Izacyl Guimarães Ferreira
Sonia Sales mostra os dedos da
morte
Sonia Sales, autora deste livro das
Edições Galo Branco, de título forte como os textos que o compõem -
Os dedos da morte - assina onze livros de poesia, ensaio e
literatura infanto-juvenil. Sua numerosa obra tem merecido o
aplauso de nomes importantes, como Antonio Olinto, e Affonso Romano
de Sant´Anna, e poemas a ela dedicados por ninguém menos que
Drummond.
Não conheço outros livros seus e me
atenho ao que leio nesta edição, bilíngüe, em português e
espanhol,sem entrar no mérito das traduções.
Este livro, com capa que mostra
detalhes de Durer ,os dedos da morte do título,é uma longa série de
elegias, não só sobre a personagem central,a morte,mas sobre o
estado do mundo. Uma lamentação sobre a visível degradação geral da
vida, nas pequenas e grandes perdas, pessoais e universais.
Como na “preparação para a morte”, de
Bandeira, Sonia Sales dialoga com a “indesejada”, ora pedindo que
retarde sua vinda, ora imaginando-se já cativa dela, cadáver.
Embora atenta aos recursos sonoros e
rítmicos das palavras, os poemas, em versos livres, sem isometria ou
rimas, apenas casuais, voltam-se mais para o tema geral desta morte
que nos ameaça, cerca, tateia, e se mostra nas metáforas clássicas
da noite, do outono, da perda, do esquecimento.
Saudades, solidão, desamparo, medo,
dor, nenhum destes sentimentos sombrios está ausente nos poemas, mas
não há rancor, imprecação no tom, na tônica dos versos. Se há
“cochilo dos deuses”, falta de perdão, sustos – “Volto assustada./ O
mundo já não é meu/não tenho nada.”, há mais a denunciar, fazendo do
livro não um lamento só pessoal mas coletivo, como se vê no poema
sobre a morte de Rabin: “ Vítimas/ expiando culpas/da humanidade em
crise/caminhando para o eterno/em busca do perdão.”
O poema “Nada a esperar” não deixa
dúvida sobre o seu sentimento de total desesperança. Após lamentar
penas e perdas miúdas de coisas banais e diárias, “o trabalho sem
graça/a vida sem graça/ a graça do nada.// conclui:”O tempo
perdido/o nada do nada/apenas o não”.
A morte é tema permanente da poesia
mundial e quero crer que não há poeta que o tenha evitado. Será
talvez, ao lado da temática do amor, o assunto mais freqüente
dos bilhões de versos escritos ao longo de tantos séculos, de tantas
línguas e culturas. È natural que assim seja, que Eros e Thánatos
rejam nossas vidas e nossas artes.
Importará sempre que saibamos, nós os
que escrevemos, mostrar sua presença com um sopro novo. Quero crer
que Sonia Sales exibiu esses dedos da morte com traços próprios,
evitando os riscos da facilidade, do sentimentalismo e da
repetição do que terá lido. E não se entrega sem luta a estas mãos.
No poema com o título do livro ela diz isto: “Teus dedos me
apalpam/me acusam./Sou escrava de ti,/ maldita sejas.”
E após imaginar a transfiguração do
corpo, encerra o poema afirmando esperançosa:“Poderei até conhecer o
amor/na depuração da minha alma/ na valorização do meu espírito.”
Entre a impotência diante do fim
inevitável, que permeia todo o livro, e momentos de alguma forma de
crença e retorno e permanência, a poeta expõe o que afinal importa:
a poesia é uma aspiração de sobrevivência.
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