José Inácio Vieira de Melo
O pó da criação
Por
Mayrant Gallo
Alguns poetas nascem, outros se fazem.
Este segundo caso parece ser o destino do poeta José Inácio Vieira
de Melo, um Apolo da procura de uma forma que o justifique e resuma.
De Códigos do Silêncio (2000), seu primeiro livro – muito
influenciado pela dicção e ritmo dos bardos de cordel e dos
cantadores nordestinos –, José Inácio evoluiu para uma poesia
metafórica e misteriosa, por um lado, e coloquial e humana, por
outro: “Aqui, na Cerca de Pedra,/ nesta noite caatingueira,/ estou
em silêncio, ouvindo/ o silêncio das estrelas”.
Seus assuntos também começam a se
diversificar. De uma preocupação campesina no início o poeta migrou
para outros interesses e trilhas, se não mais universais, mais
psicológicos, dolorosos: “Ela tinha a ferida e a cura,/ e todos os
homens salivaram ali,/ e todos ganiram o lamento do sino”.
Muitos são os poemas de inspiração
citadina e muitos, ainda bem (e me expresso assim por saber da
existência de leitores que o admiram exatamente por isso), aqueles
que ligam o poeta à sua origem: o campo, a terra, com seus céus
imensos, seus ocasos escarlates, seus pastos de luz aliciante.
Todavia, quer seja num tronco temático, quer seja no outro, a
preocupação de JIVM é uma só, o homem. Ora, essa é e será para todo
o sempre, enquanto houver poesia, a matéria dos poetas, ou pelo
menos dos poetas genuínos, pois são eles que conferem significado ao
mundo, à vida, aos seres. Sem seu ritmo (e o universo é ritmo), a
existência humana não teria sentido.
Assim, projetando um eu-lírico que, de
súbito, se depara com suas limitações, JIVM o transforma em
arquétipo: “O mistério me leva à estrada/ e a estrada revela/ a
poeira que sou.// O espanto me conduz à reflexão/ e a reflexão
revela/ a peneira que sou”. Em tempos de discurso arrogante por
parte de tantos segmentos da sociedade, alguns inclusive belicosos,
tal poema é um alerta. Quem somos? O que somos? Poeira, peneira. O
pó da criação, o filtro por onde tudo escapa, se dilui. Este é o
homem, o atual e de sempre, mas que só o poeta descobre, compreende.
Mayrant Gallo é poeta, contista e cronista
baiano. Autor de O inédito de Kafka (2003) e Recordações de andar
exausto (2004), dentre outros.
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