Cláudio Portella
6.11.2010
Fernando Moreira Salles reúne poemas que conduzem o leitor por
viagens mar adentro
A chave do
mar, de Fernando Moreira Salles. Editora Companhia das Letras, 80 páginas. R$
35
O primeiro poema do livro,
“Madrugada”, abre dizendo que o viajante parte no pouco mar do
amanhecer. O poeta sinaliza que a chave do seu mar é uma brisa leve
que bate aos olhos, um vento aracati que cobre a face do leitor. “A
chave do mar”, de Fernando Moreira Salles, é uma viagem marítima.
Adentra as águas numa jangada e os poemas são o navegar mar à
dentro. Fugindo do tempo e de si (quem quer que seja o eu), como diz
no poema “Anotações de viagem”: “Só me sei/onde não sou”.
Muito já se discutiu
acerca do minimalismo na poesia. É bom lembrar que ainda no século
XIX, Edgar Allan Poe, que também foi poeta, embora tenha ficado
famoso por seus contos de terror, dizia que (a despeito do seu longo
poema “O Corvo”), necessariamente um poema deve ser breve. O livro
de Fernando Moreira Salles suscita essa discussão por ser
minimalista em vários aspectos. É tão econômico que até os desenhos
de Paulo Monteiro que ilustram os poemas são apenas traços que
evocam o mar. Simbiose perfeita.
O poema “Espelho” (“cada/ verso
/retrato /reverso”) que estampa a contracapa é um dos mais fracos do
conjunto da obra. Uma escolha inadequada, já que o espaço é um
chamariz. Melhor seria a opção por “Abismo” (“Esse nada/
iníquo/ todo meu”); “Assombro” (“No correr / deste dia / trago / o
medo / de um fim / que seja / começo”); ou “Contra Rousseau”
(“Às vezes / esqueço / dói mais / se não lembro”). Estes, os
melhores.
Tenho a impressão de
que na primeira década do século XXI, assim como na década de 1980,
a literatura acumulou muitas discussões sobre ela mesma e sobre
“invenções” da linguagem. Talvez a economia de palavras que mostra
“A chave do mar” aponte, numa outra leitura, mais para esse caminho
de discussão do que de fato para o minimalismo poético,
simplesmente.
Quem sabe. O importante é que o poeta
é despretensioso e que sua obra realmente traz o aroma do mar. E é
aí que cativa o leitor de poesia: pela despretensão, pela
honestidade da chave.
CLÁUDIO PORTELLA
é escritor, poeta, autor de “As vísceras” e de “Cego Aderaldo”,
entre outros livros.
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