CADERNO
4
MEUS OLHOS TRANSEÚNTES
“Pour l’enfant,
amoureux des cartes et d’estampes,
L’univers est égal
à son vaste appétit.
Ah! Que le monde
est grand à la clarté des lampes!
Aux yeux du
souvenir que le monde est petit!
C. Baudelaire
Súbito espero e alcanço ver-te,
Leito de Iemanjá adormecido.
Do céu te invejo e vejo,
Água alegre, caldo de cana verde.
Indiferente e belo continuas
Refletindo a luz e balançando,
No teu bojo, líquidas riquezas
De ouro, prata e corpos de poetas.
Terra amada, ilusão é possuir-te.
Mal o tempo de ver-te,
Prenhe de verde, sal e solo
E flores, frutos, aromas e ritmos,
E já nos abandona sem deixar-nos.
Cascas de palavras, poeira de sons,
Recados do passado ajudam a renovar
Este amor primeiro e último.
A voz de Baudelaire, o grito de Rimbaud
Unem-se às cores de Van Gogh
E às poderosas harmonias de Beethoven
Na tentativa sempre retomada
De marcar de eternidade
Essa visita que a dor encerra.
Os flocos vermelhos da árvore
Destacam-se na enseada macia
Onde os barcos negros permanecem
Frente a ela, imponente personagem
Da paisagem que existe sem saber-se.
E meus olhos transeuntes e atentos
Reinventam as tintas de Gauguin.
Num vôo sobre a rocha doce
Abraço primeiro e fundamental,
Deu-se o encontro definitivo.
A bruma da tarde acolheu-me
Na terra estranha e barulhenta.
Um dia, amigos e endereços
Foram deixados para trás
Na madrugada enevoada e fria
Após anos de incorporações de afetos.
Com o pensamento te vejo e te estreito,
Mas quem me dera o dom
De, em aqui ficando,
Passear-te quando bem quisesse.
Londres, não te sonhei como te vi.
Eras cinzenta, fria e barulhenta
Embora acolhedora nos teus tépidos cafés.
Não tomei chá com doces no pub
Nem andei no segundo andar
Do teu ônibus azul
Tampouco fiz compras no mercado
Fervilhante de londrinos.
Londres, não te vi como sonhada
Era domingo e estavas fechada.
Sorrento para mim é uma noite
Bela como um acalanto
Num jardim sobre o Tirreno
Onde fogos de artifício
Disputam com as estrelas
Nossos olhos encantados.
Nela fui rica por uma noite
Por entre gente bem vestida
Que circulava no hall
E tive o vento salgado
Naquela varanda do hotel.
Sorrento distante é um filme.
Turistas colorem tuas ruas
Unindo-se ao sol de tempo marcado.
Mais tarde a neve te cobrirá de novo
E meus olhos te verão ainda
Guardada que ficaste
Na estação das flores.
Sei tua língua, teus costumes
E até teus tiques nervosos,
Mas te vejo tão pouco...
Notre-Dame de Paris sai das gravuras
E, súbito, ergue-se frente a mim
Pesada de passos e de tempo.
Teus muros escorrem música
Que penetra na penumbra
Nossos nervos deslumbrados.
Na praça, o enorme rádio americano
Da garota de New Orleans
Destila o sinuoso blues
Para acompanhar a tristeza
Da saudade antecipada.
Parto amanhã e já te sinto ausente.
Canadá, vejo-te longe como um sonho
Vaga superfície nos mapas de minha infância.
Aos poucos sais da penumbra
Concretizando-te numa data de chegada.
Não consigo ver-me ainda correndo-te as ruas
Mas penso num momento bem preciso
Em que verei teus olmos, teus pinheiros altos
E as ruelas tranqüilas de arrabaldes.
Nova Iorque é mais quente nos meus sonhos,
Personagem de mil filmes
Atravessada por sirenes de polícia,
Habitada por todos os meus astros,
Íntima das salas de cinema.
Visitar-te é um rever-te
Tranqüilo, embora estranho.
