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Nicodemos Sena


 

Fortuna crítica: Benedicto Monteiro*


O romance da civilização fluvial


 

Depois que saí da prisão, em 1964, pretendia escrever um grande romance sobre a Amazônia e sobre o povo amazônida. Mas percebi que o tema era vasto e, o livro, teria talvez de conter mais de mil páginas. Optei então pelo hipertexto e acabei escrevendo a Tetralogia Amazônica, composta dos romances "Verde Vagomundo", "O Minossauro", "A Terceira Margem", "Aquele Um" e, mais, o "Carro dos Milagres" (contos). Hoje, relendo o excelente romance "A Espera do Nunca Mais", do paraense nascido em Santarém, Nicodemos Sena, compreendo por que ele teve de escrever mais de 800 páginas num só livro.

De fato, em sua excelente ficção, Nicodemos não poderia refletir a simbiose entre a realidade amazônica e o imaginário do nosso povo, conforme conseguiu, magistralmente, senão nesse extraordinário romance com 874 páginas, publicado recentemente (Editora Cejup, 1999, Belém).

Não sou "crítico", nem gosto de dar opinião sobre obras literárias de colegas escritores. Mas me vejo no dever de dizer que, além de um grande romance, Nicodemos Sena escreveu páginas que merecem ser consideradas clássicas na literatura amazônica. A comovente morte do búfalo rosilho, narrada na segunda parte do livro (págs. 448 a 466), merece estar entre as melhores páginas que já se escreveram sobre a vida do nosso povo.

Assim como disseram, quando o meu livro "Verde Vagomundo" apareceu, digo agora a respeito desse extraordinário romance de Nicodemos Sena: – Quando os historiadores, os antropólogos e os sociólogos quiserem resgatar aspectos originais e fundamentais da cultura amazônica, terão que buscar nas páginas do romance "A Espera do Nunca Mais".

Quanto ao "A Noite é dos Pássaros", segundo romance de Nicodemos Sena, cujos originais tive a oportunidade de ler, tenho a dizer o seguinte:

Infelizmente, os esforços dos missionários jesuítas, na época dos descobrimentos, para estruturar uma Língua Geral para o Brasil, incorporando à língua portuguesa o "nheengatu" (língua boa, em tupi), foram proibidos pelo Marquês de Pombal e não tiveram solução de continuidade pelos intelectuais brasileiros. Os nossos poetas e escritores, que promoveram o movimento literário indianista, como forma de ser fiel às nossas origens, limitaram-se a nomear os personagens indígenas de suas poesias ou de seus romances. Ou então, caricaturar esse sentimento nacionalista, como fez Lima Barreto.

Em "A Noite é dos Pássaros", Nicodemos Sena incorpora, ficcionalmente, o que resta do linguajar indígena, na nossa literatura regional. Creio que esse autor paraense encontrou a forma ficcional adequada para expressar a riquíssima contribuição da língua tupi e do imaginário amazônico, no que se pretende ser uma língua brasileira.

Dalcídio Jurandir, Guimarães Rosa, França Jr. e eu, modestamente, demos a nossa contribuição, para formar na nossa literatura essa espécie de ilusão da oralidade. Agora, Nicodemos Sena, com esse seu novo romance, vem como que atestar essa incorporação do falar brasileiro, na nossa literatura regional e nacional. Até mesmo as formas lúdicas da narração e dos personagens constituem verdadeiras expressões poéticas do contexto lendário de nossa civilização fluvial.

Como nós, os escritores, só temos como instrumentos as palavras e os sonhos, que fazem o ser humano ser diferente do animal, é de saudar, com muita alegria, a publicação deste romance, que vem incorporar à literatura, de forma onírica, os fundamentos culturais da nossa civilização amazônica.

(O Estado do Tapajós, 05/03/2002, Pará)
 


 

*Benedicto Monteiro é romancista, poeta e contista paraense; autor, entre outros, de "Verde Vagomundo" (romance) e "Carro dos Milagres" (contos)