Leda Tenório
Uma incursão de risco
Especial para a Folha
(Caderno Mais!, 02.07.2000)
Em relação à resenha do meu livro
"Francis Ponge - O Objeto em Jogo" (Iluminuras), publicada no Mais!
em 11/6, e em atenção aos leitores do caderno gostaria de observar
que:
1. O poeta Francis Ponge (1899-1988),
ainda que não sem angústia, não faz qualquer distinção entre prosa e
poesia, o que aliás, entre outras coisas, o leva a chamar o poema de
"proema" ou "proêmio" ("proême"). Assim, quando eu comento
longamente, no capítulo três, um dos mais extensos e torturantes
textos de Ponge, o texto intitulado "Tentativa Oral" (inteiramente
traduzido por mim noutra parte: "Francis Ponge, Métodos", Imago,
1997), acho que estou fazendo bem aquilo que o resenhista diz que eu
não faço, a saber: análise do... poema.
Como ainda estaria fazendo análise do
poema se estivesse comentando, por exemplo, o texto "O Cão e o
Frasco" ou "Senhorita Bisturi", do volume "O Spleen de Paris", de
Baudelaire (também traduzido por mim, em 1995), em que, justamente,
começam as não-fronteiras. Como ainda estaria fazendo análise
poética se me dedicasse às "Poesias", de Lautréamont, que acontecem
em frases e períodos, não em versos ou estrofes, ou se me ocupasse
-eu, aliás, me ocupo, no quarto capítulo do meu livro, até porque
Borges foi tradutor de Ponge, o que não é dizer pouco sobre Ponge-
daquela prosa do autor do "Elogio da Sombra" inserida, tão
indiscriminada quanto vertiginosamente, em livros ditos de poemas.
2. Eu estou, justamente, querendo ser
"indelicada" -como diz o resenhista, usando dessa expressão- com
todos os demais poetas da segunda metade do século 20 francês quando
digo que Ponge é, talvez, o mais relevante de todos. Aí incluída
-para apontar o que a resenha não apontava- gente como Yves Bonnefoy,
Henri Michaux, Edmond Jabès, Henri Meschonnic, Denis Roche, Jacques
Réda, Jacques Roubaud, Henri Deluy... Trata-se, mais e melhor que
"indelicadeza", de uma incursão de risco, ou de risco crítico, e é
porque risco há que o crítico assina embaixo, depois de sua
demonstração. Trata-se também de certo atrevimento, inspirado, entre
outros, no Eliot que diz das "Flores do Mal" que esse é o mais
importante exemplar de poesia moderna em termos absolutos.
E também -o que é politicamente
incorreto, eu sei- de trabalhar com um cânone restrito, e mais que
isso, com um centro do cânone. Que é bem no que Otto Maria Carpeaux
devia estar pensando quando diz de Thomas Mann que ele é o maior dos
pequenos escritores. E no que devem estar pensando todos aqueles que
não costumam meditar longamente antes de pôr um "negócio" chamado
"Em Busca do Tempo Perdido" (de que trata meu livro "Catedral em
Obras", de 1995) na posição em que, neste século, o põem.
3. Finalmente, eu não "seguro o (meu)
discurso", mesmo, como se lia na resenha. Até porque eu sou uma
leitora de Ponge, uma perseguidora de seus irônicos "Métodos", e as
idéias, para falar como o poeta, avesso a toda pose, embora não a
todo risco, "não são o meu forte". Se fossem, eu seria mais
"pedagógica". E, em vez de ficar girando em torno de Baudelaire,
Proust, Borges e o autor de "O Partido das Coisas" (para não falar
de Céline), como os leitores da Folha sabem que eu giro, eu poderia,
enfim, me dedicar a temas mais... prestantes. Algo assim como...
Francis Ponge e o Brasil!
Leia o artigo de
Heitor Ferraz
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