Maria do Socorro Cardoso Xavier
Comentário sobre Estudos & Catálogos - Mãos:
Maria do Socorro Cardoso
Xavier
Admirável escritor/poeta Soares Feitosa:
Gostei deveras da prosa e projeto
Edições Cururu. Lembrei-me de uma modinha que ouvira e participara dos
folguedos de infância, nos terreiros em noite de lua cheia: ..."sapo
cururu da beira do rio, quando o sapo canta ó maninha é que está com
frio"...
Nordestina, dos sertões de Pernambuco,
porém meio cearense, devido a minha ancestralidade materna: percorri
no lombo de cavalos léguas e léguas as plagas do cariri e outras
cercanias do Ceará: Barbalha (Sítio Cocos, Roncador), Brejo dos
Santos, Porteiras
(Massapê), Jati. Por lá meus bisavós e avós maternos possuíam
propriedades e engenhos.
Este magnífico texto "Estudos &
Catálogos - Mãos", do escritor Soares Feitosa, - prefácio quase ensaio
do livro Recordel de Virgílio Maia, é sem dúvida alguma, uma obra de
arte literária das mais originais. O ludicismo, o lirismo e o realismo
do autor ao tratar das coisas da ambiência nordestina, de forma tão
profunda e autêntica, fez-me reportar qual quadro vivo aos idos da
minha infância por aquelas paragens.
Soares Feitosa metafórica, inconsciente
e ou conscientemente, resgata o universo sertanejo, nos fazendo ouvir
o aboio do vaqueiro, o relinchar dos cavalos, o chocalho do gado e
bodes, os bacorinhos, os bezerrinhos desmamados, os burros e jumentos.
Os baldes de leite e o cheiro dos currais, a coalhada, as farinhadas,
a prensagem do queijo de manteiga, cujo dia era uma festa: os fios de
queijo no alguidar cozendo no fogo de lenha, e a criadagem disputando
a raspa do alguidar para dali fazer uma boa farofa.. "Chouriço" era
outra festa: o doce feito do sangue do porco com gergelim pilado no
pilão e rapadura, temperado com pimenta e cravo. É de dar água na
boca, tão delicioso doce!
Nem tudo era uma festa e um doce: O
mugido e berro do gado sendo ferrado com o ferro quente em brasa, com
o "logotipo" do fazendeiro. E como traz a propriedade privada berros e
lágrimas! Meus avós maternos ficavam sôfregos com aproximadamente mil
cabeças de gado na serra do Araripe, na iminência de serem roubadas ou
atacados por bandos de cangaceiros, e assim teriam que vender diversas
cabeças para pagar o resgate. Isto ocorreu com minha avó materna em
relação ao bando de cangaceiros denominados "Os Marcelinos".
Do alpendre, ao levantar da rede, o
avistar dos canários e assum preto, de Luiz Gonzaga, os gibões, selas
e baús, herança dos artesãos da península ibérica, o ecletismo
cultural árabe, - povos pastores, estes, além de conduzir os rebanhos
de ovelhas, trabalhavam muito bem o couro.
O crochê, renda de almofadas, com fios
de algodão, a partir de bilros e espinhos de mandacaru, artesanava-se
para enfeitar as sertanejas, amenizando seu caráter rijo. Que sertões
étnica e belamente ecléticos:
portugueses, índios, negros, cristãos novos, árabes, tudo fundido num
caldeirão de cinco séculos- travestidos
de brasilidade, cujo lirismo e realismo ao mesmo tempo, imprime uma
magia inigualável.
Tudo isto o autor, escritor e poeta
Soares Feitosa resgatou neste texto fantástico, quase prosa lírica:
não fica a dever a Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Humberto Eco de O
Nome da Rosa, Gabriel Garcia Márquez em Cem Anos de Solidão. E ao
escritor e teatrólogo paraibano, Ariano Suassuna.
O autor foge ao lugar comum, a
intertextualidade de leve; entre o erudito e o popular, tece
milagrosamente a ficção e o real; se abraçam para caracterizar as mil
e uma ma noites dos contos nordestinos. Texto singular e rico,
beirando as margens do épico.
E assim encerro esta singela apreciação,
semioticamente quase sentindo o cheiro agradável do capim-santo, da
terra quente molhada com as primeiras chuvas de janeiro, o som do
aboiar do vaqueiro; a
coreografia da anágua rendada e gomada das moças casadoiras, para ir a
missa do domingo e a festa da padroeira (o).
Fechando estas breves impressões, pois
longe de crítica
literária, invoco o cientista social Euclides da Cunha, com frase
indelével e tão atual: "O sertanejo é antes de tudo um forte"!
Com um abraço fraternal de nordestina,
meio cearense,
Maria do Socorro Cardoso
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