Maria da Conceição Paranhos
Espelho partido
Quem é pois esta
mulher? A epígrafe de Félix Arvers já o indaga. Amor, vida, poesia —
estas são as questões centrais do livro de Aramis Ribeiro da Costa,
Espelho Partido. Trata-se de um livro de sonetos, 65 sonetos
mais precisamente, escritos num período de 25 anos vividos em
estreita convivência com a literatura e demais realizações
artísticas pelo que sei do escritor. Aliás, o que se filtra de sua
poesia é, sem sombra de dúvida, essa experiência singular, a da
arte, percorrida com passo fiel e entranhadamente convicto.
Aramis entrega ao
leitor, com este livro, sua perícia na forma clássica. E o faz numa
inversão cronológica: inicia com os sonetos mais recentes e recua no
tempo às suas origens de poeta-sonetista.
Evidencia-se, em
Espelho Partido, busca crescente de depuração verbal e sua
realização formal. A par disso, permeia-se na poesia de Aramis a
marca inarredável da perda (palavra de difícil plural) de uma vida
que "poderia ter sido e que não foi" — para trazer à presença da
temática de Espelho Partido uma confissão não menos frontal
de Manuel Bandeira. Mas, simultaneamente, as epifanias diante dela
mesma, vida "num segundo iluminada" (Soneto do Sol de Madrugada).
Tais frestas, soslaio de uma iluminação, mostram-se desde o
primeiro momento assumindo com freqüência aspecto de miragem da
harmonia amorosa, situando-se, todavia, no pretérito. Mesmo porque
quem é a mulher — como antes perguntado? — se sua face é cambiante,
seus olhos jamais possuem a mesma cor e sua percepção se distancia?
É que o "quarto escuro" (este, título da primeira série de poemas —
1971 - 1972) de Aramis vai à cata da "curva luminosa de um
arco-íris" (Arco-Íris) que expulsasse a sombra, a opacidade
do existir estoicamente seguindo sonho sempre postergado. Corpo de
vigília, corpo da poesia de Aramis, que reiterativamente se cumpre
se contempla num passado onerado das vivências que se perseguem e o
perseguem, predominantemente aquelas retiradas do mergulho nos
domínios da infante divindade cega — Eros. Tanta vez, no entanto, é
o seu antípoda que irá assentar-se de modo inesperado no verão que
não se abre em festa, como no belo poema Dezembros,
conduzido, como outros, pela reflexão filosófica sobre a vida.
Quando não, acresce-se a visão de entes queridos já ausentes, cuja
presença improvável passa a constituir a probabilidade mesma da
antes denominada iluminação (ou redenção), como se lê no Soneto
das Sombras e dos Passos, num caminhar retrógrado nas sendas do
tempo.
Assinala-se, enfim,
embora sem se pretender ter indicado as várias vertentes da poesia
de Aramis, o dom do ritmo e a musicalidade, que são o trunfo dos
poetas que perseguem a forma clássica sem se perderem na métrica e
na rima artificiosas.
Salvador, 1 de julho de 1996
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