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JÚLIO Dias de QUEIROZ
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Página inicial de Júlio Queiroz
"VOCABULÁRIO INICIAL DO INFANTE”
[Para Gustavo
Filho de Luiz Henrique P. Targat,
Na semana do anúncio de seu nascimento]. 
do livro: SEMENTES DO TEMPO
    1. De repente
    2. O cardeal
    3. O papa
do livro MISSA PARA TODOS OS TEMPOS
  1. Intróito
  2. Kyrie Eleisson
  3. Glória
  4. Credo
  5. A boa nova
  6. Comunhão
  7. Ritos Finais

Mais poemas de Julio Queiroz





1 – PRIMEIRA IMPRESSÃO
 

Primeiramente, as coisas não me são nada.

Depois da expulsão da água morna – minha única saudade –
um ser macio, de cinco pontas,
cheio de vida cuidadosa e tateante,
quase sempre acompanhado de um outro, tão lhe igual,
que poderiam ser uma orquestra – mas, isso não conheço –
sempre trazem, os dois, algum conforto.

Parece-me que preparam tudo 
(mas não sei o que é preparar nem o que é tudo).

Estranho mundo, esse, mais claro que o calor donde provenho,
populado apenas por animais iguais a esses dois,
mas diferentes, na menos maciez.
 
 




 
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2 – PRIMEIRA ALIMENTAÇÃO
 

Tudo foi feito para mim. Isso é bom.

Boa é a fonte que pula túmida e forte na minha boca
e a fome que ela chama é boa, antes dela e depois dela.

E quando me deito na minha fonte, ainda reconfortantemente
cálida, é bom.

Não é um lugar este, para onde vim.
São muitas coisas, estranhas, desconexadas,
sem o calor molhado de onde surgi.
Só às vezes escuto o latejar compassado que me criou e
acompanhou sempre.
Há tanto para experimentar ainda;
tudo tão promessa – cativante e ameaçador –
que tenho curiosidade – mas, tenho medo.




 
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3 – PRIMEIRO CHORO
 
 
 

De repente, começa a se mexer dentro de mim
uma coisa estranha, mas, sem formas.

Está subindo para onde entra o calor molhado
que mais gosto.
Enche-me a boca, mas não tem gosto.
Abro a boca. É preciso que saia isto de mim.
Ouço uma trovoada dentro e fora de mim,
e não é forte.

A ela respondem outras trovoadas, que se aproximam;
debruçando-se em minha volta.

Vieram elas trazidas pelo meu barulho informe?

Se eu aprender a fazê-lo quando quiser,
voltarão sempre, emitindo o calor amigo que procuro,
soltando em minha volta os meigos e confortadores
bichos de cinco pontas?




 

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4 – PRIMEIRO ENCONTRO  COM O PAI
 

Agora são outros dois bichos de cinco pontas.

- dois, como os outros - 
maiores, tomam-me sem o jeito, mas, com mais cuidado
do que os que sempre me levam à fonte quente.

Levantam-me,
- tenho medo de quedas; isto está marcado na lembrança informe –,
levam-me para perto de um tambor compassado
tão igual ao outro, que me foi vida até agora. Mas diferente.
Aperta-me, medroso, contra o compasso de seu mar sem vento 
- este ruído está marcado na lembrança que eu trouxe dos começos -.

Não há ameaças. Posso descansar.

Não é o mesmo amável corpo-berço que me expulsou de dentro de si .
Não sei como, porém,
igual àquele,
também este é minha fonte.
Eu o pressinto também acolhedor.

E mais seguro.




 
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5 – PRIMEIRA RESOLUÇÃO
 
 
 

Já sei o que é sugar vida leitosa
- o que a todos agrada – 
como já sei o que é des-sugá-la 
- o que a todos desencanta –
pois, apressados, trocam por outra a maciez que envolve essa boca
que não suga.

Estranho mecanismo, esse, que formaram em minha volta
E eu terei que levar
sem saber para onde nem por quê.
Só, forçado a avançar,
sem mesmo saber por quanto tempo.

Que estranho modo de existir,
fingindo ter tudo esquecido
para reaprender, reaprender,  reaprender.

Quantos nomes para relembrar,
mesmo sabendo serem nomes apenas cascas
das muitas coisas que fingirei inda não saber.




 
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De repente
Para Sílvio César
De repente,
No viver daqueles que amamos
surgem relâmpagos, mensagens incompreendidas

É a vida que nos avisa
De um morrer que se aproxima inesperado.

