Gláucia Lemos
Versos cativantes
18.09.2004
Cyro de Mattos, poeta premiado, é um escritor de admirável
prodigalidade. Sem grande espaço de tempo, estamos a receber novos
livros seus. Temos agora, com edição do selo Letras da Bahia, da
Secretaria de Cultura do Estado, seu novo livro de poemas Os Enganos
Cativantes.
Nas primeiras páginas, o poeta mostra foto de prédio em Itabuna,
onde estudou as primeiras letras, e fotos de quando usou a primeira
gravata, mais duas, na redação do Jornal do Comércio, no Rio, em
1970, e outra atual, na cidade natal, essa seguida de pequena
estrofe que lhe foi dedicada por Carlos Drummond de Andrade. Tal
conjunto de fotos quer mostrar o autor em três distintas etapas da
sua vida, segundo parece ao leitor.
O livro traz texto do escritor e poeta Samuel Penido, que discorre
sobre o trabalho do poeta, exaltando-lhe o mérito. Então entramos na
literatura de Os Enganos Cativantes, e encontramos 78 poemas
divididos em Os Enganos Cativantes, Cartilha da Natureza e Cantigas
de Agrado.
Na primeira parte, Cyro de Mattos visita a infância, a vida do sol
bem usufruída ao longo dos campos, na volúpia das águas do rio -
companheiro fiel, na liberdade do vento alvoroçado a instigar com
intensidade as brincadeiras. Sua cidade da infância é aí recordada
nas ruas, na alegria de vivenciá-la, nela entendida uma completude
mágica. “Duvida não havia/ o mundo era completo”. Talvez saudade da
janela do quarto por onde era possível “catar estrelas” como
“rosários de lume” e que lhe fosse natural desfiar na hora do sono.
E por aí vão os versos revivendo uma infância na qual não falta a
lembrança do pai, outrora quase sal, transformado em mel pela
sabedoria amorosa vertida pelo tempo.
E entramos na segunda parte, onde a Cartilha da Natureza torna-se
uma ode. Nela são cantadas as mãos rudes e gastas de cuja labuta se
nutrem todos os que se alimentam dos rebentos da terra. São cantados
os braços multisseculares das árvores, a magia das estações
inspiradoras da rotação dos sentimentos e desejos; o cão e sua
amizade, o grilo e sua cantilena, o caranguejo e a tristeza da sua
lenda, galos no rosa-cinza-amarelo da madrugada e o bicho-preguiça
no arrastar do lentíssimo destino. E não falta um músico especial
nessa sinfonia: “nas cordas do sol/ o canário toca/ músico divino/
pingos de ouro/ solta do bico.”
A terceira parte do livro Cyro de Mattos nomeou Cantigas de Agrado.
São cantigas dedicadas a poetas e prosadores daqui e d’além mar, em
cada poema incluindo versos referentes à produção do personagem
cantado. Do para-sempre-maior Adonias Filho, recorda Cajango (de
Corpo Vivo), um dos personagens mais fortes e notáveis do romancista
de Itajuípe. De Myriam Fraga associa um dos versos de Femina.
De Florisvaldo Mattos a intertextualidade se faz com Reverdor e
Caligrafia do Soluço. De Drummond com “a pedra no caminho’, de
Bandeira, Passárgada, e de Jorge Amado várias mulheres. De Carlitos
a sua bengala e chapéu-coco, e, afinal, sem mesmo ter mencionado
aqui muitos outros de igual importância, como Lorca, Rimbaud e
Pessoa, não quero esquecer os pavões filhos da genialidade
multicolorida e luminosa de um dos mais fecundos poetas que
enriquecem a nossa plêiade literária, Sosígenes Costa.
O livro é encerrado com a fortuna crítica do autor, bastante
expressiva, e é, sem dúvida, um livro de poemas bem elaborado, na
sua organização, como no conteúdo, no qual a versificação não se
compromete com a rigidez ortodoxa - ao contrário, flui consciente da
sua liberdade.
Gláucia Lemos é ficcionista premiada e autora de
livros infanto-juvenis. Publicou, entre outros, Luaral, romance, e
As Aventuras do Marujo Verde, juvenil
Leia a obra de Cyro de Mattos |