Manoel Lobato
Amor
O professor Cristiano era médico, mas
não exercia a profissão. Sempre lecionou; gostava de dar aulas só
para as moças do curso de Letras. Dizia que ensinava a quem iria
ensinar.
Quando sua aluna Glória lhe falou que
queria bater um papo em particular, o professor ficou intrigado;
marcaram encontro num local discreto.
Estou sem jeito de começar, Glória
disse.
Cristiano, com modos de confessor,
mentiu: te considero como filha.
Então a moça se queixou do pai que,
após a viuvez, se tornou ciumento.
Sente falta da mulher, explicou o
professor.
– Sente nada. Não gostava da mamãe.
Implicância mesmo. Diz que a gente precisa de psiquiatra.
– Mexe com tóxicos?
– Papai não.
– Você?
– Não.
– Está grávida?
– Não.
O segundo não saiu meio
encabulado, porque, em toda sua vida, só namorou durante uma semana
apenas e descobriu que o namorado era casado; não quis mais saber de
homem.
O professor foi arrancando as
confissões da aluna, até que a fez chorar. Foi no choro que saiu o
nome de Graça, também aluna de Cristiano, mais que colega de Glória
estava na cara , mesma turma, mesma carteira de classe, mesmo corte
de cabelo, mesmas bijouterias, uniforme, tudo igual.
– Eu queria mostrar um segredo, falou
Glória, com cara de choro.
O professor havia notado, por mais de uma vez, que Glória retocava o
batom nos recreios e passava para Graça o batom aberto; o esmalte
das duas era idêntico. Cristiano continuou perguntando o motivo
dessas sutilezas.
Graça igualmente só tivera experiência
de namoro, em toda sua existência, durante somente uma semana; o
moço tentou levá-la a um motel, houve o rompimento. Era um
companheiro do teatro amador.
Cristiano perguntou a Glória se
ficaria nua no palco.
Glória respondeu depende, o
professor mais que depressa de quê?
Ela:
– Da arte. Numa cena coletiva, como em
Hair ou Calcutá, ou com um parceiro.
– E com uma parceira?
– Talvez. Tendo Graça como escada,
talvez.
– Escada é coadjuvante?
– É, contracenando. Teatro é coisa
séria.
– Você beijaria Graça na boca?
– Tenho coragem.
– Em público?
– Se precisar, eu beijo numa boa.
– Precisar, como?
– Numa peça, por exemplo. Mas não
tenho vontade nenhuma.
– Não?
– Nem vou sentir nada.
– Vocês duas se amam?
– É claro. Uma curte a outra, não há
mal nisso. Somos muito unidas, desde pequeninas. Afinal, nascemos
juntas.
– Sei. São gêmeas.
– Univitelinas. O senhor parece o
papai.
– Em que sentido?
– Desconfia da gente.
– Eu não. Você é que desconfia que eu
desconfio.
– Vou mostrar lhe o segredo.
– Que é?
– Um poema que fiz pra minha irmã.
– Me mostre.
– Ah, me esqueci de trazê lo.
– Não sabe de cor?
– A gente nunca decora o que escreve.
– Isso é verdade. Você fala em quê?
– Em rabo de cavalo, crina de potra,
anca para garupa, calipígia com fogo.
– Poesia serve para isso.
– Isso, o quê?
– Para esconder o amor, revelando o.
Como a roupa que esconde o corpo e revela a forma.
– Papai não conversaria assim comigo.
– Podemos continuar a conversa num
lugar mais reservado.
– Podemos, mas levo a Graça.
– Na minha idade, basta uma.
– Que o senhor está entendendo?
– Uma de cada vez.
– Fala sério?
– Brincadeira tem hora.
– Pois pra mim é tudo teatro.
– E teatro não é coisa séria?
– É.
–Então? Posso também representar
qualquer papel.
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