Manoel Lobato
Revelação poética de amigo meu
O poeta Álvaro Pacheco me revelou, no
Rio, em 20 de março de l996: "Este era o meu segredo, como uma
herança" - e ele nada mais revelou sobre isto. - "escapar é fugir.
Algumas vezes, ficar é também um esforço humano para continuar
fugindo." Ele conhecia bem o inferno e seus segredos Jamais sonhou
com a salvação enquanto esteve condenado. Tentou perceber todos os
seres humanos e dissecar a saga da humanidade. Percorreu todas as
florestas de sua infância, andou dentro das árvores, no coração das
flores, no mistério das abelhas. Aliás, sempre lhe fascinaram os
mistérios e as magias. Mas, veja bem, nunca preocupado ou imaginando
o que fosse a salvação, porque ele tinha consciência de que nenhum
ser humano merece salvar-se. Nenhum espírito pode ser salvo - a
mente humana não apreende a salvação. Nenhum destino foi preparado
para a salvação. Porque salvação, desde que é um conceito
sobrenatural, está além da carne e do espírito, os quais, de certa
forma, iguais a ela, também são ficções humanas. Conheci este homem
profundamente. E agora posso informar-lhes: ele sempre tentou.
Qualquer coisa poderia acontecer: não lhe interessava.
Conscientemente. O que viu o tempo todo foi exatamente o que ele
disse e no que sempre acreditou: nada. Desde que nasceu, por algum
inexplicável acidente ou milagre, como, aliás, todos os de sua
espécie, ele não compreende. Tudo o que existe são apenas palavras-
e nenhuma palavra faz sentido quando se trata da vida real. A
salvação não é um objetivo da vida, porque a vida, quando se inicia,
já está de todo perdida. E isto este homem sabia. Não o atormentava
salvar-se ou ser condenado . Mas a morte"
Conheço o homem Álvaro Pacheco. Eu o
vi pela primeira vez em terras capixabas. Era jovem, solteiro,
sério, introspectivo. Ele não me viu então. Este homem tem sido
triste e desenganado, como quase todos os poetas, cuja sensibilidade
os torna envoltos em vesânia. Revi o então editor no Rio, já casado,
menos ensimesmado. Eu o vi mais novo , mais tarde, em Belo
Horizonte. Estava menos triste, embora continuasse comovido com a
vida. Vestia terno branco, com essa alvura célica que seria o
símbolo de pureza e de despojamento do psiquismo. Era o vate
estigmatizado que aceitava o fadário com estoicismo. Sei que Álvaro
Pacheco é considerado excêntrico. Conhece o mundo todo, mas em suas
andanças não vê apenas as diferenças geográficas: ele sobretudo
observa a semelhança da condição humana, apesar dos paradoxos
consuetudinários. Ele aceita esse mistério. Há riqueza e
indigência., há os famigerados e há os que geram a fama. Ninguém
será salvo da morte. Sou amigo de Álvaro Pacheco porque o conheço
bem. E ele se revelou a mim por meio dos seus poemas. A poesia
permite o milagre.
In Jornal O TEMPO - Caderno Magazine, Belo
Horizonte, 28-02-98
Leia Álvaro Pacheco
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