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			Kátia Rose Pinho 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
			
			
			Mistérios dos nomes  
			 
  
			
			
			Resumo: 
			
			Motivados pela pergunta “o que é nomear?”, 
			desenvolvemos breve reflexão acerca do nomear, sob ótica 
			heideggeriana, atendo-nos ao nome do livro Árbol de Diana da 
			poetisa argentina Alejandra Pizarnik. 
			
			
			Palavras-chave: teoria literária; Poética; Crítica 
			Literária; Filosofia; Literatura argentina contemporânea 
			
			
			  
			
			Do pensar um título ao 
			titular 
			há um silêncio permeado de interrogações, suspiros e os mais 
			diversos atavios que possam existir. Hoje, talvez, na sociedade de 
			consumo em que vivemos, a escolha de um nome não atenda tão somente 
			aos ditames da própria obra. Há de se encontrar um meio para que se 
			satisfaçam os desejos do autor, do editor e fisguem o leitor, 
			incauto ou não.  
			
			Para além (ou, quem sabe?, para 
			aquém) de tudo isso, sabemos que numa obra nada é aleatório, 
			tampouco o seu nome. Eis aí algo que nos atrai a atenção e faz 
			presente questões outras remoídas silenciosamente: Que significa 
			nomear um livro? Nomear uma obra não seria a possibilidade do autor 
			atribuir-lhe uma função? Que guarda um nome em seu silêncio? A estas 
			perguntas se sobrepõe uma única: que é nomear? Num primeiro momento 
			somos tentados a dizer que nomear é dar nomes, mas que significa 
			nomear, dar nome?  
			
			Dar nome é trazer algo à palavra.
			Lembramos as 
			palavras do filósofo (Heidegger, 1990): “El nombrar no distribuye 
			títulos, no emplea palabras, sino que llama las cosas a la palabra. 
			El nombrar invoca”. 
			No invocar está obnubilado o sentido 
			do nomear, dar ser, que é aproximado pela invocação do que é 
			invocado, levando-nos a constatar uma ausência anunciada. Não uma 
			ausência vazia. É plena de silêncio e é este que nos anuncia os 
			mistérios que guardam os nomes, assim o expressa Alejandra Pizarnik: 
			
			te 
			alejas de los nombres 
			
			que 
			hilan el silencio de las cosas 
			
			
			                                      
			(Poema 28) 
			
			   
			
			A exortação da poetisa nos conduz 
			ao afastamento necessário a reflexão acerca, não apenas, dos nomes, 
			da sua relação com as coisas, mas para o mistério que guarda o 
			silêncio existente entre ambos (nomes e coisas). Silêncio, “reino de 
			las evidencias. […] Lugar en donde nombres y cosas se funden y son 
			lo mismo” (Paz, 1998:106), onde o não dito diz-se, abrindo espaço 
			para a unidade possível de contrários. Tensão permanente a gerar o 
			mistério que as imagens poéticas permeiam e invocam.  
			
			Há, então, 
			um mistério em Árbol de 
			Diana? 
			Que invocação faz o título do quarto livro de poesias de Alejandra 
			Pizarnik? Que ausência está anunciada e silenciada neste sintagma 
			nominal? Mundo erigido na dualidade/duplicidade, a impor um jogo de 
			encobrimentos/revelações? 
			 
			
			A primeira evidência: o 
			pertencimento da árvore: a árvore é de Diana. No entanto, simultânea 
			a idéia de limite/pertencimento, há a de origem. Nada, porém, nos 
			aproximará da árvore se não pudermos captar o que lhe dá sentido em 
			Diana. Já se nos mostra, pois, a presença de uma força 
			simbólica atrelada à árvore, convergindo para a “idéia de Cosmos 
			vivo, em perpétua regeneração” (Chevalier & Gheerbrant, 
			1999:84), a qual se juntará o princípio de verticalidade: a árvore 
			cujas raízes estão fincadas na terra e os galhos estendidos para o 
			céu, ou seja, a união da terra desde a sua profundeza ao infinito do 
			céu. Seria este céu o de Diana? Quem é Diana?  
			
