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  Fortaleza, Ceará - 26 de maio de 2008
  

As muitas vozes de um poeta 
 
    

 

JOSÉ TELLES: “Meu livro revela o homem que o dia-a-dia desconhece, mas que a vida necessita” (Foto: Miguel Portela)
Vencedor do prêmio Osmundo Pontes, “O Solo das Chuvas”, de José Telles, será lançado hoje no Ideal Clube

Depois de levar o prêmio Osmundo Pontes de Literatura, em 2007, “O Solo das Chuvas”, de José Telles, ganha lançamento oficial. O livro reúne 100 poemas, que conduzem o leitor pelo silêncio, a solidão e a intimidade que o poeta só revela ao papel. Nas palavras do próprio autor, “meu livro revela o homem que o dia-a-dia desconhece, mas que a vida necessita para ser mais bela”. É uma síntese do poeta, o seu alter ego, a sua supra realidade.

Como tantos outros livros de poesia, “O Solo das Chuvas” é uma obra amadurecida pelo tempo. “As poesias pegaram poeira. Eu li e reli cada uma delas. Modifiquei a estrutura de algumas, retirei palavras e enxuguei o texto para colocar o poema dentro do conceito de modernidade”, explica José Telles. Mas, segundo ele, todos os poemas seguem a mesma linhagem: “Uma mesma terminologia afetiva, o alter ego do autor, mas que também pode ser o alter ego do leitor”, diz.

Boa receptividade

A obra chega às livrarias respaldada não só pelo prêmio Osmundo Pontes, mas pela acolhida de outros poetas. Para Francisco Carvalho, que assina o posfácio, “O Solo das Chuvas” revela um poeta de corpo inteiro e alma fragmentada pelos desconcertos existenciais, herança trágica, diz ele, de um passado remoto ou, talvez, dos tempos modernos. “Em José Telles, testemunhamos o entrelaçamento da ansiedade com a técnica. Trata-se de fenômeno cultural a que o escritor inglês Lawrence Durrel atribui o momento crucial do acontecimento do poema”, comenta.

No prefácio do título, Carlos Augusto Viana diz que a escritura de José Telles tem uma essência, sobretudo, lírica. “‘O Solo das Chuvas’ não só confirma tal tendência, mas lhe aponta, por outro lado, mais uma faceta: a de, livro a livro, concentrar-se, predominantemente, num determinado interesse temático; e, como tal procedimento, encontrar — o que não deixa de ser inusitado — caminhos novos”. Jorge Tufic, por sua vez, faz da orelha de “O Solo das Chuvas” um intenso passeio poético em que define a obra de José Telles: “Lembranças, fugas, cicatrizes, brindes, contrapontos, falésias, alpendres, águas paradas; o azul e o tropel, também silencioso, das horas insólitas. Poemas longos e bem sucedidos completam o volume, numa prova a mais de que fôlego e talento poético não lhe causam fadiga”.

Mais informações:

Lançamento de ´O Solo das Chuvas´, de José Telles, hoje, às 19h, no Ideal Clube. Informações: (85) 3248 5688.

LANÇAMENTO
"O Solo das Chuvas"

R$ 25
142 páginas
2008
Expressão Gráfica
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The Gates of Dawn, Herbert Draper, UK, 1863-1920

 

 

 

 

 

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

 

8.6.2008

 

 


 

O eu lírico e a metalinguagem

 

A escritura de José Telles é filtrada pelo que, dependendo da relação que estabeleça com o estar-no-mundo, pode anunciar-se como a expressão de um desencanto em relação à engrenagem social ou mergulhar mais em suas próprias entranhas, em introspecção.

