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			Carlos Graieb 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            
			
			 
			 
			
			 
			Cadê a crítica? 
			 
			Revista Veja - Edição 1655 
			- 28.06.2000 
			
			 
			 
			 
			
			Encastelados e alienados, os estudiosos de literatura do país não 
			cumprem sua função de movimentar o debate cultural  
  
			
			  
			
				
					
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						 Joel 
						Rocha  | 
					 
					
						
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						 O poeta 
						concretista Décio Pignatari: nas hostes da semiótica  | 
					 
				 
			 
			
			Está faltando um personagem na cultura 
			brasileira. Ele se chama crítico literário. É um contra-senso, 
			quando se leva em consideração que quase todos os jornais 
			importantes do país dedicam cadernos semanais à literatura e 
			recentemente surgiram novas revistas voltadas para essa área. Esses 
			espaços, no entanto, são preenchidos basicamente por duas figuras. A 
			do resenhista, que é o jornalista que acompanha os lançamentos, e a 
			do ensaísta, o acadêmico que redige textos sob encomenda para a 
			imprensa. Nenhum deles tem conseguido revelar talentos, destruir 
			reputações ou levantar polêmicas. Nenhum deles tem conseguido criar 
			o tão necessário debate cultural, que é a função primordial do 
			crítico. Ao resenhista costuma faltar o conhecimento que só pode ser 
			adquirido por quem se dedica a estudar literatura a fundo. Já o 
			ensaísta costuma pecar pela falta de coragem. Além de abusar do 
			jargão, falando apenas para os seus pares, os acadêmicos que 
			escrevem para jornais se debruçam em geral sobre autores do passado 
			e se eximem de opinar sobre a produção contemporânea. A soma desses 
			fatores traduz-se numa palavra desalentadora para a cultura 
			brasileira: modorra.  
			
			Nem sempre foi assim. A história de 
			como os críticos literários sumiram do país é ilustrativa. Durante a 
			primeira metade do século XX, eles estavam por toda a parte. O nome 
			mais representativo desse período foi o pernambucano Álvaro Lins, 
			que o poeta Carlos Drummond de Andrade chegou a apelidar de 
			"imperador da crítica brasileira". Ele colaborava regularmente com 
			jornais do Rio de Janeiro, de Pernambuco e da Bahia, e foi o 
			"descobridor" de talentos como Guimarães Rosa, entre outros. Uma 
			palavra sua determinava o sucesso de um livro. Ao longo dos anos 40 
			e 50, porém, a teoria literária começou a lançar raízes nas 
			universidades brasileiras e logo se mostrou hostil ao trabalho dos 
			"homens de letras sem especialização". Bom exemplo dessa nova 
			mentalidade está no baiano Afrânio Coutinho, para quem a formação 
			"ampla e complicada" de um crítico só poderia ser obtida nos 
			departamentos de letras. Coutinho logo escolheu Álvaro Lins como 
			alvo. A campanha surtiu efeito e deu início ao declínio dos críticos 
			de rodapé, assim chamado por ocupar o pé das páginas das 
			publicações.  
			
			Sobra espaço – O problema é que a nova 
			geração não ocupou o espaço deixado pela que acabara de destronar. 
			Alguns autores, como o carioca Antonio Candido, por algum tempo 
			conciliaram a vida acadêmica com o trabalho nos jornais. Escritores 
			que depois virariam clássicos, como Jorge Amado ou João Cabral de 
			Melo Neto, estiveram entre aqueles analisados por Candido logo ao 
			estrear. Ele também criou polêmica ao apontar o "comodismo estético" 
			do modernista Oswald de Andrade, na Folha da Manhã, em 1943. Em 
			1959, porém, Candido publicou um livro com jeitão de tratado, 
			Formação da Literatura Brasileira, possivelmente o mais influente 
			estudo já produzido no país. Depois disso, foi se voltando cada vez 
			mais para o ensino na USP e para o ensaísmo. Nos últimos dez anos, 
			quase não publicou. "Tornei-me um simples leitor, o que é mais 
			divertido", afirma. É verdade que, a essa altura, Candido já formara 
			uma ninhada de discípulos, cujas obras estão sendo relançadas pela 
			Editora 34 na coleção Espírito Crítico. Mas a maior parte deles – e 
			também dos teóricos de outras linhagens – é avessa ao corpo-a-corpo 
			com a produção atual, seja ela brasileira ou estrangeira.  
  
