Narlan Matos Teixeira
O fugitivo de Hollanda
Quanto lê-se Pedra Retorcida, de João
Wanderley de Moraes Filho, impossível levar o estribilho “o vapor de
Cachoeira não navega mais no mar” a sério... Porque o que navega não
é o vapor, mas Cachoeira. ‘ Parte de mim um trem com destino ao
sertão daquele rio.” O poeta é feito de dois continentes
incontinentes.
Por certo “se tivermos sorte haverá
tempo para o amanhece”, “já que a noite de agosto não é mais aquela
estreita e quita.” As palavras ricocheteiam sem mim entre as duas
serras.
Poeta nasce de si, só, na clave de sol
na clave de dó. De tudo ao redor. O poeta nasceu na Rua do Riacho
Pagão os as setas dos demônios azuis da noite, desde sedo,
transforma seu amanhecer numa tarde insurpotável da vida inteira.
“Vai o tempo batendo nas folhas arrancando o segredo das pipas”. Por
isso, só é poeta quem não sabe voar. Vai João do Riacho Pagão ser
pipa na vida.
“um silêncio ressoa cá dentro talvez
uma faísca infantil calasse o risco da margem esquerda dessa mão”. É
por dentro de si, pelos rios correm nas linhas das mãos que andam os
que sabem onde a poesia se esconde, se perde. João de Moraes Filho,
sabe disso como se tem que saber. Está cheio do que lhe preenche. O
que traz consigo pesa tanto quanto um cais que todos os barcos à sua
mão presos, prisioneiros, amarrados. Seus poemas são os barcos que
jamais partirão ou que partiram e não mais voltarão.
Seus poemas lhe chegaram na invasão de
1624, nas naus holandesas afundadas no Rio Paraguaçu. Ele veio nas
duas invasões, como canhoneiro. Em Cachoeira e no Recife. Depois
morreu de novo.
“Onde eu descansa um silêncio”. Isso
talvez porque a descendência de Hollanda remonta de sua família
paterna, provinda de Recife, já lhe tenha inquerido: ou o porto de
Cachoeira ou o porto de Roterdã. E agora João Van Der Ley? Batavo ou
batido? Flamengo ou flamingo? Ele responde: “exilado fujo em
barquinhos de papel jogados em dias de chuva no filete de uma
lágrima”. “Do alto da igreja de onde as torres são mais altas se
despenca um milagre” O milagre da poesia acontece.
Assim sendo, Pedra Retorcida vem de
outros rios, de outros portos, de outras arrebentações distantes, de
outras docas, mais profundas que essas que lemos à tona das
palavras.
É nessa terra do sem fim que nascem os
que renovam a poesia brasileira, que ressoam os brados retumbantes
de que se fazem os verdadeiros bardos.
Eu te batizo João do Riacho Pagão, em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo! Mas a água benta jamais
te livrará do pecado original.
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João de Moraes Filho
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