José Afrânio Moreira Duarte
O barranco mais fotografado do Brasil
Marília foi uma irmã que tive, doce e
terna corno seu próprio lindo nome. Tive, não. Tenho. Não sei se
realmente “as pessoas não morrem: ficam encantadas”, como disse
Guimarães Rosa, mas estou certo de que elas permanecem bem vivas
noutra dimensão muito superior à nossa, esperando os entes queridos
que por aqui deixaram.
Cheia de amor à vida e ao próximo,
Marília, desde a infância, fez de sua existência um permanente ato
de doação, pensando sempre no próximo primeiro e só depois em si.
Sua diversão predileta, entre as
muitas que tinha, era viajar. Conheceu quase todas as capitais
brasileiras e foi também à Argentina.
Em setembro de 1992 seguiu para sua
segunda viagem à Europa. Reviu a Holanda, a Itália e a França, tendo
conhecido então a Áustria, a Bélgica e a Suíça.
Quando regressou, no início de
novembro, ao abrir a porta do apartamento para recebê-la,
surpreendi-me por achá-la triste e abatida, o que não era habitual.
Disse-lhe:
– Marília, estou estranhando. Nunca vi
você assim. Queria que você chegasse com aquela alegria esfuziante,
como foi da primeira vez que você voltou do Paraná.
Melancólica, ela respondeu:
– Não sei explicar, mas, mesmo na
Europa, encantada com tudo que via, eu me senti muito cansada,
desanimada. Talvez seja porque nós viajamos muito de trem, pensando
que assim seria melhor para ter um conhecimento mais preciso dos
países visitados.
Sintomas de doença acentuaram-se e o
médico constatou que se tratava de leucemia, já em estado grave.
Marília foi internada no Hospital
Felício Roxo, em Belo Horizonte. Embora fossem remotas as
possibilidades de cura, o chefe da equipe médica falou com um dos
meus irmãos:
– Se ela melhorar, aconselho levá-la a
Curitiba, para um transplante de medula, pois é lá que se faz esta
cirurgia melhor no Brasil.
No vigésimo sexto dia de internação,
16 de dezembro de 1992, Marília partiu para a Pátria Espiritual,
suavemente, durante o sono, deixando enorme e perene saudade em
todos nos.
Diariamente eu a rememoro e muitas
vezes tenho a forte impressão de que ela está novamente junto a mim.
Lembro-me especialmente de sua volta
da primeira viagem ao Paraná, a que se seguiram numerosas outras.
Nosso irmão Mauro trabalhou até
aposentar-se como economista da Construtora Andrade Gutierrez,
sediada em Belo horizonte, mas preferia trabalhar nos acampamentos,
onde havia obras, tendo demorado muito a aceitar os reiterados
convites para exercer sua profissão no escritório central. Numa
dessas múltiplas andanças, foi parar em Salto Osório, no Estado do
Paraná, quando a Andrade Gutierrez construía uma usina ali. Marília
foi visitá-lo.
No dia do seu regresso, ela parecia a
própria felicidade em figura de gente, irradiando alegria por
quarenta léguas quadradas. Depois de dar notícias dos parentes
queridos – irmão, cunhada e sobrinhos, estes naquele tempo ainda
meninos – ela falou longamente sobre o passeio, dizendo-me:
– Você precisa conhecer o Estado do
Paraná, é simplesmente maravilhoso. Quem nunca foi lá, não sabe o
que está perdendo. Já conheço a maioria das capitais brasileiras e
posso dizer que Curitiba está entre as melhores e mais lindas. A
cidade é muito boa, mesmo, impressionado desde logo por sua
extraordinária limpeza, por muitas ruas floridas e também pelo
trânsito bem organizado que pode e deve servir de modelo para os
outros grandes centros do país. Poucas vezes vi tanta gente bonita
quanto em Curitiba.
Gostei tanto de lá que, em vez de ir
logo para Salto Osório, resolvi ficar uns dias conhecendo melhor a
bela capital paranaense. Curitiba tem um encanto de parque onde é
uma delícia passear e permanecer. Não me lembro bem do nome, mas
acho que se chama Passeio Público.
O teatro Guaíra é um primor. Ele está
para Curitiba assim como o Palácio das Artes está para Belo
Horizonte, é onde são levados os melhores espetáculos. Adorei-o.
E em Curitiba há um bairro simpático,
chamado Santa Felicidade, onde cantinas acolhedoras servem
excelentes massas italianas, acompanhadas de deliciosos vinhos.
Fiz também um passeio fora da capital,
indo a Vila Velha, onde, através dos séculos, a natureza parece
haver feito esculturas fascinantes nas pedras, principalmente uma no
formato de um cálice.
No último dia eu iria viajar para
Salto Osório, finalmente, mas só à noite. Como já tinha visto tudo
que queria ver em Curitiba, fiz uma viagem rápida de trem-de-ferro,
de Curitiba a Paranaguá. As paisagens se sucediam, encantadoras.
Houve uma hora em que o simpático
jovem guia da empresa turística em que me inscrevi disse em alto e
bom som:
– Preparem-se para ver o Véu da Noiva
e, pouco depois, o barranco mais fotografado do Brasil.
Impressionei-me bem com o Véu da
Noiva, uma bela queda d’água, mas, curiosa, perguntei ao guia que
história era aquela de o barranco mais fotografado do Brasil, coisa
que não entendi.
Sorridente, o mocinho explicou:
– É muito simples. Como você vê, o
trem hoje está cheio e todos os dias é assim. Quando faço aquele
aviso a que você se refere, os turistas preparam as máquinas para
tirar o retrato do Véu da Noiva, mas, como o trem é muito veloz, não
dá tempo e então eles fotografam mesmo é o barranco que aparece logo
a seguir. É por isso que eu afirmo, sem medo de errar, ser ele o
barranco mais fotografado do Brasil...
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