Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Jornal do Conto

 

 

Leonardo S. Oliveira


 

João da Silva e sua luta constante

 

Era uma vez, João da Silva. Ele era um homem bom, trabalhador e muito bem sucedido. Trabalhava em um escritório de advocacia no centro da cidade. Era o melhor de todos os advogado do local e se vangloriava por isso.

Todos os dias, chegava cedo e começava a ler e reler os processos dados a ele. Nunca havia perdido uma causa e, cada vez mais, se atolava em meio ao que tinha que fazer. De vez em quando, olhava pela janela e via uma paisagem que, de modo algum, o agradava. Prostitutas, mendigos, criminosos, doentes; enfim, todas as feridas de nossa sociedade.

Num desses dias, ao olhar pela janela, João da Silva teve um grande idéia. Por que não ajudar essas pessoas? De fato, a idéia era boa, mas como poderia colocá-la em prática? Precisaria, certamente, da ajuda de seus companheiros de escritório e, antes disso, precisava planejar o que iria fazer; nada podia dar errado.

Sentou-se, então, em seu escritório e começou a pensar. Logicamente, a primeira idéia que lhe ocorreu foi a de fazer uma grande arrecadação de dinheiro e alimentos para distribuir para aquela população. Entretanto, ele era um advogado, não era? Por que não fazer algo mais elaborado, algo que realmente mudasse alguma coisa? Pensando nisso, chegou à conclusão de que deveria unir-se aos outros advogados do escritório e fazer uma campanha para que as leis em relação às pessoas mais pobres fossem cumpridas. Sua idéia inicial era de ajudar as crianças, pois elas, como todos dizem, são o futuro de uma nação.

Muito satisfeito com sua conclusão, saiu de sua sala para falar com os demais advogados. Rapidamente, passou por cada sala de cada advogado, chamando-os para uma reunião. Logo, todos estavam a frente de João para ouvir o que este tinha a dizer. Sem muito esperar, o advogado mostrou a todos a essência de suas idéias e esperava, agora, que estes se pronunciassem.

Inesperadamente, todos começaram a rir. Afinal, que idéia ridícula. Advogar de graça? Impossível. Esforçar-se para ajudar pessoas que não poderiam retribuir? Para quê? De onde João havia tirado aquele plano?

Por outro lado, nosso advogado estava perplexo. Nunca havia imaginado que seus companheiros viessem a reagir daquela forma. Ele queria ajudar, realmente queria. Não havia obtido sucesso algum até agora, mas ia pensar em alguma coisa verdadeiramente interessante para lutar a favor. Ah se ia! Nem que fosse a última coisa que fizesse!

Determinado, seguiu novamente para seu escritório, tomou um copo de água que repousava sobre sua mesa e começou a rabiscar seus novos planos. Após estudar muitas estatísticas, percebeu que uma outra boa forma de ajudar toda aquela gente era através do incentivo ao esporte. Idéia brilhante, brilhantíssima! Ninguém poderia discordar. Afinal, através do esporte as pessoas saem das ruas e adquirem algo para fazer e, além do mais, o esporte brasileiro poderia, quem sabe, tornar-se competitivo.

Com esse plano na cabeça, ficou horas a fio criando formas de incentivo. Novamente, precisaria da ajuda de seus companheiros de escritório e, dessa vez, planejava conseguí-la; chamando, novamente, a todos para uma reunião.

Infelizmente, tudo ocorreu como na vez anterior. Ninguém parecia interessado em ajudar o esporte de nosso país. Que lucro teriam? Nenhum. Além disso, sabe-se lá se aqueles criminosos iam querer praticar alguma coisa? De fato, a idéia não conseguiria vingar; nem no escritório; nem nas grandes empresas.

Novamente, João retornou decepcionado para sua mesa. Por que ninguém queria ajudar em nada? Ele queria tanto revolucionar. Queria lutar por seus direitos. Mostrar ser um cidadão que fiscaliza, um cidadão que faz. Precisava pensar em algo e ia; nem que isso custasse o dia todo; nem que isso custasse toda a semana.

E foi assim que ele continuou trabalhando até tarde. Conforme as horas iam se passando um sono irresistível o impedia de trabalhar. Ainda muito determinado, pediu para que sua secretária lhe trouxesse um café. Foi ai que tudo aconteceu.

“Seu João, não temos café.” – Disse a mulher.

“Não? Como não?” – Perguntou João, indignado.

“Não temos e nunca tivemos. A empresa não cobre os custos.”

Nesse momento, o advogado teve sua revelação. Como poderia isso? Trabalhar sem café? Quantos anos teria ele trabalhado sem café? Era aquilo justo? Claro que não! Não era! Como poderiam os advogados do escritório trabalhar com prazer se nem direito a um cafézinho eles tinham? Era uma vergonha. Algo lamentável. Ele não podia deixar as coisas assim.

Como um tufão, levantou-se da cadeira, correu até o meio do escritório e gritou: “Não temos café! Nunca tivemos! Como pode isso? Nós temos direito ao café, não temos? Amanhã mesmo vamos todos enviar uma pedido oficial para os sócios do escritório e vamos exigir que tragam o café a nós!” João gritava veementemente. Todos o ouviram e o aplaudiram. Idéia brilhante. Um café. É disso que precisavam. Que homem era aquele? João da Silva! Que advogado competente! Alma caridosa, cidadão exigente. Esse é o tipo de pessoa que devia existir em maior número; lutava por seus direitos. Um herói!

Enfim, foi assim que João da Silva, advogado bem sucedido, conseguiu o que buscava e, orgulhoso, viveu feliz para sempre.

 

 

 

 

 

05.11.2004