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Marco Aqueiva



 

Bloco de poemas do livro Neste embrulho de nós*






Papéis de embrulho


Rebusco-me em outros
antes de mim mesmo.
Embrulha-me inteiro
ser o que não posso.

 



São Paulo: urbe ou gaia geléia


Bahianos gregos de São Paulo, atentos
entre escargots e acarajés amaros
bahianos gregos de São Paulo honrados
– Eu já não mais sigo ilusões de letras

Ir por onde a carnívora beleza
chama-me sua verdura a meu abdômen
e abaixo da cintura abre sua boca...
– A noite é tão veloz, mal adormeço

Bahianos gregos de São Paulo a gesso
– Flore um lado de mim, incita-me o Mago
flore a ferro e fereza, mal conheço-me

Florem sonhos precários, murcham letras
entre bahianos gregos de São Paulo

Momento tão atroz que espelhos fende.

 



Via Maris


Cidade – tradição sem rota, traída
santa terrinha, efêmero passado
efêmero tal como o fumo nítido
do spray que escapa ao olho despregado
diante do olho digital em rastilho
sobre a extensão vista por cima, do alto

cidade sem lodo ou mil pés de erínias
não tão rósea diante da automática
ameaça de imagens aos pedaços
que é esta urbe, via maris ilegível
que é olho em garatujas, descontínuo

Registro sem leitor, alheio e gago

 


 

Da poética do verde amarelo


Tão logo os macacos chegam gagos
qualquer papagaio de crista verde
e azuis penas, cheio do marginado
limo – o muro de arrimo que o prende
não torna a declamar direito
com mesmo prazer do azul quimérico
se o beco esvaziado do verde
for higienicamente amarelo

não apreende o irreverente belo
se mal for do paredão além

fizer da conveniência estridência

 



Avenida atlântica


Na segurança da orla bordada a aço,
na doçura florida das estrelas
estendidas do céu do quarto à tela
onde aos olhos imóveis vêm cenários,
por entre portos, avançando frases,
por entre postos avançados, a imagem
no conforto do rosto familiar
no uivar aos saltos do ICQ elástico

Urbe cujos limites se dispersam

 



Estrambote do navegador solitário


Quando a vida te ilude a mor paixão,
Em ídolos de luz põe silicone,
Vinte e cinco centímetros de fome,
E o vaivém do ICQ te frije a ação?

Nesse ICQ te iludes mãos e olhos.
Por entre as mãos vão vêm desejos aéreos,
Sangue ascendendo – tã tã – logo e sempre
por entre as mãos areia luz remorsos...

Que é obsessivo o infindo corpo e a luz,
Que os olhos lavra – ah! – a beirar espuma,
Se esta carne pudesse dissolver-se,

Em pasto de palavras transformar-se,
Se há merenda aos teus olhos, omelete
A um morto acasalando com fantasmas,

Ondas – tec tec – que a ardente ação te vence,
Ondas – tec tec – que à ardente ação te espremes,
Ondinas – tã tã – logo e sempre espuma...

 



refugo@melancolia.com



Entre o sonho possível de cidade
e o que se estende à vista, solo bruto

Entre a virtual e imprecisa metrópole
e a beira do jardim, não mais que busco

na térrea perspectiva de outra vida
deslizar té fugir de mailing lists

de expedito e exausto desvio, refugo

Entre meio e e-mail, mundo que engulho


 




* Neste embrulho de nós. São Paulo, Scortecci, 2005.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jacques-Louis David (França, 1748-1825), A morte de Sócrates

 

 

 

 

 

Marco Aqueiva



Freudianamente


Ralar melões maduros com unhas negras

Que o amável coração contra si e as lógicas
revirando raivosas gavetas cheias
das fricções embaciadas dos coitos rápidos

Carne fria que se esconde à sombra dos olhos
sem saudade sem ponte e fios telefônicos
sem dentes e qualquer protetor de pele

E nós tão adiáveis – se ao menos fôssemos
unidade acabada de enredo e ciência
feroz hormônio a ver longe a meninice

Mas irremediavelmente outros somos
revirando raivosas gavetas cheias
de maduros “senões”, contra nós e as lógicas

Folhas duplas de tantos bons e maus reptos
somos freudanamente corpo para outros
150


fins de maio/2006
 

 

 

 

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Helena Pedra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Marco Aqueiva



Visita do Homem-Asa

Homenagem a Mário Cesariny


Não, não nos iludamos, Marco,
nem façamos Arcádia.

O Surreal é do Homem-Asa
o minuano desencontrado e subsolo
a cera líquida
o brilho fácil
além do hálito de tua janela
uma lua baça ao espelho
a página impressa e a saída
por entre os dedos asfixi-
ando, fugindo do sorriso
perseguidor

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Reflexion

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Circe Vidigal

 

 

08/12/2006