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João Ribeiro Ramos



Querido amigo e insigne POETA

 

 

Fortaleza, 6-6-95
Francisco José Soares Feitosa
querido amigo e insigne POETA:

Só agora me sobra tempo - sempre esse maldito Tempo a nos atrapalhar a vida - para lhe fazer estas linhas escritas especialmente para lhe agradecer a delicada visita que me fez em companhia desse amigo dileto César Coelho, poeta também, e dos melhores de cá da taba.

Estou a agradecer-lhe a visita que muito me honrou, tanto mais honrosa porque me trazia nas mãos dadivosas dois belíssimos poemas para me ofertar : Réquiem em sol da Tarde e Balançando Devagarinho que vc declamou de imediato, para os meus ouvidos, atentos e para o meu coração preso da mais profunda emoção. No Réquiem o poeta Soares Feitosa visita a casa paterna perdida no distante sertão do Cearà, habitada hoje por gente desconhecida, e relembra: ..."O batente da porta-da-frente/ e abaixo dele, outro batente, /onde uma pedra,/ com um caneco d'água / lavei os pés,/ ainda estão lá / os batentes, / e nos batentes também estavam/ meus rastros em riscos de fogo/ que continuam". Do passado nada restava: o benjamim morrera na seca; o banco de aroeira racharam em lenha de fogo" e o menino José/ ninguém sabia quem era... Balançando Devagarinho é outro primor: divina Poesia abalando o coração da gente. Começa assim: “Mestre Antonio, por seu favor,/ preciso urgente de um rapé de imburana,/ e cera-de-abelha/ parece que de jandaíra, /de abelha-limão não é, /meio falsificada a cera,/ os cabras são safados, botaram saburá / talvez serragem,/ mesmo assim cheirou. /Agora o barbante,/ para costurar o livro / pois o livro é puro sertão, /é puro lá-em-casa". O poema é um verdadeiro hino de amor a uma heroína sertaneja Dona Anísia, mâe do Poeta, professora, farmacêutica, médica prática, curandeira, das reza0 e doa encantamentos... "Quando uma garganta,/ de traquinagem, /de muita poeira e gritaria na tarde rubra, "ah menino danado, ela dizia". “Danada era ela que pegava menino,/ que ensinava menino/ que amansava mulher/ parideira”. (Basta ouvir sua voz, comadre, diziam) / que os meninos nasciam./ Chovia menino em cima da serra, / dona Anísia aparando... / Danada era ela que costurava as facadas dos valentões,/ remendava com agulha grossa o couro da cabeça / dos mais frouxos, cacetadas, ... “Naquela noite,/ o serviço de costurar quengos foi concluído / por uma mulher-fêmea muito macha / e o menino gritador e corredor na tarde rubra,/ danado / tossidor e lambedor de mel na tarde fria.”

Menino danado fazedor e jogador de pião de lá do sertão mandou mestre Antonio buscar imburana de cheiro e botou pra cheirar vinte livros: “Fiz vinte,/ vinte livros,/ na mão;/ encerei eu mesmo barbante olímpico/ olimpicamente algodão/ quando se fiava algodão”.

Coisa igual nunca se viu: vinte livros costurados com barbante de algodão encerado com cera de abelha jandaira e perfumados com imburana – pó de imburana danada de cheirosa – um maravilhoso trabalho artesanal que só poderia ser imaginado e realizado por um poeta do mais alto valor. Esse Poeta Francisco José Soares Feitosa – Sensibilidade, Inteligência, Cultura – menino danado, poeta danado como ninguém! Daqui do sertão do Ceará.

Sua voz ainda ressoa em minha sala e em meu coração pois me revi menino, lá no sitio de meu pai, em Guaramiranga - Serra de Baturité - lavando os pés no batente e jogando pião ou bola-de-milho. Menino triste, órfão de mãe, aos dois anos de e crescendo a ouvir dos grandes: Dona Quininha era uma santa: Joaquina Ribeiro Ramos foi aluna do afamado Colégio Nossa Senhora da Conceição - o Imaculada - e ao terminar o curso foi coroada sete vezes com folhas de louro. Prêmio máximo. Casada com meu pai, Capitão da Guarda Nacional Francisco Ramos, tiveram sete filhos, vindo a falecer grávida do oitavo, um parto prematuro. Sua voz, meu poeta e seus versos primorosos acordaram em mim dulcíssimas recordações, e meus olhos se turvaram de lágrimas sentidas.

Meu querido Poeta Francisco José Soares Feitosa agradeço-lhe sensibilizado o livro perfumado com a cheirosa imburana e costurado com barbante encerado com cera de abelha do mel da jandaira por suas próprias mãos amigas, fato inédito no mundo das letras universais. Quando voltar ao Pai deixarei essa joia preciosa como herança ao meu filho Francisco António Tomaz Ribeiro Ramos - o humanitário Dr. Chico Ramos, médico especialista em Dermatologia, Professor Titular da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA - e poeta sensível apaixonado por Augusto dos Anjos.

Meu Amigo-Irmão Poeta Francisco José Soares Feitosa, esta foi a única maneira que encontrei para perpetuar a nossa amizade, meu poeta danado, meu poeta formado nas Oropa, França e Bahia.

Até mais ver
Fraternalmente
João Ribeiro Ramos

 




Soares Feitosa, 2003

Leia a obra de Soares Feitosa

 

 

 

 

SB 12.01.2023