Gilfrancisco
Adelmo Oliveira, andarilho do vento
Conheci o poeta Adelmo José de
Oliveira (Itabuna, 1934) em 1975 na chefia da sucursal do jornal
alternativo Movimento (jun.1975-nov.1981), quando iniciei no
jornalismo como muitos estudantes universitários da época, tendo,
como colegas de redação, Tibério Canuto, João Henrique Coutinho,
Linalva Maria, Oldack Miranda e Emiliano José da Silva, estes dois
últimos, autores do livro “Lamarca, o Capitão da Guerrilha”,
publicado em 1984. O escritório, que funcionava numa pequena sala do
5º andar do edifício Adolfo Basbaum, nas proximidades da ladeira de
São Bento, encontrava-se sempre cheio: jornalistas, sindicalistas,
estudantes, assinantes, alguns proprietários de bancas de revistas
ou periodicamente a visita de um funcionário da polícia federal
procurando por um de nós. Às vezes era difícil trabalhar durante o
dia, motivo pelo qual saíamos sempre tarde do escritório. Morávamos
no mesmo bairro da Pituba. Eu, na rua Goiás; e ele, na Paraíba. Por
isso, íamos sempre juntos para casa todas as noites. Após o
encerramento das atividades no jornal, caíamos na boemia da rua
Carlos Gomes ou Faísca para degustar uma boa carne de sol com pirão
de leite no Tabuleiro da Baiana. Às vezes optávamos por um
ensopadinho de língua no Porto do Moreira ou uma feijoada no
restaurante do Biu, situado no 1º andar de um num velho sobrado da
Carlos Gomes e, por fim, no bar do saudoso amigo Sandoval, (o velho
Sandoval do Varandá) já próximo das nossas residências, encerrávamos
mais uma noite.
Aos domingos, (obedecendo à escala)
íamos ao Aeroporto 2 de Julho apanhar os jornais Movimento, Nós
Mulheres e depois Em Tempo para colocarmos nas bancas de
revistas pela manhã do dia seguinte. Através do poeta Adelmo
Oliveira foi que conheci outros poetas, novos políticos, o grande
humanista Dom Timóteo Amoroso Anastácio e várias comunidades da
periferia de Salvador, como Marotinho, onde passamos um São João,
juntamente com Marcelo Cordeiro e Capinan.
Portanto, conheci-o em muitas manhãs e
em noites estreladas, com aqueles óculos antiquados parecendo o
fundo de uma garrafa de champanhe que o envelhecia, sempre fumando
sem parar, com uma belíssima piteira inglesa: parecia um caapora,
personagem mítico tupi das florestas brasileiras. Era padecente da
claustrofobia, por isso não usava elevador, obrigando a acompanhá-lo
pela escada. Mas o que me intrigava eram aqueles grandes olhos
negros abertos para o mundo, para a vida e para as palavras. Sempre
voltados para a paisagem urbana. Bom conselheiro, bom companheiro e
único pagador das farras.
É dessa época que recebi de suas mãos
um exemplar do livro “O Som dos Cavalos Selvagens” (20 poemas de
Adelmo Oliveira), oferecido com a seguinte dedicatória: “Para,
Francisco Pinto, D. Timóteo Amoroso Anastácio, Sergio Amado
(impresso) e Gilberto, sensibilidade para as coisas da inteligência.
Com admiração. Assinatura”. “O Som dos Cavalos Selvagens” é uma
edição muito simples, de 36 páginas, com capa do artista plástico e
cineasta Francisco Liberato de Matos, sem indicação do ano de sua
publicação (1971). Como represália do regime militar, o autor foi
preso em sua própria residência, submetido a um interrogatório e
teve toda edição de sua obra confiscada e destruída por ordem do
Ministro da Justiça.
O livro é um canto singelo para várias
vozes contra a ditadura militar. E abre com o “Poema Narrativo nº
1”:
O poeta converte a chuva e o sol
Em calmaria e tempestade.
Rompe a madrugada no tempo
E abre o friso claro das eras.
Mistura-se ao pó das revoluções
E pede solução ao futuro.
“Poemas da Vertigem”, seu mais recente
livro, selo editorial Edições Arpoador, texto de Maria da Conceição
Paranhos, ilustração de Bel Borba, 2005, está organizado em três
partes. I. Baladas, com vinte e um poemas; II. Sonetos e,
finalizando, III. Outros Poemas, dezoito textos. Por conseguinte,
“Poemas da Vertigem” confirma algumas observações feitas
anteriormente e permite-nos avançar na compreensão do modo como
Adelmo Oliveira encara sua poesia. A partir desse sentimento de
solidariedade, expande-se a óptica social de seus escritos. É essa
liberdade criadora a característica principal que atravessa sua obra
para converter-se no refúgio que confunde com a própria existência,
dando sentido a esta, cujo exercício criador não é simples, mas é
sempre o mesmo na sua multiplicidade de faces.