O vôo simétrico do avião
Sobre o espaço uniforme e ocre
Do deserto africano
Que se continua e vai
Sempre igual,
Parênteses de areia vermelha
Na mata imaginada,
Me dá a dimensão da aventura,
Excitando meus sonhos de oásis
E de belas donzelas capturadas
Por ferozes tuaregues.
No cenário vazio
Coloco satisfeita
Minhas caravanas de árabes
E passo.
As bandeiras agitadas frente ao mar
Aceitam o vento em suas barras coloridas
E acenam à terra o desejo de partir.
Verde escuro, o mar balança as ondas
Deslocando barcos desgarrados
Enquanto a espuma bate contra as pedras
E volta para o seu leito salgado.
Estendo a vista para o verde mais distante
E assim espero a hora de partir.
Aqui sentada, olhando o horizonte,
Visita-me o vento, figura desenhada
Na fazenda das bandeiras e no rolar das vagas.
CADERNO
5
Cadê minha Rua?
Le temps a fui...
Mars est fini
Tu n’es plus jeune, mais vieux
Tant pis, dit-il, et tant mieux
Paul Claudel
Hoje fiz cinco anos
E era noite de São João
Balão-Bolo
Cadê minha rua?
Da roseira ao vaso
A rosa mudou de nome
Da roseira ao jarro
A rosa trocou de nome
Na igrejinha de Roma
Era a freirinha rosada
No jardim de minha casa
Era um rosto de homem
A rosa mudou de quadro
O gesto permaneceu
No tempo de minha infância
Tínhamos luzes acesas
Cantos largos, brigas longas
Muito choro, pouco sizo
Muito riso, falarites.
No tempo de minha infância
Tínhamos luzes azedas.
No tempo de minha infância
Eu dormia de medo
(nos braços de Domitília)
e a noite era minha amiga.
Minha infância é a noite que entra
Pela janela aberta
E o perfume do manacá no colo da
minha tia
Minha infância é a sombra do outro
lado da rua
E os negros que dormem
A sesta das duas horas
No torpor da tarde.
Ela está no canto do galo
No ranger do bonde
Nas vozes dos seis irmãos...
Minha infância é a voz de Paulo Gracindo
E o gibi que brilhava.
A hora traz consigo sempre
O desfilar dos operários.
Passos reiterados, os trabalhadores voltam
A face indiferente.
A menina espia e o seu tempo
É o tempo solto das brincadeiras.
Ela vestiu um vestido limpo
E agora olha o cortejo anônimo
Esperando a noite cair.
O jantar posto à mesa, balançará os pés
Rirá com os irmãos e,
Ignorando a zanga do pai, cantará.
Mais tarde as rádio-novelas
Modularão com suas vozes quentes
O sono infantil.
Sentada em meus aposentos
Não vi a banda passar
Todos chegaram à janela
Eu fiquei só a sonhar.
A marcha lembrou casamentos
Noivas, grinaldas, guirlandas
Generais de vinte estrelas
A derramar-se em palavras
Assaltos a catedrais.
Meus soldadinhos de chumbo
Vieram me consolar.
De longe me estende a rosa...
De nome Chagas
Chagas nos quartos
Flores de carne
Vermelhas.
Mais longe, em seu colo quente,
Ouvia estórias de mais longe ainda
Quando, vaidosa, de anquinhas,
Beliscava o rosto para trazer-lhe
A rosa que hoje, misturada à outra,
Viaja comigo.
Eu te quero numa gula constante.
Mal me afasto e já te revejo.
Tens o cheiro de coisa proibida
Por seres dispendiosa e feiticeira.
Quando estou triste
Me dá uma vontade danada
De sentar-me no “Café de la Paix”
Para observar o gênero humano
Numa reprise adulta
Dos tempos em que titia me penteava
E me deixava no portão
Para fazer o mesmo.
Cinco horas da tarde. Sábado.
Orgia de merendas no batente do portão.
Eu não conhecia o mar visto do bonde.
Ria nos corrupios e ria dos bêbados
Sob a sombra do pai zombeteiro.
