Olha, Tomé, o teu pássaro foi-se
embora!
Arranjo de Soares Feitosa
Vem aqui, Tomé,
vem comigo até a borda da água,
vem ver-me fazer uns pássaros
com esta lama que colho...
Repara como é tão fácil,
formo e modelo o corpo
e as asas;
afeiçôo a forma da cabeça
e do bico; engasto estas pedrinhas
que são os olhos;
ajeito as penas compridas
da cauda;
equilibro-lhes as pernas e os dedos
e tendo feito
este, faço mais onze;
aqui os tens, um dois, três
quatro, cinco, seis, sete, oito,
nove, dez, onze, doze pássaros
de lama...
Imagina, até, se quiseres,
dar-lhes nomes: este é Simão,
este é Tiago, este é André,
este é João, e este,
se não te importas, chamar-se-á
Tomé.
Quanto aos outros vamos esperar
que os nomes apareçam;
os nomes, muitas vezes, atrasam-se
no caminho, chegam
mais tarde...
E agora vê como faço — lanço
esta rede
por cima das avezinhas
para que elas não possam fugir, os pássaros...,
se
não temos cuidado.
Queres dizer-me que se esta rede
for levantada os pássaros fogem?
Esta é a prova com que querias
convencer-me?
Sim e não!
Como, sim e não?
A melhor prova, mas essa
não é de mim que depende, seria
não levantares tu a rede e acreditares
que os pássaros fugiriam se a levantasses.
São de barro, não podem fugir.
Experimenta! Também Adão,
nosso primeiro pai, foi de barro e tu
descendes dele.
A Adão deu-lhe vida Deus!
Não duvides mais, Tomé! Levanta a
rede, eu sou
o Filho de Deus.
Assim o quiseste, assim o terás,
estes pássaros não voarão!
Com um movimento
rápido, Tomé levantou
a rede, e os pássaros,
livres, levantaram vôo, chilreando,
duas voltas
sobre a multidão maravilhada
e desapareceram no espaço.
Disse Jesus:
Olha, Tomé, o teu pássaro
foi-se embora.
E Tomé respondeu:
Não. Senhor, está aqui ajoelhado a
teus pés,
sou eu.
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