Trabalhando sua obra com afeição
especial, o poeta Adelmo Oliveira adquiriu uma técnica e uma
personalidade excepcional, onde seu universo poético está construído
pelo social, que o marcou decisivamente. Não como um arquiteto, mas
como artesão que constrói cada verso de forma a dar uma estrutura
consistente ao poema. Por isso, sempre teve alta consciência crítica
da construção de seus poemas, desmistificando os mecanismos de
funcionamento da linguagem.
Este pequeno “inventário de tudo” nos
oferece um desempenho estético que se renova e se revigora no
exercício de uma escritura visceral, assegurando sua presença, que
tem sido uma constante, a desafiar boa parte da crítica literária
baiana. Ele se vale de um instrumental importante, em que se
harmonizam o artista e o artesão, não sendo assim de surpreender a
pujante variedade métrica e de esquemas rítmicos que informa o seu
verso.
Esse itabunense é um poeta culto, um
poeta de poetas e, por conseqüência, um crítico de poetas, muito
embora seu ensaísmo, quase todo inédito, seja episódico. Adelmo é um
poeta opulento e bem nutrido por muitas leituras: Lorca, Maiakóvski,
Neruda, Nicolas Guillén, Shakespeare, Eliot, Pound e outras; por
isso, resolveu se incluir a uma legião de poetas que têm por
compromisso maior tornar sua voz a voz de todos.
Adelmo Oliveira, dedicou-se, desde
cedo, à poesia, como ele próprio o disse numa de suas entrevistas:
“a fim de pôr em ordem a sua realidade interior”. Depois de
permanecer alguns anos em Campo Formoso (Centro-Norte Baiano),
cidade natal de seus pais, estuda no Ginásio Augusto Galvão e cria o
jornal estudantil “A Voz Estudantil”. Fixando residência em Salvador
nos anos 60, para dar continuidade aos estudos, onde adquire grande
parte de sua formação intelectual, conclui o curso de Direito em
1966 pela Universidade Federal da Bahia. Durante sua vida
universitária, participou do Movimento Cultural da Bahia,
colaborando em vários jornais de Salvador.
Voz indispensável ao elenco dos que
integram a Geração 60 da poesia baiana, ao mesmo tempo em que dele
pode ser dito que infunde sangue novo à poesia brasileira de hoje.
Mesmo tendo sido eleito a deputado e ocupado uma cadeira na
Assembléia Legislativa do Estado da Bahia em 1978, graças a sua
formação humanista, nunca deixou de ser humilde, amigo, companheiro
de todas as horas. Adelmo Oliveira mergulhou, de corpo e alma, numa
infinidade de assuntos polêmicos, tornando-se uma das figuras mais
representativas dos agitados anos 70, na cidade do Salvador. Moderno
apesar de arredio para divulgar seus trabalhos é um homem viajado
que vive para o mar, levando uma vida simples na convivência
familiar, de pescadores e invasores de Lauro de Freitas.
Com “Poemas da Vertigem”, Adelmo
Oliveira vem confirmar seu espaço poético na literatura baiana há
muito assegurado, através de livros como “Canto da Hora Indefinida”
(1960); “Três Poemas” (1966); “O Som dos Cavalos Selvagens” (1971);
“Cântico para o Deus dos Ventos e das Águas” (1987) e “Espelho das
Horas” (textos: Gustavo Falcón e Timo Andrade, 1991). Tem
colaboração em várias revistas: Ceas (Centro de Estudos e Ação
Social); Exu, Quinto Império; Iararana; Anto e Saudade, ambas
editadas em Portugal, além de participação em várias antologias. A
partir de 1986, passou a compor letras de música popular com
parceria de Fábio Paes e do carioca Augusto Vasconcelos. A
publicação dessa edição comemora os quarenta e cinco anos de labor
poético de Adelmo Oliveira. O importante é ler os poemas, de
preferência, com a aquisição do livro, para assegurar a presença da
“poesia sempre”, que caminha por todos os ritmos, por todas as
formas, por todos os tempos.
(Gilfrancisco é jornalista,
pesquisador e professor universitário, reside em Aracaju.)
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Adelmo Oliveira
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