Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Lêdo Ivo




Lêdo Ivo entrevistado pelo jornal
O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil
5.10.2002
 

BIENAL DO LIVRO
Longo é o verso

Poemas caudalosos, carregados de imagens. Amanhã, o poeta alagoano Lêdo Ivo, 78, solta longos e encantatórios versos em recital na 5ª Bienal Internacional do Livro. A partir de 19 horas, na Arena do Escritor, Centro de Convenções. Com o Vida & Arte, conversou de véspera sobre poesia e amigos

Ethel de Paula da Redação
 

O poeto alagoano Ledo Ivo: versos encantatórios a exemplo de "Os cavalos ameaçam a primavera


O alagoano Lêdo Ivo, 78, já foi dono do título de mais jovem poeta brasileiro. Aconteceu em 1944, quando, aos 22 anos, lançou o primeiro livro de poemas, As Imaginações, sendo desde já premiado pela Academia Brasileira de Letras, onde anos depois passou a tomar chá, de fardão. Hoje, é um dos mais respeitados veteranos do gênero, autor de versos longos, encantatórios, caudalosos. Os mais recentes publicados no livro O Rumor da Noite (2000). Como remanescente da chamada Geração de 45, cultua a forma sem abrir mão da abundância de imagens, pondo a palavra misteriosamente a serviço delas. Múltiplo, também flerta com a prosa poética. Já publicou romances, crônicas, contos, ensaios e até autobiografia. Linguagens que compartilha com leitores amanhã, a partir de 19 horas, na Arena do Escritor, durante a 5ª Bienal Internacional do Livro.

Pelo pai, o advogado Floriano Ivo, cursou a Faculdade de Direito, mas foi no jornalismo que Lêdo militou ao mesmo tempo em que se firmava poeta. ''Nos meus poemas o primeiro verso é sempre o principal, o mais significativo, como se fosse o lide jornalístico. Talvez isso seja uma lição de jornal: começar dando a informação mais importante. Mas acho mesmo que as profissões que mais levam ao conhecimento da condição humana são jornalista, padre, médico e prostituta'', riu-se. Para em seguida falar a sério: ''O que sabemos sobre o homem nos veio muito mais através de Dante e Shakeaspeare do que de historiadores, geógrafos ou arqueólogos. Os escritores é que dão o testemunho essencial e fundamental sobre o homem, eles são o espelho da condição humana, guardam a memória do mundo''.

O POVO - Você lançou o primeiro livro de poemas aos 22 anos, era o mais jovem poeta brasileiro à época. Como foi a recepção junto ao seleto grupo de escritores que integravam a chamada Geração de 45?
Lêdo Ivo - Fui para Recife em 1940, quando eu tinha 16 anos e lá me liguei a um grupo literário muito atuante, bem informado, coordenado por um homem muito culto, um poeta chamado Willy Levin. Havia a revista Renovação e fizemos até um congresso de poesia em 1940. De modo que quando cheguei ao Rio, em 1943, para minha surpresa, outras pessoas já tinham guardado o meu nome. Fui muito bem acolhido por um grupo literário formado por Graciliano Ramos, Jorge de Lima, José Lins do Rêgo, Manuel Bandeira... entrei no bolo com muita facilidade e aos 22 anos fui distinguido com o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras. O único senão é até engraçado. O Manuel Bandeira e o Ribeiro Couto queriam que eu mudasse de nome... O Ribeiro Couto me disse que Lêdo Ivo parecia um pseudônimo mal escolhido (risos). Que eu não tinha nenhum futuro literário com esse nome. Mas nunca aceitei. E ele insistia: ''Lêdo, tire pelo menos o chapeuzinho, que era o acento circunflexo'' (risos). Porque naquele tempo havia os tipógrafos e aquele chapeuzinho atrapalhava. O Jorge de Lima chegou a me dar uma carta para pleitear um emprego de repórter em um jornal. Quando o sujeito perguntou meu nome e eu disse, ele caiu na gargalhada. E brincou: ''Esse nome termina antes de começar''. Toda a Redação riu. Quer dizer, perdi até um emprego logo no começo porque achavam o nome horrível. Muitos anos depois, o crítico Fausto Cunha escreveu que era um dos nomes mais bonitos da literatura! (risos). É um nome muito abstrato. O chapeuzinho não tirei por convicções numerológicas. Sem ele, dá azar (risos). Não herdei o sobrenome da minha mãe, Eurídice Plácido de Araújo Ivo, porque meu pai, Floriano Ivo, era marçom. Ivo é nome de família. Se você pegar o catálogo telefônico em Portugal, chove Ivo. Mas o Manuel Bandeira queria que eu me chamasse Lêdo Ivo Plácido de Araújo. Achava que nome comprido dava muito respeito literário (risos).

