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Kátia Borges




De Itaquara para o mundo



 
 

Narlan Matos Teixeira é um autor praticamente desconhecido na Bahia e no Brasil. Mas isso não impediu que tivesse seus poemas selecionados, ao lado dos de Carlos Drummond de Andrade, para figurar na edição de The Poetry of Men’s Lives, antologia publicada recentemente pela editora da Universidade da Georgia, com distribuição nos EUA e Reino Unido. Nascido há 29 anos em Itaquara, Narlan está concluindo mestrado na Universidade do Novo México, tendo como tema de estudo a tropicália. Em suas andanças pelo mundo, conquistou amigos e admiradores na Eslovênia, conheceu os beatniks Lawrence Ferligethy e Robert Creeley e participou de uma oficina literária com o Prêmio Nobel Derek Walcott. Nessa conversa via e-mail, ele fala sobre tudo isso e sobre a amizade com o poeta Waly Salomão, um de seus maiores incentivadores.

Kátia Borges - Você acaba de participar de uma antologia importante nos EUA. Como anda a receptividade à poesia brasileira na Terra do Tio Sam?

Narlan Matos - Tenho tido muita receptividade. Mas isso é um fato isolado. Não vejo grande interesse pela poesia brasileira. A antologia chama-se The Poetry of Men’s Lives e foi publicada pela Editora da Universidade da Georgia. Está sendo considerada a maior e mais completa antologia já publicada nos EUA.

Tem mais ou menos 250 poetas de aproximadamente 100 países. Quando fui convidado, pensei que se tratasse de uma antologia de terceira classe, mas é de primeiro time, primeiríssimo. Também acaba de sair o livro Cocinando, pela Princeton Architectural Press, em New York, que trata dos 50 anos da arte das capas dos discos na America Latina. Eles dedicaram grande parte do capítulo do Brasil “à arte e à genialidade de Rogério Duarte”. E, como a obra escrita do mestre Duarte foi arduamente garimpada e organizada por mim ao longo de dois anos, meu trabalho foi mencionado.

KB - Qual seu tema de estudo?

NM - Minha tese é sobre a tropicália. Eu estou investigando a participação de Rogério Duarte naquele movimento. Ele fez muita coisa que, erroneamente, foi creditada a outras pessoas. Waly me disse “vou deixar a caixa-preta da tropicália em suas mãos, lá dentro estão todos os segredos, todo o relato do que realmente aconteceu antes do avião se espatifar no chão, tome conta dela”. As pessoas acham que conhecem o que foi a tropicália, mas somente 20% veio à tona. Há uma outra tropicália esperando, quieta, na espreita, para explodir a qualquer momento. Rogério me preparou para levar adiante o verdadeiro sentido oculto do movimento. Tenho essa responsabilidade histórica com ele e com Waly.

KB - Waly Salomão foi um dos grandes incentivadores da sua carreira na Bahia. Creio que você já estava aí quando ele morreu. Como a notícia te pegou?

NM – Quando Waly Salomão morreu, foi como se eu tivesse perdido um irmão, um grande amigo louco. Ele me apresentou a Augusto de Campos e passou a levar minha poesia para as altas rodas cariocas: Heloísa Buarque de Hollanda, Antônio Cícero... Na Feira Internacional do Livro da Bahia de 2001, declarou que me considerava “o melhor jovem poeta brasileiro”. Depois, fomos ao Nossa Língua Portuguesa, de Pasquale Cipro Neto, e Waly fez a mesma declaracão. Como eu também sou cantor e compositor, ele fez uma música comigo chamada Londres Baião.

Ia me lançar, assim como lançou Adriana Calcanhotto.

Meu último encontro com ele foi em Salvador. Ele disse: “eu já vejo você seguindo seu próprio caminho, garoto. Você está pronto. Vá. Que a força esteja com você”.

KB - Em sua opinião, falta generosidade aos escritores baianos?

NM - Os grandes mestres estão em extinção. Restam ainda alguns, como Ruy Espinheira Filho, que dá uma atenção grande aos jovens, Ildásio Tavares, que convida os alunos para almoçarem na casa dele, Florisvaldo Mattos, que sempre publicava os jovens em A TARDE Cultural, e outros que não lembro agora.

KB - Você faz mais sucesso fora da Bahia e do Brasil. Que trava é essa?

NM - Eu sou o filho pródigo da literatura Brasileira. O Brasil só vai me engolir depois que eu for mastigado pelo mundo. Em 2002, fui escolhido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos para representar o Brasil no International Writing Program, University of Iowa. Trata-se do maior programa para escritores do mundo. Fui selecionado para participar de uma seletíssima oficina de literatura com Derek Walcott, Prêmio Nobel de Literatura. Eram 35 escritores de 35 países. Fui palestrante-visitante na Universidade de Berkeley, San Francisco State University, University of New Mexico, Coe College e Augustana College. Publiquei na Alemanha e tem coisas vindo da Eslovênia. Tenho me visto lado a lado com figuras com quem sonhei um dia. Qual o escritor de minha idade que tem feito isso tudo ao mesmo tempo no Brasil?

KB - E o relacionamento com o pessoal da City Light e os “beats”?

NM - O beatnik mais recente com quem tenho mantido contado é Robert Creeley. Muito atencioso e um cara bem simples para a dimensão estelar que tem. Mas antes dele foi Ferlinghetti. Eu os conheci atavés de grande brazilianista, James Cornell Riordan. Ele me deu muitos livros. Dentre eles, A Case Book On The Beat Generation. Eu li e gostei muito. Eu tive um sonho quando estava em Iowa e no sonho alguém me disse: “Vá para a California e encontre Lawrence Ferlinghetti”. A Universidade de Berkeley me convidou para uma palestra e um recital de poesia. Eu fui. Um dia acordei no Hotel San Francisco e disse: “Hoje vou encontrar Ferlinghetti”.

KB - Você chegou a tentar trazer Ferlinghetti ao Brasil, não foi?

NM - Ele queria muito vir e por um ano eu tentei trazê-lo. Mas ninguém se interessou pela idéia. É engraçado: um baiano, alto intelectual do Ministério da Cultura de então, que vive fazendo pose de beatnik, não deu a mínima atenção ao projeto. Aliás, para que serve mesmo o Ministério da Cultura? No Brasil a cultura tem dono. Enquanto o Brasil não muda, eu sigo adiante. Como Gil ensinou: “meu caminho pelo mundo, eu mesmo traço, a Bahia já me deu régua e compasso”. A vocês, aquele abraço!

 



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03/06/2005