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Marcos Siscar

 

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Caravagio, Tentação de São Tomé, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Poesia:


Ensaio, crítica, resenha & comentário: 


Fortuna crítica: 


Alguma notícia do autor:

 

Marcos Siscar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), João Batista

 

Ticiano, O amor sagrafo e o profano, detalhe

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

Leontino Filho

 

 

Marcos Siscar


Biografia

 

Marcos Siscar é poeta, tradutor e professor de literatura. Como tradutor, publicou obras de Tristan Corbière, Michel Deguy e Jacques Roubaud, entre outros. Publicou os livros de poemas Não se Diz (7 Letras, 1999), Tome seu café e saia (7 Letras, 2001), Metade da Arte (Cosac & Naify / 7 Letras, 2003) e O Roubo do Silêncio (7 Letras, 2006). Tem textos publicados em antologias no Brasil, Argentina, Espanha e França.  

 

 

 

Paulo Bomfim

 

Aurelino Costa, Portugal

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

Marcos Siscar

 

 


 

A Terra Inculta

 

A EUGENIO MONTALE

 

meio-dia o sol apaga as arestas
a brisa perpetrou o mormaço
estalo de folha seca palha de milho pássaro
o tempo dorme com suas estátuas
a sombra encontra-se inteira com seu corpo
todas as coisas intactas
na hora morta do dia as formigas
sobre a sintaxe da terra inculta elaboram
sua tácita filosofia  

 

 

 

 

De não se Diz

 

DOR

 

não se diz rasgar rasgar um tecido como só as mãos
festa vital do barbarismo rasgar a tela de linho longamente encerada
abrir um sulco uma esteira um traço olhar por dentro dele
(você se demora na janela o vinco do seu decote
o hábito de dilacerar as folhas do caderno)
não se diz reter o vislumbre da carne pela camisa mutilada
pele retraída ao toque cerimônia do intelecto que se avalia
guardar a coisa pelo avesso posse da coisa ida
(o ato sem causa de uma chave colocada no contato)
 


 

 

TREZENTOS ANOS VOLTAIRE NASCIA

 

verter o café num dia sem cor o cálculo
do açúcar a colher inútil a voltear
mas olhando de dentro da espiral de fumaça
mil poetas absortos não obstante mortos
talvez se digam que quebrar esta xícara
bastaria para mudar a vida changer la vie
decidi ser feliz faz bem para a saúde
diz um deles livre uni-me ao aniversário
de sua ausência flor do ébano glauca
 


  

 

JARDIM À FRANCESA

 

eu com minha idade sentado num banco de praça
meu coração era do tamanho do mundo
feito do seu elemento de água rumor e ornamento
duas alamedas duas fontes se escorrendo
meu coração era do tamanho deste mundo
ora assim igual a si mesmo ora se
desconhecendo
mas meu coração é menos perfeito do que esta praça
às vezes se lembra e dificilmente
da hora exata do retorno do tempo
meu coração às vezes tropeça projeta uma perna
sobre a outra
se interrompe mudo parece
que pensa
 

 

 

 

Tome seu Café e Saia

 

PSICANÁLISE CASEIRA

 

há coisas de sobra que não se dizem
há coisas que sobram no que se diz
nossa miséria é uma alegria de palavras?
 


 

 

SABIA?

 

há coisas de sobra que não se dizem
há coisas que sobram no que se diz
nossa miséria é uma alegria de palavras?
 

 

 

 

Metade da Arte

 

DIABO TRISTE

 

o diabo tem um olhar triste em que moram
pesados devaneios irmãos de todas as coisas
meu irmão mãos malhadas de passar a ferro
uma eternidade de palavras pernas magras
cruz de sua sede irrefletida os ombros curvos
sobre o pulmão o gesto fogueira do desejo
luzes foscas no cabelo as veias secas
como fontes em que o amor não entra mais
por mais que suplique não se tira o amor
não entra ar não sai não se tira mais seus ais
e sobre o corpo prometido a cal e argila
se imobiliza enfim uma alegria intransitiva
deus é seu hospital

 


 

 

ENQUANTO ISSO

 

enquanto o sarcófago de akhenaton passa no tomógrafo
você vomita o segredo do último rei monoteísta
e para curar-se do grande fora precisa cultivar o grande
dentro tratar o vício com o vício matar-se e ir ao cinema
mudar risco em perícia susto em consciência (eu aqui fora
trancado dentro do carro mãos sem dono passeiam pelo vidro
são medusas de nossa perplexidade
 


 

 

SCHOPENHAUER DESCE AOS INFERNOS

 

e se a dor fosse apenas o fim da alegria
escondida um pouco aquém das (palavras
desconexas que você me estende como anúncio)
cores enfurecidas quase imemorável encontro
do doer com aquilo que dói reconhecimento
com liberação morte com prazer da renúncia
refinamento da tortura com a boa terapia
(freud fustiga schopenhauer pendurado
nas mandíbulas do inferno enquanto sua mãe
mete o dedo do nariz) comi a flor do pêssego
você me diz amanhã teremos filho
 

 

 

