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Kátia Rose Pinho 

katiarosepinho@uol.com.br

John Martin (British, 1789-1854), The Seventh Plague of Egypt

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia da autora:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

 

Albrecht Dürer, Head of an apostle looking upward

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entardecer, foto de Marcus Prado

 

 

 

 

 

Kátia Rose Pinho


 

  Dizer-me a partir de um pedido

 

Recebi um e-mail com as seguintes palavras: “Mande urgente: uns dez poemas, contos, ensaios, resenhas, prefácios, posfácios, biografia e foto de sua distinta pessoa. Com o grande abraço do Soares Feitosa”. Regozijo d’alma e problemas pela frente. Os poemas estavam digitados, precisavam de algumas laborações apenas, já meditadas. Contos? E será que aquilo que escrevo em prosa pode ser chamado de “conto”? A teoria escapole-me, não quer cumplicidade néscia. Mas que seja. Prefiro chamar de prosa. Nomes sempre complicam tudo. Os demais tipos de textos estavam no arquivo. Uma nota de rodapé aqui, outra ali e tudo pronto. A foto também está no arquivo, embora tenha verdadeira ojeriza. E agora? Falta a biografia. Problema dos grandes!Dizer-me... Não sou logos... Mas... foi assim que a história começou...

Era uma segunda-feira, já começou mal. Não se deveria nascer às segundas-feiras tampouco de manhã cedo, antes do expediente e num dia em que vencem todas as contas: 10 do mês 10. Pra completar o ano também termina em zero: 1960. Ainda bem que a cidade era, é e será sempre, pelo século dos séculos, abençoada por Deus e bonita por natureza: Rio de Janeiro. Nela vivi até os quinze anos.

Um vento forte passou e me levou pro Recife. Permanência de vinte e sete anos, oito meses e três dias. Aí terminei de crescer. Tempo mais que suficiente para casar, parir três filhos, poemas da vida inteira: Larissa, Dimitri e Ludmila e cursar Letras, com direito a Mestrado em Teoria da Literatura, na Universidade Federal de Pernambuco.

Lá veio o vento de novo e me carregou pro Tocantins. Ainda não tinha terminado de crescer. Que fora fazer lá, tão longe de tudo? Ser professora na Universidade Federal do Tocantins, Campus de Porto Nacional. Contudo, a Moira redirecionou as calhas de roda de meu fado. Um ano e nove meses de Porto Nacional fora apenas prelúdio para mudança mais significativa. Retorno ao começo. Hoje, caminho pelas ruas do Rio de Janeiro novamente. O Doutorado em Ciência da Literatura (Poética), me faz navegar nas águas da poesia e do pensamento heideggeriano, lá na Ilha do Fundão e no Largo São Francisco Xavier. Estou a aprender-me. Para onde me levará o próximo vento? Pergunto ao silêncio do mar de Copacabana. Vejo o ir e vir das ondas. Sei que me vou daqui em breve (ou não). Que seja para um lugar onde possa cultivar Flores (poemas, meus e alheios) e Flocos de Algodão (narrativas, minhas e alheias)... O mais? O tempo di(ta)rá...
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goya, Antonia Zarate, detalhe

 

 

 

 

 

Kátia Rose Pinho


 

Menino cururu

 

From: Katia Rose Pinho
To: SF Jornal de Poesia
Sent: Sunday, June 19, 2005 10:48 PM
Subject: Tem perdão?
 

 

Poeta, eu tenho direito a um pedacinho do teu perdão? Ainda que nao tenha, peço. Querido, desde março tenho vivido loucuras, aliás viver já é uma loucura, só que eu ampliei a minha ao inventar de submeter-me a seleçao de doutorado na ufrj. Pois é, mergulhei fundo nesta historia e agora estou indo pra cidade grande estudar... só deus sabe do que serei doutora... espero conseguir fazer alguma coisa boa para/pela/ com a poesia...

Soares, te levei pra sala de aula. Foi o auge! Vc, o Afonso Romano de Santana e Graça Graúna (poetisa pernambucana). Mandei o povo ler um pouquinho de teoria e larguei o verbo de vocês... Putz! É demais! Os meninos ficam meio que no ar, mas captaram a vossa mensagem, venerável mestre!

Menino dos Cururu (no singular mesmo, poeta é um so em todo canto. É sapo-santo/santo-sapo!), este email é uma escapada a prosaicidade profissional, ou seja, a correçao de provas, trabalhos e preenchimento de cadernetas de notas (o castigo de todo professor!rsrsr

Prometo assim que conseguir serenar a mente/espírito, entrar em contato contigo para saber como a gente pode fazer a página no JP. Tenho que me mudar pro Rio até o fim de julho... até lá so desespero... Dá uma vontade de soltar um palavrao!

Deixa pra la.

