Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

Marta Gonçalves


 

Os moinhos de Jacy

(Em memória de Jacy Thomaz Ribeiro)

 

Jacy viaja pela Holanda e respira a brisa dos Moinhos.

Tua túnica traz a cor da ameixa. Formigas descem a roda dos Moinhos e vivem em céu tão frio. Há o tempo de menino. O vinho do avô português.

Jacy viajou em direção ao mundo. Correu a Europa, foi à Rússia. Respirou a relva e o espanto da vida. Viu os olhos dos carneiros azuis, descendo a campina. Aqueceu a lã na aurora. Na vidraça a água da chuva rodando os Moinhos.

Tua capa xadrez, o chapéu, vieram da terra de Marco Polo. Vieram no lombo do cavalo de olhos de ferrugem. Vieram nos sapatos. Da velha fazenda de silêncio, onde a hera cobria as cercas. O vento ressoa nos vales.

Ressoa a voz de Jacy nos versos. Na face, os Moinhos eram barcos descendo o rio.

O rio claro de tua alma. Na paisagem amiga, o riso bom. Nem a madeira amarela dos Moinhos cobria a praia de teus olhos. Nos telhados os cata-ventos, cercando a memória. Memórias das folhas grandes deixadas no tempo, no espaço, na família. Venho buscando tua lembrança no vinho vermelho, no jardim, no piano e no presépio do Natal.

Os juncos cresceram no porão. No sol aquecendo o corpo.

Teus Moinhos não trituravam mágoas. Não havia mágoas em teu coração, Jacy! Quando a lua esconde escuto tua voz vibrante. O vento trazendo segredos. Uma pomba viaja no sono dos Moinhos.

 

O adeus de Pituca

 

Pituca chegou como uma semente de sol. Era mansa, peluda. Os olhos de ferrugem. Crescia o riso nos lábios de Gerlanda. Tantas foram as gracinhas de Pituca. Conhecia as mãos de sua dona, o coração, a lágrima. Se a alma era cinza de Gerlanda, a de Pituca suspirava pelos cantos da casa. Havia um olhar sofrido no olho amarelo de Pituca vendo os sonhos desfeitos de sua dona. Pituca amava. Ouvia música. Imaginava um mundo melhor navegado de cardumes vermelhos. Andava claudicando e arranhava as portas. Pituca era a estrela de mercúrio. Pássaro sem asas, borboleta marrom na janela. Carinhos, conversas no adentrado da noite. Companheira de um tempo perdido. O biscoito mordido, brinquedo de Pituca. Segredos marcados no ponteiro do relógio. A melodia do fim amanhou a doença. O amor era verde no coração de Pituca. Amor que só os cães trazem no afago. Gerlanda guardava na concha das mão o choro, o latido, o andar, o riso, o pêlo de Pituca. Foram idades, aniversários, Natais, Pituca.

Abril mês charmoso, cativante. Mês de flores, quaresmeiras, ipês amarelos. Mês em que o sol aquece a face e banha de alfazema a pele. Mês escolhido para a canção de despedida. Em abril Pituca se foi ao país dos duendes. Deixou lembranças, um choro doído, um aperto no coração de Gerlanda. Anjinhos lilases tocavam blues e Pituca levava no corpo o mundo de Gerlanda.

No inverno o vento traz o choro vestido de ausência.

Pituca habita uma estrela azul e sonha com Gerlanda.
 

 

 

 

 

21.07.2005