Nazarethe Fonseca
Os mortos não choram...
Sua beleza? A beleza de um homem, não
a de um mito, ou herói, que além de corajoso deve ser belo. Mas a
beleza, a dama, que a todos atrai estava ali em seu rosto e corpo,
até em sua alma leviana. Atraindo a todas que pudesse levar para o
leito. A virilidade estava agora adormecida debaixo do lençol, mas
bastava tocar-lhe a face para ela despertar e exigir satisfação.
Poderia viver sem
desejá-lo?__Não.__Será que conseguiria deitar-se sem ter sua
presença na cama, entre os lençóis? Dar-me a outro?__Não.__E também
não conseguiria viver com a certeza de dividi-lo com outras. Mas
talvez ele fosse fiel? E por que não? Muitos conseguem... Mas ele
não conseguiria.
Entregar-lhe a alma, o corpo puro como
presente maior não bastaria, tinha de ter outras! O gozo oferecido
com amor não lhe bastaria, seu sacrifício de sangue, carne e desejo
nada valeriam, era um caçador. Logo outra presa surgiria para que a
espreitasse e devorasse. Como ela mesma o foi. Como um grande tigre
que espreita o cervo, ele a caçou. Vigiava seus passos, seus
movimentos pela cidade. Descobria-lhe o gosto, e tentava chamar sua
atenção. E quando conseguiu a prendeu pelo pescoço. Ele estava
agarrado a ela, dentro de sua mente e olhos enchendo-a de desejo e
fogo. Tentando-a como um demônio... Diante dele, ficava indefesa,
alheia a verdade tão obvia, era somente um desafio, uma tentação
para um tigre.
Ouvia conselhos e historias
fantásticas sobre o numero de mulheres, que já haviam sido por eles
conquistadas. Uma grande lista e nela até mesmo senhoras casadas. O
que importava uma aliança para o desejo? Nada! Pois as tirava de
suas donas com os dentes para depois as amá-las com luxuria. Ele
guardava a aliança na gaveta, tirava da vista daqueles que traem com
o coração pesado. E pela manhã era tudo que ele podia devolver a
elas, pois a moral já havia lhes roubado.
Corações pelos muros com iniciais
diziam o quanto ele era desejado e temido. Cicatrizes? Algum afinal
um tigre precisa defender sua pele e território. Um lábio cortado,
que todas queriam beijar para sara, um olho roxo que todas tinha um
bife para colocar.
Belas, vividas, liberadas,
prostitutas, ele tinha a todas... Falava-se até mesmo em uma
professora... A mulher do prefeito!
Mas porque ela? Uma boneca de pano, de
cabelo de lã, com laços de fita? Havia bonecas de louça e de olhos
de vidro, bonecas com bocas mais vermelhas. Entretanto, até mesmo
uma boneca de pano tem seus sonhos, e foi o que ela fez, sonhou
alto. Seus encantos o manteriam ao seu lado, o que aconteceria
quando a luz do dia ele pudesse ver seus poucos e pobre encantos?!
Afinal, era só uma boneca de pano sem graça, com lábios bordados,
olhos de botão. Desejou ardentemente diante do espelho saber mais.
Desejou ter mais aqui e ali! Espelho de aço, espelho frio e sem alma
que revela verdades cruéis!
Olhou o quarto e ficou imaginando
quantas mulheres não haveriam despertado ali! A cama... Falaria se
pudesse, mas como mulher, ela lhe seria fiel, guardando todos os
seus segredos, todos os pecados, toda a luxuria naquela cama
concebida. E nua andando pelo quarto como uma pintura de... Alva e
lânguida, ela experimentou de liberdade. Sentiu-se fêmea e poderosa
como qualquer outra que por ali passou, mas seu devaneio virou fúria
ao perceber que somente seria mais uma.
Sentiu vergonha de sua nudez, do corpo
ainda desabrochando e cobriu-se com o lençol como um fantasma e
chorou lágrimas amargas, contidas no soluço magoado. Aproximou-se do
leito, não se cansava de fitá-lo, de perceber a cada novo minuto um
traço diferente, uma nova beleza. Não conseguia seduzi-lo além da
manhã que chegava suave...
Tocou-lhe o rosto, a respiração
alterou-se. Ele a tomou puxando-a para o leito quente. Deitada ao
seu lado, sentiu seu braço envolvê-la na cama. Músculos e pelos
deslizando pela alvura de seu corpo, como uma serpente que a
envolvia pronta a fechar-se sobre ela num abraço mortal. O medo pode
ser uma sensação maravilhosa se misturado ao desejo. Ela não dormia,
mesmo ali aconchegada a ele, não conseguia, tinha a mente tomada por
fantasmas que a rodeavam murmurando conspirações e mentiras. O
olhava bem de perto tentando imaginar com quem sonhava. O que o
fazia ter aquela doce expressão na face? Tocou-lhe o peito e ouviu o
coração aos pulos. Furiosa, enciumada, tentou fugir do abraço, da
cama, mas foi detida por suas mãos. Presa como um pássaro nas mãos
de um menino, viu-se aniquilada por seus beijos e carícias. Ele
dormia, e no delírio da paixão a amou num devaneio louco. Silenciou
seus protestos e queixas, fazendo valer o desejo do dominador. Livre
da consciência que delega tantos moralismo e conceitos, ele
mostrou-se um grande amante e até a satisfez bem mais que a primeira
vez. Meio que despertou no gozo e disse um nome...
A manhã veio, o sol também e ele ainda
dormia.
Um som estranho repetia-se dentro do
quarto iluminado pelo primeiro e puro raio de sol. Ele banhava o
vestido simples de Bianca, que fora esquecido no chão diante de sua
entrega, seus sapatos miúdos.
No leito a mão de Marcos buscava o
corpo da mulher amada, não o corpo de uma qualquer. Buscava suas
formas inocentes, que ele fora o primeiro e seria o único de agora
em diante a tocar. De olhos fechados podia sentir seu cheiro doce
pelos lençóis, no seu corpo. Debaixo do travesseiro a aliança de
casamento a esperava. Estava cansado de aventuras, tudo que queria
era a paz que Bianca lhe oferecia, seu sorriso puro, o amor que lhe
ofereceu sem esperanças. O leito estava vazio, mas a visão de Marcos
estava cheia com Bianca. Abriu os olhos e disse seu nome...
Ali! A sua frente o corpo da jovem nu,
balançava na ponta do lençol.
Olhos fechados, boca cerrada, de quem se entrega à morte sem luta,
os lábios uma violeta aveludada. No espelho a mensagem suicida
escrita com o batom, que não lhe pertencia. Um objeto caro,
esquecido por uma das aventuras de seu grande amor. Na mensagem a
agonia, o desespero, o ciúme, o medo de quem teme perder o homem
amado para a tentação.
"Assim sempre serei a única, pois os
mortos não choram a dor da traição”.
Bianca
Um vampiro desperta em São
Luís, num casarão abandonado, e apaixona-se pela restauradora do
imóvel. A partir daí a história se desenvolve num vaivém amoroso.
Intrigas, falsidade, poder, vingança; tudo em nome do amor. Os
personagens centrais são fortes, decididos, seja para o bem ou para
o mal, dando o toque de suspense e de reviravolta nas tramas. A
autora narra os encontros e desencontros de Jan Kmam e Kara Ramos
através dos séculos. As surpresas e as ironias da vida. O amor e o
ódio caminhando juntos. A tentativa de Kara de fugir de um destino
já traçado.
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