José Inácio Vieira de Melo
O lirismo de uma poesia sem tempo
Livro de José Inácio Vieira de Melo une memória e contemporaneidade
[in Folha da Bahia,
05.06.2005]
Por Marcos Uzel
Elogiado por nomes como Lêdo Ivo e Moacyr Scliar, José Inácio
Vieira de Melo lança seu terceiro livro, amanhã, na ALB: `Parto da
memória para abordar os elementos do universo´
A poesia de José Inácio Vieira de
Melo, 37 anos, agrega o passado e o presente em um mesmo lugar, como
se não existisse o tempo. Um olho é pura memória. O outro mira os
primeiros anos deste início de século, impregnados de fragmentações
e crises de identidade. É como se a contemporaneidade o encontrasse
"em cima do telhado da infância". Assim é A terceira romaria,
terceiro livro do poeta alagoano, publicado pelo selo independente
Aboio Livre Edições, com lançamento amanhã, às 18h, na Academia de
Letras da Bahia (Nazaré).
Elogiado por nomes expressivos da literatura brasileira, como Lêdo
Ivo, Moacyr Scliar, Olga Savary, Ruy Espinheira Filho e Gerardo
Mello Mourão, o também jornalista José Inácio chega à terceira obra
ampliando poeticamente a sua visão das coisas da vida e revisitando
versos que publicou em trabalhos anteriores. Estão em A terceira
romaria dez poemas do livro inaugural Códigos do silêncio (de 2000,
reunidos, agora, numa seção intitulada Jardim dos mandacarus) e 30
da obra Decifração de abismos (de 2002, compondo o Jardim das
algarobeiras).
"Sou um poeta que contempla a memória,
mas não se prende a isso. Minha arte é a palavra. Através dela,
tento mostrar o que me causa estranhamento e encantamento em minha
caminhada", define José Inácio, que enveredou pela literatura
trilhando uma estrada lírica e carregada de humanidade. Nela, também
deixou-se mover pela delícia de reinventar o que já foi dito: "Não
há mais poesia em dizer a uma mulher que ela é uma rosa. Mas a
poesia logo ressurge se dissermos que ela é uma tempestade",
ilustra.
Logo no poema de abertura, Louvação,
ele anuncia: "Eu, poeta dos Sertões, passarinho do Vento Nordeste,/
venho perante tu, que habitas nos jardins,/ louvar a graça maior da
poesia". E vai sublinhando página adentro a sua genuína preocupação
com o homem, como destaca bem o escritor Mayrant Gallo na orelha de
A terceira romaria. Nos versos de Cântico, por exemplo, José Inácio
capricha: "Eu, que venho de secas, que escrevi versos de dor,/ ao
ver meu irmão sedento agarrar-se em esperança,/ manter-se sustentado
pelo mínimo orvalho, /agora me deleito com o sorriso abundante que a
chuva trouxe".
Especulações sobre a existência,
infância, descobertas, erotismo, louvação ao amor e à amizade são
abordagens que o acompanham nesse percurso fortemente grafado pelo
lirismo da vida campestre. Por vezes marcadamente delicado, como em
Cerca de Pedra (Aqui, na Cerca de Pedra,/ nesta noite caatingueira,/
estou em silêncio, ouvindo/ o silêncio das estrelas). Em outros
momentos, doloroso, como nos versos de Seca (Olhos esbugalhados -
fome/ beiços ressequidos - sede/ e a vida some... Tudo vermelho de
todo Sol).
"Dou uma grande atenção à pesquisa de
linguagem, mas não esqueço minha origem. Digo isso, não no sentido
geográfico. Parto dela para abordar os elementos do universo",
enfatiza o alagoano nascido em Olho d''Água do Pai Mané, povoado do
município de Dois Riachos, e radicado na Bahia desde 1988. "Muito
apreciei o seu lirismo cortante como o fio de uma navalha, uma
poesia que, embora seca, esconde e guarda uma chuva secreta", saúda,
na contracapa da publicação, o também alagoano Lêdo Ivo, uma das
expressões de maior destaque na moderna literatura brasileira,
sobretudo pela contribuição poética.
José Inácio tem se inserido ativamente
na produção cultural da capital baiana, através de iniciativas como
a revista de arte, crítica e literatura Iararana, da qual é
co-editor, e o projeto Poesia na Boca da Noite, sob sua coordenação.
Em 2003, ele lançou o livrete Luzeiro, composto de três poemas e
definido pelo autor como um tributo ao cordel, uma de suas
referências literárias, além de ter sido uma prévia do então inédito
A terceira romaria.
Foi também de José Inácio a
organização do livro Concerto lírico a quinze vozes - Uma coletânea
de novos poetas da Bahia, lançado no ano passado. Sua obra mais
recente traz ilustrações do artista plástico Ramiro Bernabó e
prefácio do poeta e ensaísta paraibano Hildeberto Barbosa Filho. E
muitos outros trechos sensíveis, de belo conteúdo metafórico, como
esses versos de Dois momentos: "Entro no poema como quem come
cuscuz/ e sai dia afora para encarar a existência./ A poesia lava os
pés e as lágrimas".
***
FICHA
Livro: A terceira romaria
Autor: José Inácio Vieira de Melo
Editora: Aboio Livre Edições
Preço: R$20 (126 páginas)
Lançamento: amanhã, às 18h
Onde: Academia de Letras da Bahia (Nazaré)
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