OP - É verdade que seu primeiro livro de sonetos foi provocado por João Cabral de Melo Neto?
LI - É verdade. Quando comecei fazia uma poesia, digamos, muito caudalosa, que colidia com a poesia do João, que era muito desidratada, lacônica, sibilina. A minha era cheia de imagens, tinha ritmos variados. Então ele dizia que eu era incapaz de escrever um soneto. Aceitei o desafio. Tenho até um soneto dedicado a ele. Daí, como todo mundo achou muito bom, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, fiz outros. E quando João Cabral foi para a Espanha ser cônsul, ele comprou uma prensa manual a fim de publicar pequenos livros de poetas brasileiros. Publicou então a primeira edição do Acontecimento do Soneto, título, aliás, dado por ele. É ambíguo, até, porque tem um verso em que digo: ''Não se faz um soneto, ele acontece''. Há uma certa ironia aí. Porque um soneto, como toda criação poética, é um objeto verbal, uma construção, uma composição, portanto é fruto de acasos e cálculos. Talvez a intenção do João foi falar no título do acontecimento do soneto na minha vida. Embora eu cultive muito o verso medido, acho que talvez a minha contribuição à poesia brasileira, se é que dei alguma contribuição, será em relação ao verso longo, que tem uma medida respiratória e não uma medida de manual, parnasiana, entende? A minha maneira de expressão é no poema largo, não no poema concentrado, lacônico.

OP - Você e João Cabral conversavam muito sobre as diferenças que guardavam um do outro em termos literários?
LI - Quando ele vinha ao Rio, passava semanas em um sítio que eu tenho em Teresópolis. Conversávamos muito, embora tivéssemos visões até opostas em relação à poesia, houve muita discordância entre nós em relação a temas fundamentais da criação poética. Mas foi uma grande amizade, inclusive porque a vida literária não se faz só no caminho da semelhança. Me lembro de dois versos meus que o João dizia gostar. ''Te darei um apartamento com 200 janelas para o mar'' (risos). Ele achava uma coisa impressionante um apartamento com 200 janelas para o mar! Outro: ''Os cavalos ameaçam a primavera''. Achava muito encantatório isso. Até porque ele era um poeta antiencantatório por excelência. Sua poesia era seca, concreta. E ele próprio era assim também: ensimesmado, secreto, muito fechado, se abria para muito poucas pessoas. Mas uma literatura é tanto mais rica quanto mais houver nela presenças colisivas. Tem poetas que se dizem inspirados, que acham que os versos caem na cabeça deles, outros mais cautelosos acham que só podem exprimir a sua experiência pessoal... O santo da macumba da poesia é você mesmo.

OP - Além dele, quem eram seus principais interlocutores à época?
LI - Muitos. Manuel Bandeira, Jorge de Lima, a própria Rachel de Queiroz. Quando entrei para a Academia Brasileira de Letras foi a Rachel quem me ligou para eu me apresentar. De modo que tenho muita ternura e admiração por ela. Fui um privilegiado, né? Aos 20 anos almoçava com Graciliano Ramos todos os sábados. Com ele houve até um negócio muito curioso. Quando menino, em um grupo escolar, 1933, 1934, eu era o primeiro da aula. Então o Graciliano, que era secretário da Educação em Alagoas, foi ao colégio para uma festividade e uma professora me apresentou como o primeiro da aula. Ele, então, pôs a mão na minha cabeça, de modo que considero isso meu batismo literário (risos). Sempre tive uma grande admiração por ele. Depois, acabou preso como comunista, sem ser, naquele tempo horrível de colisão entre integralistas e comunistas na ditadura Vargas. Quando saiu, publicou Vidas Secas. Eu, que era menino prodígio em Alagoas, escrevi um artigo sobre o livro. De modo que, anos depois, quando cheguei ao Rio e fui visitá-lo, até por conta de ligações de família, ele abriu uma gaveta, assim meio brincando e disse: ''Lêdo, quando publiquei Vidas Secas, em Alagoas, minha terra-natal, só uma pessoa falou dele - um menino de 14 anos''. Era eu! (risos). Na época, por conta da fama de comunista ninguém tinha coragem de escrever à respeito do livro.