			
				
					
						| 
						 Fabrizia 
						Granatieri  | 
					 
					
						
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						 O 
						ensaísta Silviano Santiago: politicamente correto 
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			"Patureba jabotínico" – O ensaísmo 
			acadêmico brasileiro, dividido em correntes que se opõem, poderia 
			gerar polêmicas interessantes. Três de suas correntes mais fortes 
			são a "sociológica", a "formalista" e a "culturalista" (veja 
			quadros). A primeira descende diretamente de Antonio Candido e 
			trabalha com a idéia de que a estrutura social de uma época 
			normalmente está refletida não apenas no assunto, mas também na 
			forma das obras literárias. Ao estudioso cabe, assim, investigar 
			tanto a literatura quanto a sociedade. A essa corrente contrapõe-se 
			outra, que poderia ser chamada de formalista. Ela tem como 
			quartéis-generais os departamentos de semiótica das universidades, 
			sobretudo o da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Os 
			formalistas privilegiam a análise pura do texto, sem levar em conta 
			nada que lhe seja exterior. Principais representantes: os poetas 
			concretistas Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari. 
			Finalmente, a corrente culturalista foi buscar inspiração nos 
			franceses Roland Barthes, Michel Foucault ou Jacques Derrida. A 
			leitura de tais autores ajudou ensaístas como o mineiro Silviano 
			Santiago a abrir linhas de pesquisa "politicamente corretas", 
			preocupadas com particularidades étnicas ou sexuais.  
  
			
				
					
						| 
						 Cláudio 
						Rossi  | 
					 
					
						
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						 Roberto 
						Schwarz: última polêmica foi há quinze anos   | 
					 
				 
			 
			
			Esses acadêmicos às vezes se enredam 
			em acalorados debates internos, interpelam-se uns aos outros nos 
			corredores da universidade e nas notas de seus textos, mas é raro 
			que polemizem diante do grande público. A última vez que isso 
			aconteceu foi há quinze anos. A querela envolveu o marxista Roberto 
			Schwarz e o concretista Augusto de Campos. O primeiro destruiu o 
			poema Pós-Tudo, escrito pelo segundo. Augusto respondeu irado. O 
			curioso é que a crítica brasileira surgiu sob o signo da polêmica. O 
			grande responsável por isso foi o sergipano Sílvio Romero, que na 
			virada do século XIX arranjou confusão com quase todo mundo. No 
			calor do debate, Romero invariavelmente deixava de lado a polidez e 
			partia para o pugilato. Chamou, por exemplo, seu colega José 
			Veríssimo de "basbaque literário" e "patureba jabotínico" (seja isso 
			o que for). Seguindo talvez o exemplo de Romero, os críticos 
			militantes do começo do século XX também recorreram com freqüência à 
			provocação. Muitas dessas polêmicas, iniciadas unicamente com a 
			intenção de fazer barulho, eram infrutíferas do ponto de vista 
			cultural. Tê-las na imprensa, no entanto, era de longe preferível ao 
			marasmo bem fundamentado dos dias atuais. Pelo menos era divertido.
			 
  
			
				
					
						| 
						 Joel 
						Rocha  | 
					 
					
						
						  | 
					 
					
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						 Wilson 
						Martins: crítico que realmente critica   | 
					 
				 
			 
			
			Sem descendentes – O último 
			representante da antiga geração dos críticos militantes é o paulista 
			Wilson Martins. Ainda hoje, aos 79 anos, ele assina semanalmente um 
			"rodapé literário" para os jornais O Globo, do Rio de Janeiro, e 
			Gazeta do Povo, de Curitiba, no qual analisa a produção 
			contemporânea. "É o tipo de trabalho que cria uma cumplicidade entre 
			o crítico e o leitor", diz ele. Seguindo a linha de Martins, VEJA 
			inaugura, na semana que vem, uma coluna quinzenal de crítica da 
			literatura brasileira atual. Mas é preciso que o ensaísmo acadêmico 
			desça da torre de marfim. Ajudaria também que os escritores 
			brasileiros perdessem o medo de melindrar seus pares e começassem a 
			falar mais de livros alheios. Isso é comum nos Estados Unidos e na 
			Inglaterra, onde autores consagrados como John Updike ou Martin Amis, 
			além de escrever romances, também fazem resenhas e ensaios, cultivam 
			inimigos, participam de polêmicas e cumprem em grande estilo o papel 
			de intelectuais. O Brasil já teve gente assim: o piauiense Mário 
			Faustino, que dirigiu o suplemento cultural do Jornal do Brasil nos 
			anos 50, e o poeta José Paulo Paes, que morreu em 1998. Ambos eram 
			críticos dignos desse nome. Pena que não tenham deixado 
			descendentes. 
			 
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