Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Jussara Salazar


 

"Escrevo, apenas"

 

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil

27.06.2005


 

OP - As histórias mínimas, a economia máxima são necessárias à geração contemporânea de artistas? É uma contingência?

Jussara - Não saberia dizer se há uma tendência às histórias mínimas, à economia máxima e, muito ao contrário, acredito ser uma virtude saber dizer de maneira concisa. Algumas formas da poesia oriental existem assim há milênios e são formas de sabedoria incontestáveis, verdadeiros exercícios de contenção verbal e densidade poética, em que a essência é a percepção instantânea, onde as idéias, o sentido e a música das palavras criam uma intuição do mundo. Hoje, os códigos visuais existem em maior número, os fatos acontecem com uma agilidade maior, dando a impressão que o mundo ficou menor, que abarcamos tudo com maior facilidade e velocidade. E nossos sentidos estão voltados para uma quantidade enorme de apelos, onde a fragmentação faz parecer que não há o tempo de observação do mundo que encontramos em Proust. Mas seria equivocado afirmarmos que a visão proustiana das coisas é uma ocorrência lingüística hiperbólica, parte de uma subjetividade e de um sentido imaginário que o ser humano foi perdendo, na medida da passagem que o tempo realiza. Dalton Trevisan afirma que seu grande desafio seria escrever o conto de ''uma só palavra''. O que é necessário é fazer da linguagem o lugar da riqueza, onde encontraremos o vigor da palavra e do pensamento.


OP - Costuma-se dizer que - até pela natureza conceitual - os produtos da arte contemporânea (quer nas artes plásticas, quer na literatura/poesia) são ''herméticos'', ''para os iniciados''. O sentido da obra é ininteligível, ou melhor, é amplo demais. Toda interpretação é possível, ou nenhum entendimento é viável. Você concorda com o crítico Paulo Polzonoff Jr. que, em uma resenha sobre Natália, disse que para alguns poetas e prosadores contemporâneos interessa mais serem menos entendidos?

Jussara - Existem códigos que falam do tempo em que se vive e é provável que os ''produtos'', como você chama, ou seja, as obras literárias ou de arte que são, hoje, facilmente compreendidas e até diluídas pela linguagem midiática, há cem anos, eram consideradas ''ininteligíveis''. Hoje, circula muita informação o tempo inteiro e os códigos se multiplicaram - o que não quer dizer que as obras sejam abertas a toda e qualquer interpretação ou que não haja entendimento algum. O conceito é uma depuração da atitude mais reflexiva da criação, é uma soberania do pensamento e do espírito, é fazer um momentâneo silêncio para ouvir a respiração do próprio cosmos. Os ''iniciados'' são os que querem, tudo está aí para ser compartilhado. Aliás, o que seria esse entendimento? Você abre a Divina Comédia, de Dante Alighieri, e encontra uma infinidade de informações históricas imensa, além de referências que, para alguém pouco habituado à leitura, podem soar excessivamente complexas. Enfim, há também um conceito dantesco e, no entanto, a Comédia é uma obra-prima de nossa antiguidade medieval. Quanto ao comentário do Paulo Polzonoff Jr., é pessoal e, como vivemos numa democracia, cada um pensa e diz o que quer.


OP - Particularmente, para quê (ou quem) você escreve poesias/prosas?

Jussara - Nunca pensei muito sobre isso. Escrevo, apenas.


OP - Você publicou um livro sem assinatura: O Baobá, poemas de Letícia Volpi. Tal escritora não existia. Sequer era um pseudônimo; como você ressaltava, ''era, antes, um enigma''. Você já descobriu que escritora você é?

Jussara - Nunca escondi a autoria do livro, ele foi o desdobramento de uma série de poemas que fui escrevendo com nomes diferentes. Tenho um trabalho que se intitula Inventário das Almas, onde criei mais de 100 nomes desses; não são heterônimos, nem pseudônimos, são enigmas bem-humorados. E sobre tentar descobrir que escritora sou, deixo para alguém que queira essa complicada tarefa. E, talvez, parafraseando Rimbaud: ''Je est un outre''.



 

 

 

 

 

30.01.2006