			Diana/Ártemis, filha de Júpiter e 
			Latona, irmã gêmea de Apolo, é uma das doze divindades de Olimpo, 
			cuja dileta ocupação é a caça. Tal como se dá com seu irmão, recebe 
			diferentes nomes, os quais refletem os recebidos por Apolo. 
			Diana/Ártemis, na terra; Febe ou Lua, no céu à noite; no inferno, 
			Hécate. Implacável quando provocada, sua vingança é permeada pela 
			crueldade. Enquanto Apolo equivale ao Sol, iluminando o dia; Diana, 
			a Lua, ilumina, como a abrandar os mistérios da noite. O retorno à 
			Mitologia nos conduz intuitivamente à origem do que iluminará, ou 
			melhor, re-velará
			o caminho da palavra pizarnikiana. 
			
			Guardaria Árbol de Diana o 
			caráter de elemento de ligação entre mortais e divindades? Por certo 
			que aqui se estabelece o desejo humano de igualar-se aos deuses, ou, 
			quando não, de atribuir-se qualidades inerentes a eles. No entanto, 
			não cremos que seja preponderante este desejo (é uma possibilidade 
			de se pensar a árvore, mas será este o seu sentido?). A presença de 
			Diana, possuidora/origem da árvore confere outra dimensão, não 
			apenas a divinizante. Estamos em presença de uma ausência.  A árvore 
			apresenta-se, como um todo a invocar não o ser-árvore, mas algo que 
			tem origem a partir dela e constitui-se, a nosso ver, a 
			ausência: o arco. Instrumento utilizado por Diana em suas 
			caçadas, e que também se constitui seu referente. Porém, 
			referirmo-nos ao arco apenas como algo pertencente à Diana, não o 
			traz a nós plenamente.  
			
			Pensar o arco nos conduzirá a presença do 
			implícito sentido de Árbol de Diana. Heráclito (1996:93) nos 
			diz no fragmento 51: “Não compreendem como o divergente consigo 
			mesmo concorda; harmonia de tensões contrárias, como de arco e 
			lira”. Estas últimas palavras de Heráclito (“arco e lira”), 
			nos trazem à presença Octavio Paz, ou melhor, sua obra O Arco e a 
			Lira (1956). Forma-se, assim, um triângulo poético. Torna-se 
			impraticável não percebermos que esta configuração triangular se 
			estabelece a partir do 
			palintonos harmonín
			
			– harmonia de tensões contrárias.  Refletirmos 
			acerca do arco é deixarmo-nos tragar por uma unidade composta de 
			elementos divergentes (arco e corda) que só se mostram por seu 
			outro/convergente (flecha). Jamais pensamos só a rigidez da madeira 
			ou a flexibilidade da corda ou a velocidade da flecha, ou ainda, as 
			“fases de sua manifestação: tensão, distensão e arremesso” 
			(Chevalier & Gheerbrant, 1999: 74). Nenhuma delas separadamente nos 
			conduzirá ao arco, uma se fará presente através da outra e re-velará 
			o todo. Contudo, atenhamo-nos nos dois vértices: Alejandra Pizarnik 
			e Octavio Paz.  
			
			Se é 
			impossível negar a influência de “[…] Octavio Paz, con quien trabó 
			amistad muy poco tiempo después de su llegada a Paris y quien 
			evidentemente quedó seducido por su escritura y unido por sólidos 
			vínculos afectivos a Alejandra, como lo demuestran el cálido prólogo 
			que escribió para su Árbol de Diana y sus frecuentes encuentros 
			durante la época” (Piña, 1999:95), torna-se impraticável não 
			percebermos que Árbol de Diana irmana poeticamente Paz e 
			Pizarnik, via deuses gêmeos Apolo e Diana, apresentados por Homero, 
			na Ilíada, como portadores do arco de prata e do arco de ouro 
			respectivamente. Outrossim, as letras iniciais dos nomes destes 
			deuses poderiam ser pensadas como abreviatura da obra pizarnikiana (A 
			D). Qual flecha, rompe-se o ar para ouvi-lo vibrar nas sílabas 
			iniciais de El arco y la lira e Árbol 
			de Diana. Arco e Árbol, palavras masculinas 
			seguidas por palavras femininas: lira e Diana, respectivamente. A 
			oposição, condição necessária para se perceber o outro, 
			complementação. Princípio masculino e princípio feminino —
			
			[. O que aparentemente nos sugere 
			antagonismo realiza-se na unidade. Percebemo-la ao tocar a corda do 
			arco ou da lira em que o ar vibrar. As ondas emanadas deste 
			movimento embalam a árvore. Confere-lhe movimento oscilatório. 
			Mantém em justo limite a tensão da corda que verga o arco, passível 
			de ser percebida em poemas como este: 
			
