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Nilto Maciel

 

Da agradabilidade

 

A última noite de Helena
Nilto Maciel
Editora Komedi, 2003


 

Fui conferir: o Aurélio me disse que o nome não existe: agradabilidade. Mas é essa a sensação que tenho ao ler Nilto Maciel. E isto já me detona uma pergunta: lê-se para quê? Alguns buscam roteiros, digamos, formulações de estudos, teorias, salvações e ajudas de todo o naipe. Outros buscam simplesmente o prazer. O prazer de ler.

No campo da Literatura propriamente dita — romance, poesia e conto, para citar apenas os principais — atravessamos uma crise de muito baixo astral. Os poetas estão tristes. Os romances, sórdidos. Os títulos de livros — hoje passava no balcão de uma livraria e lá estava “Escândalo!” em letras soturnas, hediondas, lúgubres e mortais. O cinema especializa-se mais e mais na estética da violência. Não gosto. Mudo de canal ao primeiro tiro, ao primeiro safanão. Prefiro os canais do “mundo animal” onde os bichos se matam, é certo, mas violência nenhuma porque aquele matar/ morrer faz parte das senhas do viver, sobre.

Voltemos aos romances. Lê-los há de ser, na minha conta, uma respiração de auroras. Não tenho nenhum motivos de retornar ao Brás, que se orgulha, no fim de uma jornada fútil, de não ter deixado descendência de seu sangue tristonho. Nem de me achegar sos tiroteios do PCC, Carandirus, Rocinhas, delegados versus traficantes. Estou cansado desse padrão de estética ao hediondo. Leio à agradabilidade. Se não for assim, não leio.

E, nesse mister, agradabilidade, Nilto Maciel me satisfaz como poucos. A Guerra da Donzela, acho que foi o primeiro que li dele. Estaca Zero, logo depois. Históricas magníficas, de bom entretenimento. Sertão. Serra e pé-de-serra, justamente o trecho de Nilto, sopé-Batuirité, ascendendo às Guaramirangas-Pico Alto, região que muito freqüentei em Psi, a penúltima, mas isto é outra história.

Agora Nilto nos traz A última noite de Helena, um crime (e seus mistérios) de cidade pequena. Ceará evidente, uma certa Palma. Bom, com esse nome, Palma, tivemos a cidade do Coreaú, em seu nome anterior, mas pelos cenários, nada a ver. E uma história gostosa de ler. Um livro para o “debaixo da rede”, no meu caso; cabeceira de cama para os demais. A gente vai ali, dá uma voltinha, abre-se-o em qualquer capítulo e a agradabilidade tem-na garantida.

“Em Palma nunca matavam mulher” — eis a primeira senha de nossa “cavaleria” do sertão. Um relato macho, uma vila muito “macha”, onde até mesmo as mulheres, sobretudo elas mesmas, mulheres, fazem o ponto e o contraponto dos “valores sagrados”: o senhor vigário, o senhor coronel, o delegado e o doutor juiz, nessa ordem mesmo. Ah, outro livro de Nilto também no mesmo tom, agradabilíssimo, A rosa Gótica, com uma “viagem” um pouco mais erudita.

Pois bem, Nilto prossegue o livro em auroras: “Como ela era bonita!”. E mantém o mesmo tom todo o tempo, até mesmo nos momentos naturalmente graves: “Filipe chamava à realidade o chefe: Tenente, a moça já morreu”. Em suma, o justo valor aos mitos, àqueles valores lusos, bons ou maus, e isto é outro assunto, de lá de nossas heranças, matos e caatingas, sem esquecer, em nenhum instante, a estética do Belo. A beleza de narrar, o agrado de ler e reler.
 



Soares Feitosa, 2003
Soares Feitosa é o editor do Jornal de Poesia

 

 

Michelangelo, 1475-1564, David, detalhe

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Renato Suttana