A paz lilás descia com a tarde
E meu cansaço descoloria a rua
No colo do pai arruaceiro.
Não saí no bloco do Trança-Fitas
Onde as meninas são mais bonitas
Mas como me deslumbrei!
Na ponta de cada fita
Cada uma de uma cor
Cada menina girava
E as tiras se laçavam
Sem nunca se darem nó.
A flor andava rodando
Sumia no fim da rua
Pra onde ia não sei
Como o passeio dos astros
Vogando sem se bater.
Um tabuleiro de cocadas
Uma esquina enorme
Os casarões são brancos e
Eu estou neste cenário
Imensamente feliz
Há alguém comigo
Que não sei.
É uma cena antiga e
Nova porque presente
Pela intensidade do prazer.
A cocada é branca
A sombra é morena
Calmo mormaço
Eu pequena
Eu de tranças
Eu no “Samadhi”
VENTANIA
Quando em sonhos apagados,
Iluminados de olhar,
Registramos queixas velhas
Semelhando estrelas soltas,
É o vento que se volta
Envolto no seu vagar.
Tempo de ir e devir
Volteios de valsas no ar.
Nado nareia do tempo
Sereia sem salvamar.
Vejo agora as manhãs que tive
Mas meus olhos, de hoje,
Não retiveram a luz
Transversa do jardim da minha casa
Onde a sombra da “primavera paulista”
Era a casa da vizinha invisível...
Retive as conversas com a amiga de sonho,
Das bonecas, todas quebradas ou perdidas,
Guardo alguns nomes – Sofia, Marta, Margarida.
Sofia, nome de quase todas,
Eu ligava a sofrimento, embora sempre fossem
Felizes, de olhar azul, braços roliços.
Eram longas as manhãs de minha infância,
Eu bebia a brisa fresca sob o sol
E olhava as formigas trabalharem
Ritualmente à mesma hora
Em espetáculo de magia combinada.
Vejo agora as manhãs que tive
Mas o ouro transparente do sol
Meus olhos não retiveram
E se perdeu na lágrima de algum dia.
4 horas da tarde,
Robe limpo e cheiroso,
Tomada banho,
Sentavam-me à porta
Na cadeira de palhinha
Para ver o povo passar.
Era costume diário.
O bonde rangia nos trilhos
Do outro lado da rua
E lá ia ele blém, blém,
A molecada pongando alegremente
E eu olhando, boneca no colo,
Muito sossegada e divertida.
As operárias passavam
Com seus vestidos de chita e percal.
Os homens traziam no rosto a vontade de chegar
Na minha memória, nem alegres
Nem tristes, cansados talvez.
O mar embandeirado
Levava os barquinhos de papel
E eu os tinha a todos
Brancos, vermelhos ou azuis.
De lacinhos verdes
Na ponta dos pés
Eu buscava enxergar
Um gondoleiro negro
Chamado Ricardo
Que me chamava de “cumadinha”.
Ricardo é nome de rei
E hoje eu o imagino,
Com muito orgulho,
Marujo de uma galeota azul.
Três anos, instante circular
Onde volteiam coloridos
Meus sorrisos alados,
Meus rostos.
Fatia nimbada de tempo
Te levo comigo, te
levo,
Redoma redonda, fixa,
Douradamente presa
No espaço de minhas pálpebras quebradas.
Barco negro abandonado
Num céu cinza de tormento
Solidão, seco lamento
Madrugadas de cimento.
A pedra que prende o barco
Prende minh’alma no espaço
Segura meu peito amarrado.
Pêndulo doce, a corrente
Que prende o barco no porto.
Barco negro, verde barco
Balança nas ondas do mar.
Meu peito secou
Como uma folha dourada
De outono.
Quero os cachos dourados
Da minha neta
Quero os meus cachos dourados
No colo de minha tia
Quero minha tia nova
Quero a neta que não tenho
No Bom Gosto da Calçada
A noite das fogueiras de junho
Começa mais cedo.
Meus irmãos mercadejam fogos
Em rifas improvisadas
(caixas de madeira enfeitadas
com papel de seda colorido).