			  
			
			
			explicar con palabras de este mundo 
			
			que 
			partió de mí un barco llevándome 
			
			
			                                           
			(Poema 13) 
			
			  
			
			Em 
			Árbol de Diana há uma tensão manifesta, que se nos revela 
			quando apreendemos, não a árvore nem Diana, a unidade em que se 
			constitui/institui a obra. Que tensão é esta? A do homem que tenta 
			igualar-se aos deuses? Está implícito em todo criador, o desejo 
			demiúrgico, lembremo-nos dos castigos impostos aos mortais pelos 
			deuses. A da palavra poética? A palavra poética é incondicionalmente 
			tensa, enquanto palavra que oculta/desoculta o ser que nela habita. 
			Como poderíamos definir esta tensão, então? Não podemos fazê-lo. 
			Defini-la não nos conduzirá a nada, se não nos decidirmos 
			escutar 
			a poesia.  Para tanto, faz-se necessário abandonarmos o estado 
			prosaico de nosso existir e pormo-nos em estado de aberto, ou seja, 
			receptivos, a fim de fazermos parte do que é dito, como o faz 
			Alejandra: 
			
			  
			
			
			Escucho resonar el agua que cae en mi sueño. Las palabras caen como 
			el agua yo caigo. Dibujo en mis ojos la forma de mís ojos, nado en 
			mis aguas, me digo mis silencios. Toda la noche espero que mi 
			lenguaje logre configurarme. Y pienso en el viento que viene a mí, 
			permanece en mí. Toda la noche he caminado bajo la lluvia 
			desconocida. A mí me han dado un silencio pleno de formas y visiones 
			(dices). Y corres desolada como el único pájaro en el viento. 
			 
			
			(L’Obscurité 
			des Eaux, In.El infierno musical,2001:285) 
			
			  
			
			  
			
			
			Referência Bibliográfica. 
			
			  
			
			BARTHES, Roland.
			Existe uma escrita poética. In: O grau zero da escrita: 
			seguido de novos ensaios críticos. Tradução de Mário Laranjeiras. 
			São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp.38-48. 
			
			
			CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. 
			Dicionário de 
			símbolos: 
			(mitos, sonhos costumes, gestos formas, figuras, cores, números). 
			Coordenação de Carlos Sussekind; trad. de Vera da Costa e Silva… [et 
			al.], 13ª ed., Rio de Janeiro: J. Olympio, 1999.  
			
			COMMELIN, P. 
			Mitologias grega e romana. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 
			1997. 
			
			GMEINER, 
			Conceição Neves. A morada do ser: uma abordagem filosófica da 
			linguagem, na leitura de Martin Heidegger. Santos, SP: Leopoldianum, 
			1998. 
			
			
			GOLDENSTEIN, Jean-Pierre. Entrées em littérature. Paris : 
			Hachette, 1990. Serie F Autoformation. 
			
			
			HEIDEGGER, Martin. 
			El 
			habla. In: De camino al habla. Versión castellana de Yves 
			Zimmermann, Barcelona: Serbal, 1990. 
			
			HERÁCLITO de Éfeso.
			Fragmentos sobre a natureza.Tradução de José Cavalcante de 
			Souza. São Paulo: Nova Cultural. Col. Os Pensadores, v. 
			Pré-Socráticos, 1996. 
			
			LANE, 
			Philippe. La périphérie du texte. Paris : Nathan, 1992, 
			Collection crée par Henri Mitterand. Serie « linguistique ». 
			
			MICHELAZZO, José 
			Carlos. Do um como princípio ao dois como unidade: 
			Heidegger e a reconstrução ontológica do real. São Paulo: FAPESP/Annablume, 
			1999.  
			
			
			PAZ, Octavio. El arco y la lira. El poema. La revelación 
			poética. 
			Poesía e história. 
			3ª 
			ed., México: Fondo de Cultura Economica, 1998. 
			
			PIÑA, 
			Cristina. Alejandra Pizarnik: una biografía. 2ª ed., Buenos 
			Aires: Corregidor, 1999. 
			
			
			PIZARNIK, Alejandra. Poesía  Completa. Edición a cargo de Ana 
			Becciú, 2ª ed., Barcelona: Lumen, 2001. 
			