O solo das chuvas, vencedor do Prêmio Osmundo Pontes/2007, não só confirma tal tendência, mas lhe aponta, por outro lado, mais uma faceta: a de, livro a livro, concentrar-se, predominantemente, num determinado interesse temático; e, com tal procedimento, encontrar - o que não deixa de ser inusitado - caminhos novos. A obra de arte literária comporta abertura; nesse sentido, visaremos a uma exegese desse livro, na busca de identificar-lhe os processos estilísticos e os caminhos temáticos, visando, com isso, descrever-lhe a composição, concentrando-nos, especificamente, nos processos metalingüísticos.

O poema-título imprime-se, antes de tudo, como uma epígrafe: ´O pó de minhas têmperas / apascenta os cílios da noite. / Um solo de chuva / açoita a primavera da memória. / Minha eternidade / se assenta no sal de meu delírio / e o azul de minhas lembranças / embala meus silêncios.´ Trata-se, portanto, de um metapoema, uma vez que reflete acerca da relação que o eu lírico mantém com o fazer poético.

Decompostas as ´têmperas´, isto é, o ímpeto para a sua caça às palavras, entrega-se, passivamente, à insônia. No entanto, surge ´Um solo de chuva´, com a força de seu sumo inaugural: a poesia apresenta-se ao poeta, rompendo a crosta que o separava do encantamento; por isso, tudo o que é efêmero se conserva, magicamente, em sua escritura, sendo, assim, ´o sal´ de seu próprio ´delírio´.

O que a vida lhe tira, com a gravidade de sua ferrugem, recupera poeticamente - e e isto o pacifica. O verso ´Um solo de chuva´, relacionado à natureza geral das composições, revela a natureza plural do título ´O solo das chuvas´: se há uma relação intrínseca entre o poeta e o poetar, o ´solo´ é o livro; e as ´chuvas´, os poemas - suor e lavoura, colheita, portanto, de seu embate com o mundo.

Nesse livro, os exercícios de metalinguagem orientam, quase sempre, a criação poemática, ainda que possam, também, inscrever-se, tão-somente, como uma digressão e não se concentrar nos vazios ou nos empecilhos do ato de criação poética, como, por exemplo, observamos nesse fragmento de ´Jardim com pássaros e silêncios´: ´Estes pássaros que jantam comigo / e me convidam a voar / nem percebem que estou preso / nessa gaiola de pedra / No salitre dessa paisagem / rumino silêncios / e encaderno palavras.´ Mais uma vez, deparamos a relação do poeta com o poema: preso a uma ´gaiola de pedra´, as palavras-pássaro - as que comparecem à sua ceia -incitam-no à libertação pelo poético; é como se apenas a partir do ato de fazer poesia fosse possível a tessitura dos vôos. Sendo assim, contemplando essa inefável e incorpórea ´paisagem´, o eu lírico retira-lhe, tacitamente, o adubo, triturando o mosto desse momento, para, por fim, livrar-se daquela ´gaiola´ e, invertendo a situação, encadernar aquelas palavras-pássaros, isto é, pô-las nas grades de uma folha de papel e, depois, juntá-las ao livro.

Em ´Palavras no azul´, na segunda estrofe, ´ As palavras definem meu contorno / e se bifurcam n´alma / sou prolapso no carrossel das heranças.´ num emaranhado de sugestões, o poético se instaura a partir do desvio sofrido pelo termo ´prolapso´, pois este, metaforicamente, estabelece um elo entre a exterioridade - sugerida por ´contorno´, remetendo, assim, a um corpo, expressão da matéria física - e a interioridade, definida por ´alma´.

As ´palavras´ expressam o sentido do que seja, deveras, um poeta: um ser de quem só se conhece o ´contorno´, ou seja, circunscrito apenas em sua superfície; e é exatamente isso o que dele elas dizem, se postas no eixo da horizontalidade; por outro lado, as ´palavras´, estando num permanente torvelinho, quando mergulhadas em sua subjetividade - dele, poeta -, revelam, agora de modo vertical, que ele, também, não sabe de si; desse modo, por desconhecer seus próprios abismos, vive a vigília de uma vertigem, sendo: ´prolapso no carrossel das heranças´. E a poesia é elemento de salvação.