Assim, tu, meu filho,
Pitonisa estonteada por sombras clareadas,
mandavas-me mensagens confidentes
que eu, cego no viver, não entendia.
Só quando, quase pronto para frutificar na morte
- tua nova vida –
te abriste para a doença,
num florescer curto, pálido e confiante,
é que meu coração errante e inquieto
reconheceu as feitas promessas de partida.
 Mas, então já estavam teus passos no caminho
e entrevias já a fronteira doutra pátria.

Te falhamos todos: médicos, remédios, até eu,
Que, choroso, dia a dia,
Despedia-me de tua doçura aquietada,
Vendo-te ir-se, como sempre ias e vinhas
na casa comum, despertada ou adormecida;
docemente, quietamente, docemente, quietamente,
sem que nunca se ouvissem tuas pisadas.

..........................................................

Assim como à mesa posta cabe a louça,
assim como a estante requer livros,
ainda mais assim nosso viver ser completava.

Para onde fosse meu olhar,
lá estáveis ou tu ou tua lembrança viva;
para onde se virasse minha vida,
lá estava a tua;
para onde caminhasse meu futuro,
o teu a ele se entranhava.

Agora,
A mesa é sempre vazia de louças
e não há mais futuros.
Apenas esta espera sem sentido.

...................................................

Nunca tive mortos mais ou menos.
Meus vivos são sempre tão vivos,
Tão palpitantemente fogo forte,
Que, ao morrer, levam de roldão,
Suas vidas, muito do meu riso,
E, de mim, sempre uma parte.

Meus vivos nunca morrem como velas bruxuleantes,
Mas como avassaladoras tempestades tropicais
que tudo desnorteiam.

Meu morrer nada mais será
Que meu último pedaço,
levado por meu morto derradeiro




 
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 O CARDEAL

Monsenhor, contabilize o dízimo.
Mande organizar orações em louvor a um santo qualquer;
terminar o relatório para a Cúria,
- como está alquebrado o Santo Padre”
Faça-me uma ligação telefônica com Cicinnati;
outra para o curial que ficou no meu iate;
um bom sermão contra o absenteísmo,
só não usem este termo: é da indústria e do comércio.

E as esmolas de Santa Inês?
Que mês vazio, este...

Monsenhor, quem é esta figura?
Que?  A mim não se ordena.  Trago a púrpura!
Se os cálculos ajustados, em breve alquimio-me em capelo branco.
Que pena!  O jogo do poder em pleno passo...
 
 
 




 
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O PAPA

Mesmo os que em conluios me elegeram,
Temeram-me sempre após a tríplice coroa.,

Sempre alguém me odiou na Cúria,
cuja paixão por labirintos silenciosos
amedronta qualquer adaga ou veneno.
Venci todos.

Como todo mundo, tive amores,
Que sempre me imploraram bênçãos  públicas,
das quais, em silêncio, sorrimos em coitos anônimos.

Morrer, todos morrem. Desaparecer é para o vulgo.
Ficarei em estátuas, medalhas e encíclicas
que continuarão a impor meu querer e meus comandos.

“Morte, onde está tua vitória?”




 
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INTRÓITO

Eis que chegamos, os filhos deste século,
Para juntarmo-nos aos nascidos nos outros.
De tudo que dos passados recebemos
guardamos o fel do ódio, a brutalidade aprendida
e a pretensão – sobretudo a pretensão –
de sermos superiores uns aos outros.

Olhai, gentes do passado,
o brilho das matanças no meu século!

Olhai, inascidos herdeiros do futuro,
a conquista incomparável da traição desculpada!

Transformamos cada vitória do intelecto
em derrotas do humano:

lavamos o planeta com sangue gêmeo;
sujamos seus rios com fabricadas ninharias egoístas;

empestamos os céus, que, mansos, nos cobriam
e até de sua encharcada bênção
acidamos os frutos.

Eis que chegamos, os filhos deste século.
Agora que deixamos o palco para os vindouros,
Nossa doação lhes é suja e estéril.

Eis que chegamos.
Teria sido melhor não termos vindo?
 
 
 
 
 
 
 
 




 
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KYRIE ELEISON
 

Não sou tão indigno quando posso ser.
Satã, apaga o resto de minha humanidade!

Não te desejo tanto quanto posso querer.
Dinheiro, corrompe mais minha vontade!

Não espezinho os mais fracos tanto quanto posso.
Poder, aumenta em mim o orgulho!