 

O Roubo do Silêncio

 

TIGELA DE ÁGATE

 

Você fechou a janela, desceu as escadas e disse em prosa que se sentia bem embaixo, no pátio aberto, perto da porta. Você desceu o lixo, olhou o pássaro, brincou de cabra-cega com as crianças do pátio. Então, pediu-me que servisse a sopa numa tigela de ágate. A morte com dor não vale a sopa numa tigela de ágate. O mundo reduzido ao essencial. Isso a faz morrer de rir. O essencial, você me diz, cabe numa tigela de ágate. O que quis dizer com isso? Que essencial não há, ou muito pouco, que no fundo não importa, ou que de fato está nesta tigela de ágate? Desde então, a dúvida me impede de dizer meu nome. Com a sola dos pés procuro o fundo da terra sob um brejo de taboas. Cada vez que me perguntam que fundo é esse, as entranhas me gelam, a discrepância me invade. Sinto o fundo e ele me abala. Toda uma sismologia. Viajo sem ter vontade. Em cada lugar por onde passo, quero de mim uma nova coragem. Certa vez, você me acenou de longe, ao pé da plataforma, com os olhos vermelhos. Você que nunca chorava. Quis exilar-me em você. E talvez eu fique aqui, nesse boteco de luz amarela, no meio da amazônia, até o fim dos tempos. Mal penso nisso, o galo ainda não cantou, você já se estendeu ao longo do meu corpo, se derramou sobre mim e eu a contive. Você cabe em mim tão completamente. Ouço a sua voz fraca, perdida no percurso da garganta. O poema deve ser escrito com sangue? Pois que o sangue seja vivo, vermelho pêssego, turquesa, esmeralda. Foi então que você perdeu a voz, olhou de lado, fechou-se muda. E sobre as pálpebras cerradas palpitam veias de um sangue veloz. Diga-me: quanto sangue será necessário para aplacar o seu silêncio?

 

 

Poemas traduzidos para o Espanhol

 

 

          DOLOR

no se dice rasgar rasgar um tejido como solo las manos harían
fiesta vital del barbarismo rasgar la tela de lino largamente encerada
abrir un surco una estela un trazo mirar dentro de él
(te demorás en la ventana el pliegue de tu escote
el hábito de dilacerar las hojas del cuaderno)
no se dice retener el vislumbre de la carne por la camisa mutilada
piel retraída al toque ceremonia del intelecto que se evalúa
guardar la cosa al revés posesión de la cosa ida
(el acto sin causa de una llave puesta en contacto)

 


 

 

JARDÍN A LA FRANCESA

 

yo con mi edad sentado en un banco de plaza
mi corazón era del tamaño del mundo
hecho de su elemento de agua rumor y ornamento
dos alamedas dos fuentes escurriéndose
mi corazón era del tamaño de este mundo
ya así igual a sí mismo ya desconociéndose
pero mi corazón no es tan perfecto como esta plaza
a veces recuerda y difícilmente
la hora exacta el retorno el tiempo
mi corazón a veces tropieza proyecta una pierna
sobre la otra se interrumpe mudo parece que piensa

 


 

 

SABÍAS?

 

mozart murió de triquinosis y no sabía
(quien sabrá de qué materia el fin
está hecho?) pessoa era esquizofrênico
y no sabia cuál era sua alegria?
Cabral no se sabía? de aquel tipo
al que no le interesa la biografía
pero qué respuesta necesita un hombre
que pregunta? no interpretes ahora marcos
en esta voz que te habla sólo el zorzal silba

 


 

 

TOMÁ TU CAFÉ Y SALÍ

 

a quién le interesa el fracaso
del otro por qué nos interesa
el fracaso o el dolor de vivir
es más fuerte que el abrazo
(por qué en la despedida el beso
sólo entonces impostergable por qué
las manos en los cabellos apenas
antes de la muerte los cuerpos se encuentran)
tal vez te interese
tal vez mueras de astucia
tomá tu café y salí

 


 

 

DIABLO TRISTE

 

el diablo tiene una mirada triste donde viven
pesados devaneos hermanos de todas las cosas
mi hermano manos manchadas de planchar
una eternidad de palabras piernas flacas
cruz de su sed irreflejada los hombros curvos
luces opacas en el pelo las venas secas
como fuentes donde el amor no entra más
aunque suplique no se saca el amor
no entra aire no sale no se sacan más sus ayes
y sobre el cuerpo prometido a cal y arcilla
se inmoviliza finalmente una alegría transitiva
dios es su hospital

 


 

 

MIENTRAS TANTO

 

mientras el sarcófago de akhenaton pasa por el tomógrafo
vos vomitás el secreto del último rey monoteísta
y para curarte del gran afuera precisás cultivar el gran
adentro tratar al vicio con vicio matarte e ir al cine
cambiar riesgo por pericia susto por conciencia (yo aquí fuera
encerrado dentro del coche manos sin dueño pasean por el vidrio
son medusas de nuestra perplejidad

 

 

Manoel de Barros

 

Augusto dos Anjos

 

 

 

 

14.09.2007