de Família, emergem os
recônditos impulsos da natureza humana, dentre eles o incestuoso.
Nélson Rodrigues não se afasta de um cunho moralizador, ao contrário
do que possa aparentar uma visão superficial equivocada. Ao término
da obra, resta apenas a mãe como personagem, e esta, após matar o
marido vai ao encontro de seu filho Nonô, enlouquecido após uma
prática sexual com ela no passado.
Dentre os vários costumes
primitivos descritos em Totem e Tabu, retiramos um deles. Diz Freud:
- "A reserva entre o filho e a mãe aumenta à medida em que o filho
cresce, sendo muito maior da parte dela do que da dele. Se a mãe lhe
traz comida, não a entrega diretamente, colocando-a no chão para que
ele a apanhe". Deixando de lado as críticas dos antropólogos à
referida obra de Freud, é fácil compreender a existência de um
desejo e um contra-desejo, funcionando em direções opostas e
simultâneas.
Na obra de Nélson, percebemos isso
claramente em Guilherme, o filho mais velho do casal Jonas e
Senhorinha. Primeiramente, ele desloca o desejo incestuoso para com
a mãe em direção à irmã Glória. Num segundo momento, afligido,
retira-se para o seminário. Não tendo, nem mesmo assim, apaziguado
sua alma, mutila-se numa auto-castração. Resultado insatisfatório
persistindo, preso ainda à fixação incestuosa, termina por eliminar
sua irmã, optando em seguida pelo suicídio. Para o autor, essa foi a
única forma encontrada para obter um contra-desejo eficaz.
Interessante observar que nessa
obra rodrigueana a figura paterna incomoda incessantemente. Nela
encontramos uma mistura de sentimentos de incapacidade, opressão,
revolta, assim como transmite várias vezes a impressão de que o
mesmo é o causador de todo o caos reinante no núcleo familiar. Em
dado momento, o filho Edmundo fala com Senhorinha: - "Seria tudo
melhor se em cada família alguém matasse o pai!"
Segundo a teoria freudiana: "...a
imagem que um filho faz do pai é habitualmente investida de poderes
excessivos desta espécie e descobre-se que a desconfiança do pai
está intimamente ligada à admiração por ele. Quando um paranóico
transforma a figura de um de seus associados num perseguidor, está
elevando-o à categoria de pai; está colocando-o numa posição em que
possa culpá-lo por todos os seus infortúnios".
Ainda com relação à simbiose
incestuosa entre Senhorinha e seu filho Nonô, verifica-se que esta
foi a única a escapar da morte. No entanto, considerando-se que a
gravidade e o caráter de ruptura interna decorrente da loucura
assemelha-se de certa forma àquela outra, chega-se à conclusão de
que, sem a efetivação do recalque, o indivíduo está fadado apenas à
desgraça. Dona Senhorinha parece transpor os limites da sanidade
mental quando, no final da obra, diz: " - Nonô me chama - vou para
sempre." Triste castigo!...
|