Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 


 

 

José Hélder de Souza

 

A porca história de Elza

 

Tia Elzinha, nos seus 17 para 18 anos, foi deflorada por um porco barrão, um de raça, vindo de longe. Quem vê, ou lê, aqui no caso, pensa ou mesmo diz que estou querendo contar uma estória de zoofilia, meio absurda, uma estória pornográfica. Não, juro que não, mesmo concordando em que a estória com feição pornográfica, talvez, ou certamente, obteria maior sucesso de público.

Foi assim: faz algum tempo, quando vivíamos ainda no interior, nas proximidades de Barbalha, nos confins do mundo do Cariri, num sobrado centenário, se deu que vovô Hortêncio, indigitado pai de Elzinha, comprou um porco de raça, uma raça nunca vista pra lá praquelas bandas. Um porcão alto, caneludo, do focinho meio puxado a grande, fino. Chegou e ficou inteiro, que era para tirar a raça. Era de estrutura esguia mesmo, fina, embora ainda estivesse magro. Mas, dizia o vovô, mesmo quando engordado no chiqueiro, seria um porcão, alto e, digamos assim, narigudo, focinhudo, se preferem.

Veio trazido da capital depois de, por sua vez, ter sido importado de Minas Gerais, porco de fama, fama que, com o caso de tia Elzinha ia aumentar mais.

Naquele tempo nem sequer se falava em pocilga, destas de hoje, com chão cimentado, água encanada, de torneira, tudo limpo, lavado todo dia, jogando a sujeira e os restos de comida dos bichos num canto para depois virar adubo. Não era assim, nem de longe, e esta foi a desgraça da moça, com toda sua juventude e beleza.

Tinha o chiqueiro e a latrina, uma coisa com serventia para outra. Estas duas coisas meio retiradas da casa, no quintal, pois já se viu, fediam muito dependendo da porcada e da muita ou pouca gente da casa daquele tempo.

O porco de raça veio e foi colocado lá naquele conjunto fedorento. Vovô Hortêncio só aumentou um tanto o chiqueiro que era para caber mais porcas e, naturalmente, o porcão e, ainda mais longe, quem sabe, as crias todas do casamento porcal.

Num canto, trepada num jirau construído com carnaúba e aroeira, ficava a sentina, fechada numa casinha coberta de telha, coisa de gosto para aquelas paragens e para o tempo em que foi acontecida a história de tia Elza e, de qualquer forma, de acordo com a luxeza do sobrado. No meio do chão desta dita sentina ou casinha, como mais comumente se chamava, tinha um buraco no qual se defecava, os dejetos caindo diretamente no chiqueiro para servir de de-comer e para a engorda da porcada, se bem que não fosse essa a única comida deles. Mas ajudava na engorda, juntada a bosta com o milho e com os restos da cozinha que lhes eram jogados todos os dias.

Era o cidadão, no nosso caso a cidadã, acocorado aqui em cima do seu defecar e a porcaria lá embaixo a roncar esperando o resultado da espremição, só no sentido de comer o petisco, petisco lá pra eles, é claro.

O buraco do meio do taboado era suficientemente largo para o produto passar sem empecilho e causar dissabores e sujeiras a quem se desobrigava e, ao mesmo tempo, alimentava, ou meio alimentava, os porcos.

Dizia-me o Doutor Vasco Andrade Pertence, promotor de justiça, quando lhe contei a estória, ser caso, não sei que de escatológico e que no compêndio de Direito de um tal Beccaria podia ser um delito de difícil definição e mais difícil de apenar – dizia ele lá, que eu não sei disso de lei, de delito e de pena, não sou doutor formado. O fato é que houve o caso e que, embora isto não curasse bem a moça, o porcão foi executado. Bem morto com facada e machadada na goela, se bem que depois comido, tanto assado como cozido e as tripas feitas lingüiças.

Para o chiqueirão construído especialmente para o barrão de raça, eu dizia, não foi feita nova casinha, era a mesma, na mesma altura dos outros tempos, dos cachaços mesmo da terra, baixinhos e de focinho meio longo. Tudo para desgraça de tia Elza que ficou tão falada, coitadinha, que acabou ficando no caritó, sem ter quem quisesse casar com moça deflorada por um porco.

Foi num dia de festa, um batizado, com muitos comes e bebes, doce de leite, bolo de farinha puba, manuê e outras delícias causadoras, às vezes, ou quase sempre, de dor de barriga e muita desova. Mais que todo mundo, tia Elza, filha do vovô Hortêncio, vô por parte de mãe, se desmandou na comida e comeu tanto, que contam os parentes, quando foi pra casinha, promode melhor cagar, se sentou no buraco que estava limpo, lavado, ficando lá escanchada com tudo que era dela bem à mostra, para quem estivesse embaixo, é claro. Com fome, que os empregados tinham deixado para dar os restos só no outro dia para aproveitar melhor as sobras da comilança, o porcão veio de lá sem nem esperar muito o produto cair lá embaixo e, num pulo, com suas pernonas compridas e seu focinhão, meteu a venta nas partes da moça bem ali onde não devia, se é que na outra parte devera. E lá se ouviram os gritos de Elza, correram para acudir e foi-se ver a sangueira e o lambuzado estava no mundo, descendo nas pernas da coitada, devidamente deflorada por um porco barrão, sem querer, é claro, que ainda era moça inocente e direita e o tal porco estava só com fome, fome muita e sem distinção das coisas e das partes da moça....
 

 

 

John William Waterhouse , 1849-1917 -The Lady of Shalott

Início desta página

Gabriel Nascente