Entrarei na vossa morada
e seremos um!
 




 
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GLÓRIA

Louvor a ti, Satã.
A quem servimos,
não importam os nomes que forjemos.
Faz parte de tuia herança
confundir nomes e coisas altas.

Louvor a Ti, Príncipe Altaneiro,
pelo ódio com que nos agraciaste:
cofre infindável de riquezas leprosas
nas quais nos espojamos.

Bocas amargas,
Sísifos orgulhosos,
propusemo-nos a morte da morte.
Só nos restou teu último presente:
arrastar a cada dia
o vazio da pedra que é não sermos nós mesmos.

Louvor a Ti, Satã, por tuas dádivas:
a fome de multidões para nossa gula enfastiada;
e a mais  bela filha de teu orgulho:
a indiferença por feridas alheias,
nossa única, fiel amante.

Louvor a Ti, Satã, amado ameno deste mundo,
Senhor do nosso tempo!

Glória a Vós, Riqueza e Domínio a qualquer custo;
e, na terra, segurança aos donos das bombas

Poder, senhor do mundo,
nós te cantamos
nós te louvamos;
nós te praticamos;
nós te glorificamos;
por ti nos escravizamos,
negociamos qualquer espírito.

Tu, que enches os cofres,
vem em nossa ajuda;
tu, que destruis o cerne das gentes, 
vem para nosso lado;
tu, que compras consciências,
entra em nós,
pois,
só tu és modelo,
só tu és caminho,
só tu és vida,
e tua é a glória para sempre!
 
 
 
 




 
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CREDO

Cremos na força da morte,
mãe do átomo,
e no pavor infundido por seus filhos castradores
para que nós, alvos desenvolvidos,
continuemos na segurança garantida pela
fome parda e a ignorância negra.

Confessamos o direito de vomitar o comido a mais
para não o repartir com esfomeados.

Cremos que o humano que capitalizamos,
se fez nosso contabilista habilitado
a encher-nos os cofres de privilégios,
limpados antes do sangue
que nossos produtos falsificados garantiram.

Cremos na calúnia entre dobras sorridentes
e em afrontas sem cara,
protegidas por linguagens delicadas
silabadas pelos caninos das armas.

Cremos nas febres macdonaldas;
nas lepras coca-coladas
e no lucro da comida envenenada.

Porque acima de todos confiamos nas ações das bolsas.
Cremos em tudo ensinado por teus
banqueiros, políticos e economistas.

É nessa fé que pretendemos nos cancerar e
transmitir o caos para todo o sempre.
 
 
 
 




 
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A BOA NOVA

E, muitas vezes, naqueles tempos,
passaram por vossos avós homens enganados,
que vos falaram de amor, de confiança uns nos outros
e de certezas no futuro.

Nós, porém, vos ensinamos:
o outro é o caminho; passai por cima dele;
o outro é impedimento; massacrai seus planos;
o outro é apenas um meio; usai dele sempre mais.

E, assim,
compartilhareis, de visão clara,
das etiquetas da moda, dos carros possantes
e do desvelo calculado da medicina mais perfeita. 

Para vós – só para vós – hoje, tudo.
Hoje.
Apenas hoje.

O amanhã nunca é vosso.
 
 
 




 

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COMUNHÃO
 

Eis a obra do espírito:
Tomai e jogai tudo dela fora!

Eis a obra da ternura e da arte:
Tomai e achincalhai dela tudo!

Eis a obra da ciência:
Tomai e ignorai dela tudo!

Esta é minha conta bancária:
Bebei dela todos.

Este é meu cartão de crédito:
Cobrai nele tudo.




 
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RITOS FINAIS
 

Eis que nosso estar aqui se finda.
Para onde olhemos, nada vemos
senão estas mãos vazias daquilo que nos pediram trazer.

Teria havido ainda tempo para enchermos os odres
com o bom vinho prometido?
Teria havido ainda espaço para o plantio do amor?
Teria havido ainda descanso para cultivar a coisa humana?

Não criamos ocasião para desmanchar tanto.
O que fizemos, o que não, para ficarmos tão rasos?

Não há mais tempo. Não nos demos tempo.
De mãos ainda mais vazias
daquilo que não nos deram,
eis que nos vamos.

Que o novo tempo aprenda do nosso ignorar,
caixa de Pandora:

mesmo o não-fazer é extenuante.

Agora chega!
Façamo-nos coisa escrita.

Entremos na noite!
 
 
 




 
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