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Um esboço de Da Vinci

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

José Saramago


Olha, Tomé, o teu pássaro foi-se embora!

Arranjo de Soares Feitosa

Vem aqui, Tomé,

vem comigo até a borda da água,

vem ver-me fazer uns pássaros

com esta lama que colho...

 

Repara como é tão fácil,

formo e modelo o corpo

e as asas;

afeiçôo a forma da cabeça

e do bico; engasto estas pedrinhas

que são os olhos;

ajeito as penas compridas

da cauda;

equilibro-lhes as pernas e os dedos

e tendo feito

este, faço mais onze;

aqui os tens, um dois, três

quatro, cinco, seis, sete, oito,

nove, dez, onze, doze pássaros

de lama...

 

Imagina, até, se quiseres,

dar-lhes nomes: este é Simão,

este é Tiago, este é André, este é João, e este,

se não te importas, chamar-se-á

Tomé.

 

Quanto aos outros vamos esperar

que os nomes apareçam;

os nomes, muitas vezes, atrasam-se

no caminho, chegam

mais tarde...

 

E agora vê como faço — lanço esta rede

por cima das avezinhas

para que elas não possam fugir, os pássaros..., se

não temos cuidado.

 

Queres dizer-me que se esta rede

for levantada os pássaros fogem?

Esta é a prova com que querias

convencer-me?

 

Sim e não!

 

Como, sim e não?

 

A melhor prova, mas essa

não é de mim que depende, seria

não levantares tu a rede e acreditares

que os pássaros fugiriam se a levantasses.

 

São de barro, não podem fugir.

 

Experimenta! Também Adão,

nosso primeiro pai, foi de barro e tu

descendes dele.

 

A Adão deu-lhe vida Deus!

 

Não duvides mais, Tomé! Levanta a rede, eu sou

o Filho de Deus.

 

Assim o quiseste, assim o terás,

estes pássaros não voarão!

 

Com um movimento

rápido, Tomé levantou

a rede, e os pássaros,

livres, levantaram vôo, chilreando,

duas voltas

sobre a multidão maravilhada

e desapareceram no espaço.

 

Disse Jesus:

Olha, Tomé, o teu pássaro

foi-se embora.

 

E Tomé respondeu:

Não. Senhor, está aqui ajoelhado a teus pés,

sou eu. 

"Versificação", a partir do ritmo cardíaco e do batimento respiratório (uma "viagem", como se, entre os olhos e o ouvido Saramamgo, o Nobel da lusonofia médio) de um texto de Saramago, in O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Companhia das Letras, 31ª reimpressão, páginas 398/399, sem nenhuma alteração a mais ou a menos que a mera arrumação em versos e estrofes. Nem preciso mencionar que este texto em Saramago (aliás, o Evangelho inteiro) é um bloco compacto, com mínimas "cesuras" por vírgulas e nada mais.

Prosa e poesia seriam, assim sem mais nem menos, aSoares Feitosa, 2001 mesma coisa? Sim e não, aliás, sim... desde quê. E por favor bote muitos desdes-quês nessa história. De fato, é possível "metrificar" Euclices da Cunha, Guimarães Rosa, José de Alencar, Clarice Lispector e não muito mais que uns cinco gatos pingados. Da mesma forma, excelente "prosa" em... Álvaro de Campos. É só tentar... desde quê.

 

Soares Feitosa

Fortaleza, CE, noite alta, 5.5.2003

 

 

 

Caravaggio, A incredulidade de São Tomé

Dos leitores

Alckmar Luiz dos Santos

Aleilton Fonseca

Ana Cabreira

Aníbal Beça

Antônio Carlos Secchin

Antônio Cícero

Batista de Lima

Carlos Augusto Viana

Clivânia Teixeira

Elizabeth Lorenzotti

Ergógiro Dantas

Erorci Santana

Glaucia Lemos

Gustavo Dourado

Kátia Mendes

Izacyl F. Guimarães

Laeticia Jensen Eble

Luciano Maia

Mantovanni Colares

Márcio Catunda

Marco Polo G. Martins

Nilto Maciel

Ricardo Alfaya

Roberto Pires

Rodrigo Petronio

Vicente Franz Cecim

Oficina: 

veja o "fazer" deste texto, 

inclusive o original de Saramago

Outras experimentações de Soares Feitosa sobre prosa, quadro, foto ou pintura —» poesia:

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Caravaggio, Michelangelo Merisi da
The Incredulity of Saint Thomas
1601-02
Oil on canvas
42 1/8 x 57 1/2 in.
Neues Palais, Potsdam