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Manoel Ricardo de Lima




Paciência e Silêncio em Manoel de Barros

O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil
09.05.1999



 

Em finais de 98, lá de Pontaporã, ponta sul mato grossense do Brasil, o poeta Douglas Diegues remeteu pelo país um livrinho chamado Silêncios. Este, é talvez a mais recente, curta e interessante entrevista de Manoel de Barros, o poeta do pantanal, de uma Cuiabá garimpeira. Provável porque perguntas feitas por um poeta também. Manoel responde: “o corpo é miséria e pega doença” e “poesia não presta para demonstrar nada. Ela só presta para dar néctar”.

Essas idéias de nada, de incompletude, de vazio, de uma condição humana obliterada pela alteridade, ou pelo outro mesmo, adoecida, são determinantes em uma poesia que se criou, se fia, sozinha. É difícil a situação simples da obra de Manoel de Barros dentro dos ditames impróprios da poesia brasileira. Mais difícil ainda a posição da crítica sobre sua obra, uma espécie de polaridade: os que juram de pés juntos que toda ela, a obra, é uma unanimidade de concretude coisal e ponto de referência para uma poesia que punge no primor da desconstrução de linguagem; e os que a condenam sob a acusação de repetitiva e sombreada por si mesma.

Do que escreveram sobre a poesia de Manoel fico com o que disse o crítico paranaense Miguel Sanches Neto quando do lançamento do ultimo livro, Retrato do Artista Quando Coisa: “O seu verbo deformante entrou na poesia brasileira, marcada pelo cerebralismo cabralino e vanguardeiro, como uma voz dissonante. Era a apoteose dos seres deformados, das idéias tronchas e das filosofias tortas. Foi por romper com a visão asséptica, formalmente equilibrada, que ele conquistou uma posição central na lírica brasileira. E esse seu papel histórico não pode ser ignorado. Só que tudo isso, que tinha uma grande significação em dado momento de nossa evolução cultural, acabou esvaziado de sentido. O poeta não percebeu que sua poesia, nos últimos dez anos, foi perdendo a cada livro a atualidade. O advento do erro, da deformação, que lhe deu notoriedade, acabou transformado num curinga poético, que lhe brinda com poemas, mas lhe nega a poesia.”

E se formos atentar, Miguel em certa parte tem uma razão fundamental sobre a poesia de Manoel: depois de seu livro de 1989, O Guardador de Águas, o senhorio do pantanal parece não ter percebido que toda sua poética é realmente uma variação sobre si mesma, uma tautologia de elementos e de estrutura de versos. Em o Guardador vamos encontrar o verso “Dizem que eles estão infantilizando as formigas. Pode ser.” Em seu livro de 1996, Livro Sobre Nada, está lá “Bernardo me ensinou: para infantilizar formigas é só pingar um pouquinho de água no coração delas. Achei fácil.” Depois a utilização de coisas como (que Miguel também vai atentar) “Uma rã me pedra”, “Um passarinho me árvore”, “Os jardins se borboletam”, “Folhas secas me outonam” são repetidas incessantemente por todos os livros nesses últimos dez anos. E cansam um pouco.

O que podem dizer é que só por estes exemplos não se deve condenar Manoel de Barros, claro que não. Mas melhor, entenda-se que isto não é uma condenação. É ponto para entendermos coisas que, penso, ainda não foram ditas sobre a poesia de Manoel. Primeiro que a idéia de toda ela parece-me que é a repetição mesmo. Como as variantes jazzísticas: uma base melódica e improvisações sobre esta base. Manoel tem uma base de elementos, tem uma outra de linguagem (que é Guimarães Rosa) e a partir delas vai improvisando. Segundo, o que parece cansar: a repetição no momento em que é extremada deixa de ser instintiva (como tanto prega Manoel de Barros) e passa a ser cerebral (como afirma Miguel Sanches) até mesmo nas personagens que permeiam os poemas (Bernardo, Mário-pega-sapo, Catre Velho etc). Estes estão espalhados por vários livros de Manoel.

Realmente não há mais muito a ler em Manoel de Barros para quem viu sua trajetória desde o primeiro livro de 1937, Poemas Concebidos sem Pecado, e o tem visto nos últimos livros. Isto se pensarmos em um conceito de atualidade para sua poética. Mas, o fato mesmo, preponderante, é que Manoel escolhe, há exatos dez anos, temas únicos para cada livro que publica: concerto e aves, a ignorãça (grafada assim mesmo), o nada, o artista como coisa. E são temas que apresentam paródias. O nada é antes de Flaubert, a coisa é antes de James Joyce, de Rosa. E creio que é exatamente nesta paródia, nesta escolha temática, que Manoel acerta. Sua repetição de linguagem, de mesmos elementos poéticos são apenas redistribuídos para enfrentar um tema novo, mas tema novo apenas para ele, poeta. A idéia é essa. Penso que Manoel escreve para si mesmo.

E infantilizar formigas, por exemplo, passa de um “pode ser” de um livro, para um “achei fácil” de outro posterior. Ou seja, os elementos vão se concretizando, vão ganhando novas variações sobre a mesma base melódica, frásica. Se isto é ruim para a poesia, não sei. Creio que serve para o entendimento de não precipitar a palavra sobre a página. Para ensinar paciência, silêncio. E isto a poesia de Manoel ensina como ninguém.
 



Manoel de Barros
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