Horácio Rodrigues
O Jorge dos Espelhos Cearenses
"existe algo mais fantástico que o universo?
Algo mais fantástico que um homem
com dois olhos em lugar de um?"
Ernesto Sabato
O tamanho de um livro não pode ser determinado pela quantidade de
papel entre suas capas mas pelo estranhamento e estupefação, emoção
e assombro, a originalidade do autor e a paixão despertada em cada
leitor. Paixão a ser exposta, multiplicada, propagada a futuros
leitores.
E o livro não tem tamanho quando ele é único, ultrapassa definições,
transgride e se expande.
A escrita como meio de comunicação, levando ao infinito a
comunicação oral ou gestual, subvertendo o labirinto semântico.
Jorge Pieiro (leia a entrevista exclusiva dada ao Baguete Diário)
com Caos Portátil (Ed. Letra e Música- Fortaleza -1999, 88 páginas)
consegue em curto espaço abrir as asas do sonho e empreender um vôo
mágico, impossível de não ser acompanhado. Sem pompa e com
atrevimento, transforma a linguagem usual em linguagem literária,
parte do corriqueiro chegando a uma dedução fantástica.
Em seus contos curtos, quase poemas, Jorge surpreende ao transpor o
horizonte semântico da comunicação onde o possível se confunde com o
impossível, ultrapassando, de maneira simples, a visão realista.
Tzvetan Todorov na Introduction À La Littérature Fantastique afirma
que a literatura fantástica é a "quinta essência" da literatura.
Caos Portátil não é literatura fantástica, não aquela que foi moda
certa época, principalmente para nós sonolentos latinos. Menos mal
que os modismos passam.
Jorge faz uso de uma linguagem plurisignificativa, onde intelecto e
sentimento não estão dissociados. "Se não há neurose não há
literatura" como bem disse E. Ionesco, e essa neurose pode ser
encontrada em vários momentos de Caos Portátil, como em última
sessão onde um assassinato durante a exibição de um filme
confunde-se com a ficção ou a neurose coletiva de "o sábio" provando
que mesmo na literatura fantástica subsiste uma correlação com a
realidade.
Nas raras e densas páginas de Caos Portátil nos é permitido um
passeio pelo labirinto encantado, o tempo, o espaço, o infinito, a
angústia diante da cultura como A Biblioteca de Babel de Borges.
Sem estar presa a realidade, a literatura de Jorge adverte que o
real não devia acontecer desta forma e a verdade do universo
imaginário não é de todo tão absurda, despertando-nos da cômoda
posição de vítimas de nefandos governantes, sacudindo-nos para uma
larga possibilidade que ainda temos de nos maravilharmos. Talvez uma
forma pouco coerente de viver nos dias atuais onde estímulos
distintos podem coexistir ou se recusar, onde pensar venha a ser não
pensar, desequilibrar para ordenar. É da suposta confusão que emerge
leve para o vôo, Caos Portátil, a desordem necessária, labirinto e
espelho de um JORGE cearense.
Um beija-flor
Um beija-flor ama a flor. A amante enrodilha as pernas pelas
encruzilhadas.
Uma flor beija um amaflor. O jardineiro jamais fere suas mãos em
espinhos.
Oru, o jardineiro, mandou notícias de Panaplo. Ele ama a Mariazinha
cheia de mitologias. Um beija-flor ama a flor.
E quem não ama? E quem não pode amar? Se amar?
Quanta falta de flores e beijos e amores...
Quanta falta a de um seio na boca de Ramón, o presidiário!
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Caos Portátil
Autor: Jorge Pieiro
Págs: 88
Editora Letra e Música Comunicação Ltda.
Rua Fonseca Lobo 1528/701
60175-020 Fortaleza - CE
Fax: 85 242-8609
Contatos com o Autor: jorgepieiro@secrel.com.br
(*) Horácio Rodrigues é, entre outras coisas,
dramaturgo e diretor de Teatro. Nasceu em Rosário do Sul/RS, mas
vive no Rio de Janeiro/RJ.
Leia a obra de Jorge Pieiro
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