Eu tenho medo das cobrinhas-elétricas
E olhos que ardem
Acendo por minha vez
Cem estrelinhas douradas
Enquanto estrelas azuis
Ofuscam os balões acesos.
Na casa de Dona Zilda
O Santo Antônio é animado
Tem arrasta-pé e licores
(Mas lá eu não posso ir)
Aqui sou rainha da noite
Posto que as estrelas do céu
Cabem na minha mão.
NOTÍCIA BIOGRÁFICA
1938. Nasce a autora, Olinda, na cidade da Bahia, em um
lar pequeno burguês da era getuliana. Infância e mocidade viveu-as na mesma
casa (Bom Gosto da Calçada), ao lado de cinco irmãos, além dos pais e de uma
tia-avó que lhe foi muito chegada.
Naturalmente, essa moradia de vinte anos definirá o
núcleo de sua geografia lírica e seus personagens transitam por diversos
poemas, a exemplo de: “Os Ritos da Noite”, “Infância”, “Bom Gosto da Calçada”,
“Domitília”, “Cortejo”, “Redondilhas”, e este “Sol de Infância”, que diz:
...................................................
“Vejo agora as manhãs que tive,
mas o ouro transparente do Sol
Meus olhos não retiveram
E se perdeu na lágrima de algum dia”.
1951. Ainda ginasiana descobriria o prazer (e tormentos)
da leitura extra-curricular. Aluna do antigo Ginásio Carneiro Ribeiro, na
Ladeira da Soledade, o gosto por obras de ficção levou-a a ler,
desordenadamente, Dostoievsky, José Lins do Rego, J. Cronin, Machado de
Assis... Assim, as grandes questões do homem e de seu destino precocemente
aturdiram a placidez da menina de classe média. O cinema, porém, a distrai.
Assim, o rádio.
1955. O ingresso entusiasmado no curso clássico do
Colégio Central representaria o início de uma fase de grandes descobertas
pessoais e intelectuais. A atmosfera de liberdade de que se gozava naquele
estabelecimento de ensino público, a par da convivência com os próprios
colegas, tudo propiciava um desabrochamento para a vida.
Politicamente, desfrutava-se por igual de um período
de desafogo e esperança, que viria a consolidar-se no governo do presidente
Juscelino. Aqui em Salvador, a colegial Olinda amiudava as visitas à Biblioteca
Pública, ao tempo em que acompanhava, à distância, toda a efervescência da
contemporânea Geração Mapa. Mas o significado e permanência de sua grande
aventura estudantil cristalizaram-se nos versos de “Colégio Central”:
“..................................................................
Fatia nimbada de tempo
Te
levo comigo, te levo,
Redoma Redonda, fixa,
Douradamente presa
No espaço de minhas pálpebras quebradas”
1958. Aprovação no exame vestibular para o curso de
Letras Românicas, à época ministrado no prédio da antiga Faculdade de Filosofia
(Bairro de Nazaré). Afora algum estranhamento em relação à didática e
cientificidades da Lingüística, os estudos superiores transcorreram sem maiores
turbulências. De natural arredia à exposição da vida literária, Olinda a custo
colaborou na revista “Cultura”, nº 7, 1960, página 85, editada pelo Diretório
Acadêmico. É um tempo de gradual amadurecimento, mantidos os ideais juvenis.
Assume compromisso de noivado com um ex-colega do Central, Renato (ver
“Transmutação”) Decide-se pelo ensino do Francês. Inicia a experiência docente
– como estagiária – em bons colégios secundaristas. Formatura em dezembro de
1961. Nomeada professora do nível médio do Estado da Bahia, breve teve que
abandonar o cargo público, vez que o processo de licença de afastamento para
aperfeiçoar-se, possivelmente, jamais foi despachado, por desinteresse da
máquina estatal.
1963. Segue para o Rio de Janeiro, com bolsa da CAPES.
Pós-Graduação em Francês. A grande metrópole motiva pelas oportunidades de
estudo, de uma vida cultural mais intensa e diversificada, ao lado de seu
projeto pessoal de casamento. Este ocorre ao fim do mesmo ano.
