Marigê Quirino Marchini
A
poesia de Regina Rousseau
De Lorena, São Paulo, nos vem este
livro límpido, emotivo, belo, primeiro livro de poesia de Regina
Rousseau, formada em pedagogia. A autora parte da dor de perder um
amigo músico, o sempre lembrado Renato Russo, da “Legião Urbana”,
para dessa separação fazer uma das metáforas do seu livro, O Canto
do Rouxinol, com sentimento, riqueza interior, lembranças e
fascínio. Regina dedica seu livro à memória do “poeta maior Renato
Russo”, e seu livro abre com um poema de Renato dedicado à autora em
1996.
O livro também aure referências
poéticas e temáticas na história do escritor dinamarquês Hans
Cristian Andersen, “O Rouxinol”, um de seus contos mais famosos. A
pequena ave canora com seu canto mágico encanta e muda a vida do
palácio do imperador da China, a vida da cidade, e a do coração das
pessoas. No final, o rouxinol com seus trinados vence a própria
morte que se sentara no peito do Imperador, mandando-a para longe,
vencendo-a com as imagens maravilhosas que seu canto evoca. Toda
riqueza metafórica, poética, Regina Russeau transfere para seu
livro, numa recriação singular, levando para o cenário urbano de uma
metrópole de fim de milênio conturbado e violento as referências
universais de um conto ambientado na China antiga. E com
metalinguagem, talento e inspiração, a poesia de Regina Russeau é
com Canto do Rouxinol, metáfora da metáfora.
Também na Bíblia o livro finca
suas raízes, como uma árvore imagética para o pouso do pássaro.
Lembranças, lugares, palavras do Velho e Novo Testamento perpassam
suas páginas, enriquecendo-as.
É um mundo grande que abarca esse Canto. Desde o mundo sonhado pela
poeta em “Rosa de Saron”; “Temos asas/ Então, já não existem
fronteiras/ Existem todas as possibilidades/ de voarmos juntos a
tarde inteira// (...)/ A gente vê e aprende/ Que preciosa é a hora/
Que desabrocha uma rosa/ A única rosa, azul/ A rosa de Saron.” Mundo
compartilhado pela amizade: “Só em você encontro/ Um lugar seguro
meio à ventania.” Lugar desejado como salvação: “Encontrar o céu
aqui na terra/ É encontrar o rei fora do palácio/ É encontrar Deus/
Porque o céu é Deus”.
Abarca também aquele mundo que nos
oprime no dia a dia, o de contornos pérfidos, pela ignorância,
cupidez, maldade humana: e aí Regina recicla com sensibilidade
poética os fatos terríveis que os jornais nos apresentam no dia a
dia: “A morte sobe por nossas janelas/ Entra em nossas favelas ou
palacetes./ Por uma bala perdida de repente,/ Ou por um momento
inconseqüente. / Ceifa as crianças nas ruas/ E os jovens nas praças,
/ Sob a luz da lua// (...) “A noite não saia ao campo./ há leões
enfurecidos e assassinos./ E a arma dos bandidos/ Semeiam terror aos
quatro cantos. A poeta, no entanto, levanta bem alto sua esperança:
“Mas insista por favor./ A colheita ainda não terminou/ A estação
não passou, /Aliás, para nós, nem começou”. A simplicidade no
encadeamento das rimas tem um ar de inocência, de verdade juvenil.
Mas essa mesma simplicidade cava seus mistérios profundos com
indagações políticas, sociais, metafísicas. (Ver “Quase como Sodoma,
Semelhante à Gomara”; “Dia D”; “Lamentações”; entre outros poemas).
Entre “o turbilhão da vida e a paz de espírito” (uma das belas
poesias do livro), a poeta sabe que “a vida vai aos poucos perdendo/
a simplicidade e o conteúdo/ o mundo é uma somatória de erros/ Sem
conserto.” (...)// Mas, ainda ouço o canto do rouxinol.”
A melodia substitui as palavras. A
poesia, Mimesis, transmuta-se. Ela não é mais só signos. É
pentagrama, nota, música. É a lembrança de Renato Russo em O vôo do
rouxinol é o Canto do Rouxinol na alma do Imperador, em nossa alma.
E na metáfora mais forte: “Rouxinol da Galiléia,/ Que galvaniza
platéias. / Agora ficou o eco de sua voz/ Vibrando eternamente
dentro de nós./ Hoje seu canto de amor encanta até o imperador”, e
desdobra-se o rouxinol em signos de diferentes linguagens! “Slavik,
obecný, ööbik, nightingale, rossinyol, ruisenõr/ Usgnolo, rossignol,
rouxinol...”.
(Num livro tão promissor, um único
senão: deve haver uma revisão tipográfica numa 2ª edição, pois há
erros até em tempos e concordância de verbos).
O Canto do Rouxinol - Regina
Rouseau - Poesia - Editor Stiliano -
Lorena - 1998 - 157 páginas.
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