Hiirís Lassorian
Bárbaros
Conhecidos apenas como seres dementes.
Entristeciam-se com facilidade e murmuravam desconsolados palavras
ininteligíveis no âmbito da escuridão noturna, longe das
dificuldades do mundo e de seus empecilhos rotineiros. Não sabiam
calar, mas recomeçavam sempre repetidamente a mesma ousadia sem
limites: odiavam o sol, as estrelas, a lua, o canto dos pássaros, a
natureza, a arte, a literatura, os poetas e o próprio conhecimento.
Apontavam com raiva para o que tanto abominavam e fulminavam com os
olhos e sem piedade tudo aquilo que por um impulso de maldade não
podiam aceitar. Eram acometidos de uma verdadeira aversão pelo
espetáculo de alguns versos recitados em qualquer ambiente.
Habituados aos fardos da sobrevivência, nada consolidavam além do
limite do simplesmente viver. Eram seres perversos que tudo
destruíam por um desejo cego e egoísta. Corpos alienados no medo e
absortos numa nostalgia absurda, tão cruel quanto os reveses da
existência que driblavam aqui e acolá pela sede de chegar ao topo de
uma ilusão doentia. Viviam mesmo assim, sem uma razão que os
orientasse na contemplação de um outro mundo, apenas diferente na
margem e complexo no seu modo de ser. Em suas mãos quase todos os
poetas e pensadores eram assassinados e tudo quanto era vida
aniquilada. Nenhuma oposição era capaz de resistir diante dos seres
da destruição, que se alimentavam do ódio e da morte. Não foi por
acaso que o próprio conhecimento foi capturado e trancafiado numa
masmorra, sem luz e na completa escuridão, para morrer aos poucos e
lentamente. Estávamos no tempo da servidão doentia, onde pensar e
recitar versos não tinha vez nem sentido.
O fugitivo
“Um rosto que pena, assim tão perto
das pedras, é já ele próprio pedra!”
Camus
De tempos em tempos, o céu enegrecido.
Seu olhar e seus pensamentos conspiravam com as promessas da aurora.
A esperança se lançava de seu templo subjetivo aos deleites
sucessivos que os dias prometiam num futuro incerto. No dorso da
imaginação, cavalgava sobre paraísos e amores pressentidos. Angústia
e desespero também resumiam sua condição. As grades geladas daquela
prisão ainda eram o seu verdadeiro dilema. Como escapar incólume dos
antros obscuros da noite, sem sofrer as expensas de uma tirania
secular? Como murmurar para um céu frio e indiferente aos receios e
as fraquezas humanas? Todos os seus esforços pareciam em vão. Ainda
que a febre suplantasse sua lucidez, o sol atrás dos montes não
deixaria de nascer. Os dias sucessivos surgiriam como a antecipação
profética de que tudo continuaria como estava e que não haveria
trégua enquanto o ser humano existisse nesse mundo. Longe dos mitos
e das encarnações seculares, todos os seus passos eram vigiados com
meticulosa atenção. Não haveria como escapar. Uma prisão às margens
do abismo, em meio aos rochedos e a devastação. Livre como um
pássaro, só lhe faltava asas para poder voar. As grades eram
obstáculos, não mais do que metáforas de sua imaginação. Indiferente
e só, adormeceu no cair da noite.
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