Ao término do curso, os resultados foram
compensadores (1º lugar), sendo distinguida com o prêmio de bolsa em Paris. No
entanto abre mão do prêmio para fixar residência no Rio. Inicia, então, o
período de viagens de férias a Salvador, anuais ou semestrais, cuja duração foi
de 11 anos.
1965. Edição do texto crítico do “Livro das Aves”,
trabalho de equipe, sob a direção de Nelson Rossi, da qual participara ainda
como estudante (Instituto do Livro). Nasce Marcelo, seu único filho (ver o
poema “6 de março”). Enquanto aguarda melhores chances profissionais no
magistério, submete-se a concurso público para o cargo de Oficial de
Chancelaria do Ministério de Relações Exteriores. Assume a função por um ano,
servindo na fabulosa Biblioteca do Itamaraty. Não se sente confortável, embora
guarde memória de “monstros sagrados” consulentes da Biblioteca, como o
embaixador João Guimarães Rosa, assíduo e bem-humorado. De fato, o
incontornável clima político de repressão e desânimo asfixia “partout”.
Essa lembrança inquietante é matéria que serviria à criação dos versos de
“Mando” (“O homem do manto verde / Sentado no trono estrelado”).
1967. Retoma gostosamente as atividades de ensino, onde
encontra as compensações vocacionais, como professora do Colégio Estadual Prado
Júnior (bairro da Tijuca). Lá serviu por sete anos (e mais sete teria
servido...). A par da atividade didática, dedicou-se a cursos de especialização
(Literatura e Teatro Francês), na Faculdade de Letras (UFRJ). Da convivência
com os colegas, reporta-se nos versos de “Confeitaria”.
“..................................................
As duas mulheres
Desdobradas ao infinito
Pelos enormes espelhos laterais
Haurem sem pressa o tépido chá”.
1973. Razões de ordem familiar desencadeiam o regresso
de Olinda à Bahia, passados onze anos de ausência. Profissionalmente,
vincula-se à Aliança Francesa (como professora, e estudante do Nancy I e II).
Segue-se a contratação pela Universidade Católica do Salvador, sempre a
ministrar aulas de Língua e Literatura Francesas.
1976. Paris. A pretexto de submeter-se a uma reciclagem
na Sorbonne IV, durante a temporada de inverno, aproveita a oportunidade para
rever contraparentes da Normandia e peregrinar a Lisieux. Ao final do curso,
desloca-se até Veneza e Roma. Dessa aventura restaram os versos de
“Paris-Caen”(“O trem-bala belifica a paisagem / Em sua brusca irrupção”) e,
ainda, os de “Visita a Lisieux” (“Santa Teresinha do Menino Jesus / Gostavas
Dele porque menina eras / e continuas”). Há uma série de poemas-viagem que
deixo ao leitor o prazer de identificar (como “Paris I”, “Paris II”, etc).
Esteve, ainda, em Lisboa e Madri. No Brasil, abre-se um novo ciclo de viagens
anuais, dessa vez em visitas ao sogro, residente em João Pessoa.
1979. Passa a lecionar exclusivamente no Instituto de
Letras da Universidade Federal da Bahia. O edifício, por algum tempo, seria o
mesmo casarão dos tempos acadêmicos, portanto sua casa de origem e que haveria de
inspirar-lhe a composição “Sala 12”:
“...........................................
Mesa que me viste em aflição, indiferente,
Hoje te vejo, estática na mesma cor e
Meras lascas de tempo te laceram
Mas o vento que bate em meus cabelos
Sendo o mesmo, não o senti outrora”.
1983. Publicada, pela Revista “Linguagem”, nº 1, Editora
Presença, Rio de Janeiro (páginas 39/64), sua tradução do ensaio “Dicionários
Monolíngues do Francês e do Português: Análises e Confrontos”, autoria de
Celina Scheinowitz.