			SANT’ANNA, Affonso 
			Romano. A título de títulos. In: A sedução da palavra. 
			Brasília: Letraviva, 2000, pp.177-181. 
			
			TITULAR. In: DIC- 
			Dicionário eletrônico Michaelis. São Paulo: DTS Software Ltda. 
			Versão 3.00, 06/1996. 5 disquetes 3 1/2 . 
			
				
				 
				Notas: 
				  
				
					
					
					
					 
					Ensaio publicado na Revista Tambor, Recife, v. 01, n. 
					01, p. 63-69, 2003, da Faculdade de Formação de Professores 
					de Belo Jardim, Pernambuco.  
				
					
					
					
					 
					Conforme o Dicionário eletrônico Michaelis: Titular.2 -
					v. Tr. dir. 1. Dar título a, intitular. 2. Registrar em 
					livro de padrões e títulos autênticos. 3. Registrar.  
				
					
					
					
					 
					Alejandra Pizarnik (1936-1972) um dos nomes mais 
					representativos da poesia argentina contemporânea publicou 
					sete livros de poesias (La tierra más ajena, 
					1955; La ultima inocência (1956); Las aventuras 
					perdidas (1958); Árbol de Diana (1962); Los trabajos 
					y las noches (1965); Extracción de la piedra de 
					locura (1968); El infierno musical (1971) e 
					deixou outros tantos inéditos, reunidos por Ana Becciu e 
					publicados em 2001 pela Editorial Lúmen de Barcelona.  
				
					
					
					
					
					Árbol de Diana compõem-se de trinta e oito poemas, e 
					um adendo chamado Otros poemas, com data de 
					1959, publicado em Buenos Aires, no ano de 1962.  
				
					
					
					 
					A hifenação permite-nos chamar atenção para o ocultar/desocultar 
					que esta palavra abriga.  
				
					
					
					
					 
					Seguimos o pensar de J. C. Michelazzo (1999:95) o qual  
					apresenta o seguinte comentário acerca do fragmento 51 de 
					Heráclito: “Há algumas controvérsias entre especialistas em 
					relação ao fragmento 51. Uma delas é a que se refere à 7ª 
					palavra: palíntonos (tensões opostas). Em outras 
					edições – como, por exemplo, Os pensadores originários, 
					trad. de Carneiro Leão — aparece a palavra palintropos 
					(mudanças ou movimentos contrários). Há fortes argumentos, 
					segundo os autores da edição por nós empregada [KIRK, G.S.; 
					RAVEN, J.E. Os filósofos pré-socráticos. Trad. de 
					Carlos A. L. Fonseca, Beatriz R. Barbosa e Maria A Pegado. 
					2ª ed., Lisboa, Fund. Calouste Gulbenkian, 1982], em defesa 
					tanto de uma quanto de outra palavra. Entretanto, parece-nos
					palíntonos mais adequada, uma vez que com o seu 
					sentido etimológico – “aquilo que está esticado ou 
					retesado para trás, para o lado oposto” – nos dá 
					perfeitamente a idéia de tensão na qual se acha a corda 
					tanto do arco como da lira, por estarem suas extremidades 
					esticadas para trás, uma em relação a outra.” (grifo 
					nosso).  
				
					
					
					
					 
					cf. os verbetes Apolo e 
					Ártemis 
					in : CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. 
					Dicionário 
					de símbolos: 
					(mitos, sonhos costumes, gestos formas, figuras, cores, 
					números). Coordenação de Carlos Sussekind; trad. de Vera da 
					Costa e Silva… [et al.], 13ª ed., Rio de Janeiro, José 
					Olympio, 1999.  
				
					
					
					
					 
					Conforme Conceição N. Gmeiner (1998: 159),”a de-cisão 
					é um corte, uma cisão que posiciona aquele que a toma em um 
					determinado lugar.”  
				
					
					
					
					 
					A diferença entre escutar e ouvir evidencia-se quando não 
					nos deixamos levar pela captação de elemento sonoro 
					(característica própria do ouvir), mas vigiamos atentamente 
					a fim de percebermos o que se anuncia em silêncio. A 
					propósito, lembremo-nos que um médico não ouve os batimentos 
					cardíacos de um paciente. Ele ausculta; põe-se a escutar, só 
					assim perceber o ritmo, a freqüência e emitir um parecer 
					sobre a saúde cardíaca de seu paciente.  
			 
			
			 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
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