Nilto Maciel
Jornal de domingo
Escondido atrás
do jornal, o professor Luiz Vaz passava o domingo. E catava pedras
preciosas, por puro deleite. Ou para exibi-las a seus alunos.
Fora-se o tempo
de Virgílio, Camões, Bilac. Agora só queria os novos poetas. Nada de
vertitur interea coelum*.
Olhos enfiados
no chão da folha, Vaz sonhava. Nunca o chamariam velho. Antes, o
eterno jovem. O mestre da língua viva. Polêmico, moderno,
brasileiríssimo.
Súbita emoção.
Arregalou os olhos. Um poema de Noto de Sissa! Leu o título. Uma
beleza! O primeiro verso. Um primor!
Com
sofreguidão, percorreu todo o poema. Voltou ao título, ao primeiro
verso. Releu tudo, cheio de entusiasmo.
***
Na sala de
aula, Luiz Vaz freou sua emoção. E amarrou a rubra língua no céu da
boca. Queria um comentário escrito de cada aluno ao poema que
copiava no quadro-de-giz.
***
Riu na cara dos
alunos. Não aprendiam nada. Pareciam idiotas. Especialmente a
"crítica" feita por Oton.
– Uma
barbaridade!
E se pôs a
falar os versos de Noto de Sissa. Pequena obra-prima da poesia
épica.
A maioria dos
jovens abriu a boca e queda ficou. Um, porém, não concordou com a
análise do mestre. E defendeu com língua e dentes sua opinião.
Irritado com a
presunção de Oton, o professor tratou de humilhá-lo. Não passava de
um aluno, um fedelho. Longe ainda se achava de atingir os primeiros
degraus do saber. Enquanto ele, Luiz Vaz, já alcançara o ápice da
cultura literária. Ora, exercia a crítica e a cátedra há trinta
anos. Escrevia para revistas estrangeiras. Correspondia-se com
pessoas do tamanho de Barthes, Foucault, Jakobson.
Oton de Assis
nada mais falou. Na verdade, não podia se comparar àquele homem.
E continuou
anônimo entre os colegas. Seu lirismo, porém, ainda germinaria
páginas tão belas como as publicadas no jornal daquele domingo.
* Entretanto o
céu gira. Virgílio, Eneida, Livro II; 250.
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