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Márcio-André


 

Quarta Capa para o Livro O desvelar Códigos e a
Boca Intransferível de Victor Paes


 

Uma boa analogia para os poemas deste livro de Victor Paes é aquela clássica imagem da cobra mordendo a própria cauda: tentar retê-la na mente se torna impossível, à medida que a cobra se entranha cada vez mais e eternamente em si mesma, numa espiral que leva ao absoluto. É uma imagem complexa, justamente porque não pode ser visualizada. Pensá-la é esquecê-la. Assim, os versos de Victor Paes fogem a qualquer narrativa, qualquer explicação, qualquer conclusão, são quase koan que permitem, através do “absurdo”, ir em direção ao imponderável, rumo à totalidade. Manoel de Barros diz: entender é parede, seja uma árvore. Conselho que deveria ser seguido aqui. A obra de Victor se afasta de um entendimento racional, metafísico, apodera-se do mais sagrado concreto de nós mesmos, pois se encontra no entre: entre o apreendido e o que escapa, o que está na mente e o que não está, à terceira margem. Aí talvez se torne clara a sutil diferença entre entender e compreender. Mas para Victor não basta. Ouso dizer que seus poemas são para ver. Ele segue o ensinamento de Marinetti, que dizia ser a imagem o sangue da poesia. A plurivocidade que se desdobra a partir de versos tão singelos e carregados de uma lírica inaugural e absurda é feita sobretudo de imagens. Assim, distante dos conceitos e abstrações, ele propõe que o conflito criador, que nada remete a um conflito existencial, seja antes o próprio conflito fundador. O conflito da própria obra enquanto Obra, que duvida e reanima a tradição. A modulação que mantém o ostinato da memória, evitando que esta emperre pela ferrugem da mediocridade. Aqui, Victor se tece versos em cada linha de reinventar-se livro, moldando uma palavra poética radicalmente distanciada da linguagem banalizada pelo cotidiano. Palavra que precisa e deve ser desvelada. Afinal, desvelar é perceber os códigos no vazio das coisas. Mas só o podemos dizer com nossa própria boca.
 


Comentários sobre a obra de Alexandre Somazz,
artista plástico

 

À medida que a obra de arte nos manifesta o real em sua dimensão mais concreta e desvela a nossa própria realidade essencial no mundo, a obra de Alexandre Somazz nos faz lembrar da própria necessidade de estarmos em presença deste real, tão diluído nas distrações do cotidiano. Sua obra é fundadora de mundo, concretante de caos, reveladora de inutilezas num tempo tão apegado ao útil. Fundadora de diferenças num tempo de identidade.

O que mais me chama a atenção na obra do Somazz é a maneira como ele constrói em suas telas uma espécie de mosaico ou quebra-cabeças, imprimindo nelas uma dimensão lúdica, um tecido de cores e formas que desvela um jogo prismático e caleidoscopal. Com isso, penso que ele evidencia, como todos os grandes autores, o papel de co-autoria do público, elevando a sua obra a um estado de não-conclusão eterna. Quase como os gráficos rorschach, figuras “aleatórias” que os psicólogos mostram aos seus pacientes e estes interpretam a partir de seu vivencial. Assim, suas figuras surgem quase abstratas e se destacam, ganham formas e se concretam no olho do público. Eis o movimento e a liberdade impressos num bloco que, tirando o olhar, volta à estática condição de tela.

Nesse ponto, Somazz se aproxima muito do músico (o que ele também é), já que a música impressa numa partitura não está fechada e não pode ser chamada de música até que seja interpretada por um instrumentista (e presenciada por um público). A obra se faz no diálogo.

Perceber é desvelar.

Desvelar é cuidar.

Suas obras, dentro de seu paradigma pessoal, cada vez mais belas e passionais, são inegavelmente parte do processo e do caminho da Obra num sentido amplo e mundano, compondo, a cada instante, a manutenção do caminho e do caminhar.

 

 

 

 

 

27.06.2005