1986. Em andamento o processo de redemocratização do
país. Após dez anos da primeira visita à França, novo curso de aperfeiçoamento
didático em Sèvres. Dessa vez com direito ao verão europeu. Refaz, como pode, o
roteiro cultural e sentimental. Depois de Paris, repetiu Veneza e Roma. Incluiu
outras cidades, quais sejam Florença, Nápoles, Pompéia, Sorrento, Positano,
Capri... Bem, não esquecer Londres. Outra leva de poemas celebra as emoções,
peripécias e perplexidades da viajante. De Londres, trecho de “Canção Londrina”:
“......................................
Londres, não te vi, como sonhada
Era domingo e estavas fechada”.
1987. Eleita Vice-Presidente da Associação de
Professores do Estado da Bahia (Biênio 87/88). Visita agora ao Canadá
(intercâmbio de professores e atualização na Universidade Laval, em Québec. Eis
que as viagens são freqüentes, os sonhos da adolescência (ver a poesia
“Cidade-Baixa”), mesmo os não sonhados, vão acontecendo meio de improviso, sem
projetos definidos, à revelia de cronogramas. Em verdade, a autora move-se num ritmo próprio, mais
sintonizada, por assim dizer, com a atemporalidade do essencial. Disponível
para as exigências do magistério. Paciente, quanto às revelações da arte, passa
a produzir, agora, com intensa regularidade. Quando do convite para conhecer o
Canadá (com a possibilidade de ver Nova York), concebe os poemas “Transporte” e
“Viagem Programada”, deste, os versos:
“Canadá, vejo-te longe como um sonho
Vaga superfície nos mapas de minha infância”.
Com efeito, na contra-mão da mentalidade moderna, a
autora nada premedita e põe-se ao largo da concorrência empobrecedora. Mas, por
força dos labores de toda uma vida, eventuais reconhecimentos até podem
surpreender. Assim é que o governo francês lhe conferiu – por serviços prestados
à cultura francesa – as Palmas Acadêmicas, distinção que recebeu, alegremente,
em companhia de ilustres pares.
1989. Publicado o poema “Símile”, inserido no Catálogo
do 7º Salão Paulista de Arte Contemporânea.
1993. Publica, na revista CANADART I, sua tradução, do
francês, para o ensaio “A Telenoela: Rebento adulado e desprezado da cultura
popular Quebequense”, da autoria de Helène Marchand (págs. 144 a 158). A partir
de então tem colaborado na edição dessa revista da Associação Brasileira de
Estudos Canadenses – ABECAN, como revisora, tradutora e membro do seu conselho
editorial.
O envolvimento com a ABECAN (Núcleo de Salvador)
coincide com a aposentadoria de Olinda como professora do Instituto de Letras
(UFBA). Deixa pois a sala de aula e a companhia prazenteira dos alunos, que
sempre a revigorava com os questionamentos e entusiasmo da juventude; problemas
antigos vistos pela perspectiva das gerações que chegam, enfim de pessoas em
sintonia com o tempo corrente e que são parte necessária do futuro. Esses
alunos-personagens estão nos poemas “Clãs-Cãs”: “Eu, mestra e meus pupilos /
duplicados na outra lente / irrisórios infinitamente”, bem assim em “Curriculum
Vitae”: “São sempre outros mas / Repetem-se semestralmente / Enquanto eu sinto
que mudo / Embora repita e continue”.
1994. Publicado o ensaio “A Telenovela, Arte de Novos
Narradores: formas e influências da narrativa telenovelesca”, de Catherine
Saouter, traduzido do francês por Olinda (Revista CANADART II, págs. 87 a 111).
1995. Publicação do texto de Maximilien Laroche,
“Cozinha à Base de Manteiga ou de Margarina?”,
“O Chapeuzinho Vermelho”, entre a França e o Québec” (Revista CANADART
III, tradução de Olinda, págs. 173 a 181).
No que respeita à divulgação de sua produção lírica,
tal fato praticamente não existiu (fora do pequeno círculo de amigos).