Kerido, beijo so um e no cantinho enviesadodo teu olhar, mas carinho muito no teu coraçao

Paz

Katia Rose

 

 

 

Leighton, Lord Frederick ((British, 1830-1896), girl

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Alberto da Costa e Silva

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Thomas Cole (1801-1848), The Voyage of Life: Youth

 

 

 

 

 

Kátia Rose de Pinho


 

  Calhas de Roda

 

Ida não fora. Não fora nunca… além dos limites impostos. Afãs submersos no sol de dias marcados por segundos infindos. Arar a terra do coração com o olhar frio e silêncio negro da ira. Contensões. O mundo fora-lhe atroz? Ida não soubera o tempo tampouco o mundo. Perdera-se entre cercas de presente. Agora já passado. Labor inútil. Bicho enjaulado nas cotidianeidades arrebentara-se em muros de si mesma.

Estivera certa, sempre. O passo martela o piso cinzento. Conduzira tanto a tão poucos. Anelara-se. Nada a conduzir. Pisar forte. Sorrateiramente. Ludibriar a dureza do que não soubera transformar, sem lágrimas/sorrisos. A voz, quase murmúrio, a escondera. Os olhos, fiéis reveses da alma, delataram no subterfúgio dos cílios brilho cruel. Maldade quase clariceana a vagar pelo zoológico de si mesma. Não fora Fabiano, porém transformara-se em bicho.

Agora a querer invadir-lhe o corpo te(n)so, luz, diferente, por certo. Antes que pudessem os cientistas ousar capturar, Ida empreendera a tentativa. Haveria de conseguir? Capturara já tantas luzes. Fome de buraco negro. Vira tantos sóis. Não quisera ser mais um. Quisera ser imprescindível. Descrevera elipses helicoidais para não fugir ao prumo dos dias inevitáveis. Emanada de cristal raro, aquela luz não precisara dela. Como? Ela ordenara tantos caminhos! Ela chegara. Não. Ela sempre estivera lá. Ida esquecera-se de atravessar a ponte com antecedência. Pudesse trança-la em fios contínuos, não lhe queimaria a carne.

Trouxera à boca da noite desvelos enredados. Bordara com nobres fios, a teia. Pudesse ser nupcial, olvidar-se-ia a insolência insolvente do sentir. Entretanto, escapara-lhe por entre as tramas. Estivera no limiar do transgredir. Recrudescera (ante o que se aproximara, ofuscara-lhe sem aviso). Luz insaciável, vida que não tivera. Rasgara-se-lhe entranha. Brilhara no horizonte. Braços abertos, convite ao aconchego. Mas, Luz.

Ida perdera os olhos nos devaneios da noite. Amarrotara o bordado. Deletara tênues esperanças. O fel de si acompanharia, fiel, o enovelar-se em labirintos. Fosse sombra ao menos. Luz não permitiria sombras. A ousadia morrera-lhe na garganta e no pensar. Restara algo? Soubera outrora o ardor cruel da mocidade. Apenas sinais, agora. Distância de fumo fugidio escorrera-lhe entre lábios. Estáticas as mãos erraram pelo corpo forjado em aço. Silêncio de grito surdo e(s)coara. Desfalecera. Pálida. Sem espanto.
 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

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Claudio Willer

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904)

 

 

 

 

 

Kátia Rose Pinho


 

Ursos e outros bichos

 

Só na América existem ursos.Olhos inocentes, pelo fofinho como quê! Tão lindos nadando naquele rio de meu Deus sem-fim! Só na América existem ursos.Lá tem mel a valer.

Aqui me… lado de todo tipo. Urubus pescam (sal)mão.

Só na América existem ursos. Pardos, marrons, pretos, brancos, vermelhos e azuis… Protegidos pela guarda florestal. Tem até reserva especial!! Tão dóceis esses ursos…

Aqui os gatos pardos, marrons, pretos, brancos… esgueiram-se por entre as árvores do meu quintal, protegidos pela sombra da lua, resgatam o olhar que não re-tive no meu.

Só na América existem ursos. Nunca fui à América. Por que América não existe. Ficção de muito-tempo.

Aqui caminho sem passos. Sei o cheiro da flor do maracujá. O sabor incandescente da manhã fugitiva.

Só na América existem ursos. Advertência: Não alimentem os ursos. Deliciem-se com seus urros: são naturais. Nada de efeito especiais. Estão saciados de vida.

Aqui capturo a nesga de sol que se furta pela janela. A vida sacia-se de mim. Tempo de arar a palavra. Ouvir. Tão somente ouvir. Escutar? Só depois da lua passar, e arrastar consigo a frialdade dos grunhidos deste meu povo, que sob a força da indigência, espera. Espera que na América existam ursos.
 

 

 

 

Titian, Noli me tangere

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Raymundo Silveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poussin, The Triumph of Neptune

 

 

 

 

 

Kátia Rose Pinho


 

Por dias assim...

 

Quando sinto fugir as impertinências de meu ser, aproximo-me mais do que outrora existia. Vácuo. Permanência gaseificada de lacunas. Assim sorrateira a definir reticências inimagináveis construídas pelas pedras das horas. Nuvens cáusticas a borbulhar verões. Evanescência de não viver. Só não haver um tu nem histórias germinando em dias justifica o texto de viver. Narrativas despropositadas para preencher as fendas do bordado que desfaço todas as manhãs. Nada existe que possa ser configurado em telas coloridas ou palavras retorcidas. Negar. Sempre. Sanar o óbvio de todos os invernos. Quem sabe o ópio para todos os infernos? Os pensamentos passeiam caminhos. Assim seja (enquanto durar). Éter-nidade. Edificar fantasmagorias. Vive-se. Perplexidades de cotidiano.