OP - Que vínculos você considera ter com a Geração de 45?
LI - Pois é, de vez em quando me expulsavam da Geração de 45 (risos). Essa expressão, na verdade, é cronológica, não tem um sentido estético. Tem uma frase boa do Sérgio Buarque de Holanda, que aliás teve o livro O Espírito e a Letra reeditado por conta do centenário de nascimento com as críticas que publicou na década de 40... Escreveu até um ensaio sobre mim que considero uma das melhores coisas a meu respeito. Mas quase todos os poetas daquela geração tinham nomes longos e escreviam versos curtos: João Cabral de Melo Neto, Fernando Ferreira de Holanda, Domingos Carvalho da Silva... E tinha eu, Lêdo Ivo, de nome curto que escrevia verso longo (risos). O Sérgio falou então que eu me diferenciava por ser um poeta de nome curto e verso longo, ao contrário dos demais. Mas a gente se assemelhava no essencial: o poema encarado como um objeto verbal, a poesia obedecendo a leis e não-leis, porque mesmo quando você faz uma transgressão está dentro de um sistema. Demos muita importância à parte construtiva, composicional da poesia. Era uma geração formalista, que foi rotulada de 45 dois anos depois de aparecidos os poetas, ou seja, quando ainda estavam quase no começo. Depois, cada um escolheu um caminho. Um poeta subjetivo, quase surrealista, como João Cabral, foi cultivar a poesia social... Os melhores dessa época mudaram. Os que não mudaram desapareceram. Mas foi uma geração muito unida, tínhamos até uma pequena editora.

OP - A palavra vem à reboque da imagem na sua poesia?
LI - A criação poética é uma coisa misteriosa. Com 70 anos, você escreve um poema que esteve germinando no seu subconsciente desde a adolescência. E às vezes surge subitamente, já completo, como uma epifania. No meu caso, a imagem funciona como deflagradora. Mais a imagem do que a palavra. Mas poesia é linguagem, é o dom supremo da palavra. Meu poema já surge mais ou menos elaborado. Os retoques são poucos. O fato é que a poesia só se completa com o outro, o leitor.

OP - Que singularidades foram realçadas ao longo do tempo?
LI - Quando eu tinha mais ou menos 16 anos, mandei uns poemas para o Manuel Bandeira que depois se tornou meu grande amigo. Ele me mandou um cartãozinho dizendo: ''Há muita magia verbal nos seus poemas''. É um negócio curioso porque ao longo de toda a minha trajetória poética persistiu a presença do elemento encantatório, do enfeitiçamento verbal... Uma vez o Drummond disse que eu era um poeta múltiplo. Como se dentro de mim habitassem vários poetas. Sou a pessoa menos autorizada para falar de mim mesmo, me conheço muito pouco (risos). Diria que minha obra é que me cria. Sou uma invenção de minhas palavras.


SERVIÇO:
5ª Bienal Internacional do Livro - Rodas de Poesia com o grupo Panelada seguido de recital com o poeta alagoano Lêdo Ivo. Amanhã, às 19 horas, na Arena do Escritor, Centro de Convenções Edson Queiroz (av. Washington Soares, 1141 - Água Fria). Informações: 459.2470. O público pode visitar a Bienal até o próximo dia 13, das 10 às 22 horas. Cerca de 100 participantes (entre editoras, livrarias e distribuidoras nacionais e internacionais) ocupam 103 estandes. Entrada franca. O evento é organizado pela Secult e pelo Sindicato do Comércio Varejista de Livros do Estado do Ceará (Sindilivros).