Excepcione-se os “Vidraça” e “Impasse”, ambos estampados, em setembro e outubro
de 1991, no Boletim do Núcleo da Escola de Administração Fazendária (NESAF),
portanto de circulação restrita. Pode-se afirmar, dessa maneira, que se trata
de obra intocada, longe do alcance dos leitores de poesia.
1997- Sai publicada sua tradução da obra “Métodos
Críticos para a Análise Literária”, de Daniel Bergez et alü
(Livraria Martins Fontes Editora, São Paulo, 1997, 226 páginas). Trata-se de
uma coleção de cinco ensaios escritos originalmente em francês, cujos autores
enfocam os respectivos métodos de abordagem da análise literária (a crítica
genética, a psicanalítica, a temática, a sociocrítica, a crítica textual). Sem
dúvida uma contribuição para os estudantes de letras.
As tantas viagens, fruto de uma curiosidade
indomável, bem assim de oportunidades repentinas, e, de outra parte, os
misteres de tradutora têm ocupado (e compensado) o afastamento do ensino. Mais
recentemente o preparo dos originais, algo dispersos, para a publicação deste
livro, absorveram-na com prazer. Claro que a vinculação com o fenômeno estético
não pode ser dissociada de sua experiência. E da expressão artística, falam os
versos de “Criação”:
“Das tintas, todas as cores
Frascos dispostos no armário
..............................................
Basta o impulso da mão”
No mesmo sentido, a declaração de “Galeria de
Vidro”:
“Meu ser mais profundo é a beleza...
E com isso vaporizo-me
Vagando de costas pelos séculos”
Para não alongar estes dados cronológicos da
trajetória poético-existencial da autora – pois a análise crítica de sua obra é
obviamente tarefa de especialistas – faço-lhe, todavia, o registro de algumas
evidências:
a)
De
forma pouco freqüente, só com a maturidade a autora rendeu-se às instâncias da
poesia. Poder-se-ia dizer, uma eclosão;
b)
Quase
toda sua obra estética, portanto, está compreendida (até agora) no denso
período de produção de cinco a sete anos, aproximadamente;
c)
Disso
resultou uma escrita como que depurada de transbordamentos juvenis, visto que
concebida sob o rigor de um maior senso crítico (proveniente do lastro teórico
e da intimidade com a grande poesia).
1998. Nasce Renata, a primeira neta (alta invenção poética,
seguramente). Ver “Pronomes Pessoais”, que anuncia:
“.........................................
Enquanto isso ela chegava
Como o arco-íris que nasce
Ao fim da rua chuvosa”
Fácil identificar, no engenho da autora, o traço de espontaneidade,
espécie de artefato sem aparente costura (inconsútil?), ao qual faz contraponto
aquela tensão subjacente a desvelar a humana condição da artista. Ver
especialmente, “Impulso”, “A Escada”, “Casarão”, “Sala de Espera”, “Vida” e
este “Colapso”:
“........................
Não temam a morte do corpo
Ou o corte na mão
Terrível é a morte no corpo
A realidade externa vivida como um sonho
O eu acordado querendo acordar”.
2002. Edição (finalmente) deste livro de poesias, que
enfeixa cento e dezesseis composições, grupadas em cinco partes, sob o título
de “Papéis do Outono”. A respeito do título, tentou-se confirmar se era alusivo
a um sentimento de nostalgia, uma sorte de fio condutor que percorre o conjunto
de poemas evocativos. A autora não dissentiu, como de resto não descarta outros
significados. Mas, conscientemente, com a escolha desse título, pretendera
sobretudo nomear uma poesia que a tomou já na segunda metade de sua vida. Não
obstante lhe esteve sempre presente a idéia de folhas (folhas de papel) soltas
ao vento do outono. Mais ainda, “Papéis do Outono”- sugere a autora – refereria
a tonalidade amarelo-dourada que as laudas manuscritas de fato receberam, após
longo repouso na gaveta (uma assemelhação com as folhas secas da estação
outonal...). Para terminar, vem a propósito uma citação de Ezra Pound: “Grande
literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau
possível”.
BA. Abril/2002
Os Editores.
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