As trajetórias são transeuntes ausentes de fábulas de Esopo. Os dados caem no espaço branco da linguagem muda. Oblíquos vôos para os braços de Apolo. A flecha de prata zune entre as fronteiras. Caçada. Não há necessidades de fios brancos, breves, brilhantes. Minotaureio as mãos do amor para ver Dédalo passar. Vagar. Desconcerto a roer jardins suspensos. Os olhos. Pomares azuis. Recorto todas as encruzilhadas e vejo um afogado levantar os lábios. Nada virá. O solo negro do lago. Esquecimento. Haveria memórias? Só uns cárceres para além de Mnemosine. Logo ali. Depois do Lete. Faço alétheias para o jantar. Disponho taças, cálices. Gotículas. Para que tanto logos? A physis não pergunta nada. Faz caminhos. Abre clareiras e clarões (para cegar). Um trovador repenteia os bigodes atrás dos óculos. Falta o homem. Falta. Falta. Ou será só flauta a ribombar os passos? Esqueci-me o compasso no espelho. Ou esqueceram-me no compasso? Lá ‘teja sempre a mirar o circunflexo da mulher que batia a máquina histórias bordadas, pintos e baratas. Tudo sempre tão entre-linhas, tesouras e agulhas. Tudo fere os dedos. Passam rente por estes interstícios. Breves interregnos.

Visto-me nua. Uma visita vem. Pronomes indefinidos em solidão portal. Umbrais de proteção: os óculos ferem as lentes, fundem mentes. Gosto de deserto. Emissário em que me submarino agudas reflexões. Por que olvidar o vazio? Lá repousam os fractais. Ornatos para colo descarnado. Fluídos higiênicos para as mãos. As mãos. Cortá-las. Para calarem o inusitado das sentenças. Descriar. Desescrever. Ritmos bordejam os marginais de si. Vivem? Vivemos! Apagados na retina do pensamento. Tresmargens? Não será a ponte, morada de ninguém? Entre-meios, entre-choques, entre-lugares, entre-palavras,entre, entre, entre, entre. Já estou de saída para o semcomfim. Im! Im! Iim! Meio assim de mim. Ressentir os desavisos do papel que me colhe a saliva. Doce de vento. Acolho acordes. Um cd voador atravessa a avenida. Leiso-me e leio sons guturais.

Querubins, que querem de mim? Cravos, rosas e alecrim. Espinhos brotaram nos pés de alface. Subiram-me à face. Sonhei-me roseira entre trigais. Era sonho. Como fora a primavera que passou agônica, desconstruindo o leito do rio. O mar tem sabor. Hálito de ostras. As ostras não têm lábios. Louras anêmonas. Longos dedos carinhando oscilações. Ilações. Cavalgad’água na areia. Espalhando dentes, recolhendo desejos. Houvera-os? O morto grita. Ri. Troveja no leito imaculado. Nódoas. Esmaeço-me entre açoites. Tantas noites. Forjou-me a sofreguidão. Fuga. Rapsódia. Allegro. Ao longe uma ária. Seria uma sonata? Uma cantata? Nada. uma cascata a des/cerrar paisagens agrestes, limpando ávida a entrega.

Reset. Uma nova janela. Para o céu, não! Ao inferno de todos os poetas consumidos pelo absinto.... um cigarro de ébano. Opróbrio das almas. Rastejam pelo recinto as réstias do esmaecido. O cadáver espreita a morte. Meta/morfoses... serpentinamente enlaça o riso que escorre elas frestas da agonia. O navio zarpa. Caiseio vadia. Uma velocidade de vida perscruta labirintos de tecelãs. Havia uma rede entre escotilhas-relógios. Partiram-se... em marcha... reparo, agora, nos lenços lançados em lamentos. Eram tão azuis! Sem máculas. Vazios de eles. Diziam do amanhã que foram tecidos. Supressão do hoje. Tão leves... fáceis voar. E passaram todos por becos estreitos. Retângulos de ânsias. Rumorejaram entre pisaduras anônimas.

Seriam sapatos Andy Wharol? Penduro-me numa linha de Modigliani para projetar em latências mironianas... delírios de rei no ar. Fosse a rainha de Copas, mandaria matar! O gato sorri. Encolho-me no canto da sala e cresce a chávena. Um sopro conduz ao jardim das ausências. Tantas fantasias. Imagens d’alma. Habitação de encantados seres. Enrubesce as maçãs. Pecado. Inventaram o dois para esquecer o um. Tragam-me Apolo e Diana, mostrarei moedas. Não. Esquecerei todas. Não vale a pena o canto! Por entre acácias acariciarei o inefável. Lançarei pérolas no poço das angústias. Serão dias para bemquerer. Até lá, repouso borboletas de sol em olhos de luar. Comum, comum…
 

 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), Cleópatra ante César

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Ildásio Tavares

 

 

 

17.11.2005