Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

Julián Gustems


 

Era uma vez*

 

Era uma vez uma princesa muito feia.

Era uma vez um príncipe muito formoso.

A princesa era esperta como a fome.

O príncipe era grosseiro como um urso.

Vocês pensaram que o príncipe e a princesa se conheceram e se amaram. Pensaram que uma princesa tão esperta pudesse conquistar um príncipe tão grosseiro. Vocês pensaram, também, que uma bela e difícil história de amor impediu a bela união. Poderão pensar também que os dois estavam feitos um para o outro. Que a beleza do príncipe compensaria a feiúra da princesa. Ou que a feiúra da princesa se refletiria na beleza do príncipe. Também pensaram que o casamento de semelhantes príncipes ia ser o acontecimento do século, e que a imprensa, o rádio, a televisão iriam brigar pela notícia. Porque se comentava que assim seria. Pois não se deu assim. O formoso príncipe, ao que parece, não é tão idiota para unir seu destino a uma princesa tão pouca favorecida. Não que ela, tão esperta, não houvesse pressentido que um marido tão formoso fosse permanecer casado por mais de dois dias.

Que triste destino se a princesa e o príncipe se enamorassem!

Não seria mais normal que a princesa fosse bela e o príncipe feio?

Por que sou um escritor tão afastado da normalidade? Que me custaria fazer feliz um casal de príncipes tão notáveis? Uns dizem que sou vingativo e que não tenho coração. Porém não creio que assim seja. Na verdade, me sobra sinceridade. E sou realis¬ta. E é por isso que tenho deixado que os príncipes andem aos trancos, sem se encontrarem.

* Conto extraído do livro Un poco de locura y otros temas, Barcelona, Espanha, 1997, em tradução de Nilto Maciel.
 

 

 

 

 

11.07.2005