Nilto Maciel
Um homem bom
Imaginei
algumas mortes para o gato que vivia conosco. Não, não desejei
nenhuma delas. Aliás, nunca matei animais. Não passei por nenhuma
fase de sadismo. Pelo contrário, sempre fui um menino bonzinho.
Nem sei
explicar o porquê daqueles pensamentos macabros. Provavelmente meu
apego ao animal me fez temer sua morte. Ora, quem nunca pensou na
morte da mãe, do pai, de um filho?
A primeira
morte de Breno se dava a pedrada. Um vagabundo passava pela calçada.
Por esta ou aquela razão, o gato, que dormia junto ao muro, se
espantava. Irritado (crianças e mulheres sempre evitavam passar
perto dele), o mendigo atirava a primeira pedra. Atingido na cabeça,
o animal morria.
A segunda morte
parecia mais trágica. Batiam à porta da casa. Queriam falar comigo,
sem demora. Eu corria e abria a porta. Um homem me agarrava,
enquanto outro entrava. Num segundo imaginava incontáveis
significações para aquilo: assalto, vingança, loucura... E ouvia um
miado medonho, feito um grito de dor. Tentando desvencilhar-me do
bruto, via a cabeça de Breno pendurada por uma das mãos assassinas.
E um facão ensanguentado na outra.
– Ele andava
comendo meus pombos – rosnava o mandante do crime.
A terceira
morte de Dreno me deixava perplexo, e não furioso, indignado, como
das outras vezes. Alguns vagabundos conversavam lorotas, diante de
nossa casa. O gato dormia no peitoril da janela. E eu, na sala,
fazia de conta que não via nada. Um dos vadios fazia a pergunta
maligna: quem tinha coragem de enforcar o bichano. Uns pediam
dinheiro, outros cachaça. Eu passeava pela sala os olhos atentos.
Súbito o próprio autor da idéia de morte agarrava o pobre Breno pelo
pescoço. Fazia força, o gato esperneava, miava, contorcia-se. E a
vida lhe sumia.
Aparvalhado, eu permanecia mudo, a olhar para o morto e seu matador.
E por que não reagira, não socorrera o gatinho?
A quarta morte
de Breno não acontecia. Chegava-me a notícia de um suicídio. Eu me
inquietava, queria saber o nome do morto. Pronunciavam o nome do
gato, ou eu apenas supunha ouvi-lo. Porém não desesperava, nem saía
do lugar. Perguntava como se dera a morte e quais os motivos dela.
Falavam de tiro, queda, fogo. E eu imaginava essas mortes. Tiro no
coração! Mas com que mão, se a minúscula pata de Breno mal conseguia
empunhar um pequeno osso?
Na rua,
lamentavam o fim de mais um vagabundo. Então não fora Breno?
– Você está
ficando louco?
Breno morreu.
Porém sua verdadeira morte nunca imaginei. Sou um homem bom.
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