Luciana Araújo
Poeta colhe palavras num campo de
imagens que brotam na mente
Micheliny Verunschk é finalista do Portugal Telecom
Luciana Araújo
Da redação
A poeta Micheliny
Verunschk, 32, é a única mulher, a única estreante, a única
nordestina e a mais jovem entre os dez finalistas que concorrem ao
Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira. A lista foi
divulgada no último dia 10. O vencedores serão conhecidos no dia 9
de novembro, mas a indicação já revela a singularidade da escritora.
Nascida em Recife,
Micheliny tem raízes em Arcoverde, primeira cidade do sertão
pernambucano. Ali, onde a seca assola e falta água, cresceu a poeta,
em meio à fertilidade de manifestações culturais. Samba-de-coco,
coco raízes e reisado. Entretanto não é daí que brota sua poesia.
"Geografia Íntima do
Deserto" (Landy, 2003), que concorre ao prêmio, ao contrário do que
pode sugerir o título e a associação deste com a biografia da
autora, nada tem desse imaginário nordestino. É "poesia do
não-lugar". "Procuro não deixá-la datada", diz.
Contra os rótulos,
para ela, "poesia não tem gênero, local, etnia ou temática. O poeta
tem de fingir que não é ele sendo ele mesmo. Sou uma farsante", se
diverte com a idéia. "Não é porque sou mulher que minha poesia tem
de ser erótica ou cor-de-rosa."
Micheliny cria a
partir de imagens. "Tento transformar imagens em palavras. Travo uma
luta com as palavras. Elas fogem. Preciso laçá-las. Escolho ritmos e
metáforas para traduzi-las. O poema me acompanha por alguns dias de
gestação. É muito triste quando não consigo fazê-lo nascer."
Segundo ela, esse
processo nada tem a ver com inspiração, mas com elaboração. "Para
construir um edifício de palavras, a base precisa ser firme. Caso
contrário, o prédio fica torto e não é a Torre de Pisa", compara.
"O rei está nu e no
jornal", diz Micheliny, se referindo ao interesse que seu trabalho
vem despertando. "Temo ser a bola da vez. O que quero é fazer bons
poemas. Não quero me tornar uma escritora profissional. Enquanto
achar que há um poema bom, continuo a publicar. Se não, não
publico."
Micheliny se
considera tímida, mas vê como especial a possibilidade de ser
instrumento de destaque para a poesia. "Ela é o patinho feio da
literatura. Quando a poesia aparece, é importante aproveitar o
momento. Dar voz aos contemporâneos, revelar aqueles que ainda têm
uma estrada por fazer."
Nesse caminho, o objetivo de Micheliny é passar pelo crivo de sua
autocrítica. "Preciso muito escrever bem. Reescreveria o "Geografia
Íntima.." todinho. Meu exemplar está todo rabiscado."
Origens
Filha de um militar
e de uma professora de geografia, diz que isso não tem relação com o
título do livro. No entanto não nega a influência dos pais em sua
formação. "Desde muito cedo ganhava livros. Era colocada para dormir
ouvindo poemas", recorda. Hoje, ambos são seus leitores. "Eles são
críticos e deslumbrados pelo monstro que criaram", brinca.
Micheliny começou a
cursar faculdade de psicologia, no Recife, mas não se identificou.
Optou pela história, que cursou em Arcoverde, motivada por uma
leitura "um pouco torta", nas palavras dela. "Não queria fazer
letras, mas gostava de literatura. Escolhi história, porque toda
história é uma invenção, uma ficção a partir da visão de um herói",
avalia.
Em São Paulo desde
fevereiro, atualmente trabalha como revisora no Instituto Itaú
Cultural e acaba de iniciar mestrado em crítica literária na
Pontifícia Universidade Católica (PUC). Os alvos de sua investigação
acadêmica são os ensaios "Sobre a Cegueira" e "Sobre a Lucidez", do
escritor português José Saramago.
Entre os trabalhos
que vem desenvolvendo está um livro-calendário de contos, "Uma Lua
de Doidos". "A idéia é escrever um conto de louco para cada dia do
ano. O mês de fevereiro está pronto", comemora. Está também
"exercitando" um romance. "É a história de uma santa suicida", conta
e ri, como que intimidada por sua própria ousadia.
Há ainda um livro
para crianças, "Pé de Pimenta e Outros Poemas Peraltas", além da
continuação de uma trilogia, a qual teve como primeiro título seu
"Geografia Íntima do Deserto". O segundo deverá se chamar "A
Cartografia da Noite". Micheliny espera visualizar "aparição" que
transformará em poemas no terceiro livro da série.
Serviço JP:
Livro finalista no Portugal Telecom
(Geografia íntima do deserto, Landy 2003)
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