Janilto Andrade
Alvenaria de palavras
O texto Outono de Pedra está divido em
doze partes. Empregarei a palavra item para nomeá-las.
Retirei do item X o termo alvenaria
para dar tÍtulo a esta breve nota, porque é precisamente no item X
(adentrando-se pelo XI), que Majela Colares se consolida como
alvanel da palavra.
O poema é construção de linguagem que
“reinventa” o universo das relações humanas. O poema é o médium da
poesia que, aí, se faz revelação. É a crítica, por sua vez, partindo
da obra, desvenda o que diz o poeta. Mas o poeta interessa à crítica
como o sujeito lírico. A existência desse sujeito emerge das
relações criadas na estrutura poética: no contraponto da
melodia-imagem e significação.
A revelação, no espaço do poema das
possibilidades da linguagem, evidencia a prática (e a concepção)
modernas (e pós-modernas) do fazer poético como fenômeno que projeta
relações nos limites do texto. O papel da crítica é desvendar essas
relações. Se o texto não suporta esse tipo de abordagem, ao crítico,
talvez, não interessará prosseguir na análise.
A “exuberância” imagística de Outuno
de Pedra delineia-se na forma cíclica sugerida: o remate do poema
repete o seu início. “O sol posto” abre o poema (saga) – hipoícone
da saga (destino) dos nordestinos que vivem a vida entre “fantasmas
de coronéis e pesadelos ancestrais” – e fecha-o com a metáfora “um
sol posto”; à sua frente, o nordestino tem “um futuro ignoto”, já
que prossegue por “desertos cortados / de fome e de sede.” É um
“efêmero viver/de ânsia e degredo”. A vida é UM SOL POSTO, a cada
dia. Haverá futuro para quem caminha “entre o tudo (da mais valia) e
o nada” da sua “matéria (corpo) minguada”?
O poema de Majela é indagação que se
faz poesia. Da semiótica poética temos aprendido que as estruturas
paratáticas são as mais adequadas para o processo de iconização do
símbolo (signo). Esse tipo de organização sintática é uma das
peculiaridades da estrututa do poema lírico. Em Outono de Pedra, as
construções justapostas, empregadas com equilíbrio, inscrevem um
mundo icônico de intenso poder significativo projetando paralelismo
que revelam uma História “longa e árdua” de “rude (s) rosto (s) de
cactus”.
Na redondilha do item V:
A flor do mandacaru
estampa um sorriso largo
brotado por entre espinhos
na solidão dessas tardes
qual homem sofrido e pasmo
que se contenta com o nada
nessa miséria de morte
no rude rosto de cáctus
Espinhos da paisagem e da miséria
confundem-se, seja na imagem – veja-se a comparação – seja na
própria melodia dos versos – veja-se, por exemplo, o predomínio dos
fonemas oclusivos no terceiro verso. A construção paratática da
estrofe desencadeia um processo de associação cujo resultado é a
imagem da identificação do homem com o seu ambiente natural.
Na Filosofia da Composição, Edgar
Allan Poe destaca a construção do efeito como elemento essencial no
fazer poético, e o clímax do poema seria a sua concentração máxima.
O ponto culminante deste texto de Majela é a antítese rica estrutura
– pobre estrutura, cujo suporte é “a colher...”. O efeito aí
condensado nasce da imagem que remete para uma realidade paradoxal:
na colher do homem (que maneja a colher que une tijolo, cimento e
pedra, construindo “poder / mais-valia – alvenaria”) está posto,
apenas, o refrão “arroz com feijão” (que “cava / cova” de um “mal /
finado / dia”). A poeticidade se faz com a descoberta das
“possibilidades” da palavra. A polissemia de COLHER origina a imagem
espraiada pelos itens X e XI. Colher (metáfora) de uma situação
absurda: “sustenta” o “poder/mais-valia/alvenaria” do “lorde/nobre”
e, por outro lado, nela (colher) se põe, apenas, o refrão “arroz com
feijão” (que mantém a “angustia/anemia” dos “homens/fome/homens” que
trabalham “substâncias imprescindíveis” à construção das ricas
estruturas).
Num mundo que se constrói à base de
absurdos dessa natureza; num mundo em que se negou ao homem
questionar aquilo que dele (homem) fizeram; num mundo assim, que
Literatura seria possível, senão a poesia da linguagem? Poesia da
linguagem “desdobrada” por Baudelaire e levada adiante por poetas
como este, de Outono de Pedra.
*Ensaísta e crítico literário
paraibano
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