Réquiem de Natal
Por cima dos jazigos paira a sombra
dos que morreram ontem, não sabendo
e acreditam em Deus poder voltar.
Eles voltam nas relvas dos caminhos
e em tudo que ilumina nosso olhar.
Em água mansa e pura, no sol quente,
em tudo que nos faça relembrar:
quão transitória é a vida e inda mais bela
se a vemos sempre, um dom agradecido.
A vida a vida a vida transitória
e repleta de mil eternidades
entre o sono e a manhã nascem mil rosas
outras mil se desfolham antes da noite
as estrelas brilham seus olhares
simplérrimos de luz e de beleza
confundindo em mistério dez mil cálculos
perpassando nos céus velhas perguntas,
os cometas antigos com suas caudas.
Renascentistas telas dos presépios
onde se sentem olhos de um pintor
a desenhar em cor e luz e sombra
o rosto do menino divinal
e de sua mãe Maria, de José,
dos magos reis pastores, o arcabouço,
de um mundo que nascia em palha e estrume.
Sente-se ainda o rocio da manhã
daquele dia; e as ovelhas
se repetem em séculos e séculos
nos pequenos presépios das igrejas.
Apesar das ogivas nucleares
milhares de presépios nascerão
no dom de uns bons pintores e poetas.
Por secula seculorum. Omina est.
Eu também tinha um pai. E todo ano
o presépio nascia em suas mãos.
E era um cientista e sua ciência
era larga e profunda como a fé.
Se todos os sinais estão aqui,
os talhes na madeira, as pinturas,
as góticas colunas, as românicas
rosáceas, os vitrais, envelhecidos,
e onde estão os habitantes desses mundos?
Maior será a linguagem que o pensiero?
Parla! Maior a escultura que o escultor?
Que dedo, que cósmico gigante
varre dos planetas gerações
e as transmuda em pó e miserere?
E no entanto pairam suas memórias
e nos sustêm na humílima pergunta:
Vós onde estais? E passam os cometas
E em mil anos nascem os Messias.
Estamos prontos a recomeçar.