Fernando Rocha Peres
As moradas de Vanessa
Na dupla condição de
poeta e historiador, ambos muito próximos, digo, em primeiro lugar,
que adentrei este livro de uma estreante com um interesse pela
biopoesia, a memória de moradas e fugas.
Vanessa é uma poetisa,
vejam que não disse poeta, para preservar seu gênero, o feminino,
que poetiza na raiz do verbo conjugado, a criatura que faz nascer.
Existem muitos poetas no mundo. Umas enxurradas a poetar. Precisamos
de mulheres poetizando a vida.
Se escrevo este
prefácio, o primeiro que ouso, é porque gosto do texto e pouco
conheço a autora. Simples conhecimento através da leitura do seu
livro “As casas onde eu morei”, em concurso literário.
A poesia é para ser
lida e dita, voz alta ou baixa, depois de escrita. Logo, são três
momentos: a escrivatura, a dizedura e a lidadura. Depois vem a
colheita nas rias e canteiros. Poucos, hoje, têm tempo para consumir
poesia. Outros objetos “utilitários”, no mercado ou nos leilões,
tempo mercadista, impedem o escambo até dos versos.
Estes, não pertencem ao
mundo das apenas mercadorias.
Ler poesia é como ver,
na cristaleira, uma fruta exótica de origem ancestral e degluti-la
lentamente, pausadamente, ao domingo. Na leitura, desde a casca, da
poesia de Vanessa Buffone, pode-se sentir que dentro e fora de suas
casas há sempre um ar de colóquio, misterioso e denso: “Entre os
esqueletos de etiquetas e códigos de barra, / usar os vestidos que
sobram, / papagaio de fogo em trajes de metáfora.”
O leitor deste prefácio
(nunca uma prefacies) não se assuste, pois vou ser breve e não é
oportuno brilhar com teorias literárias. O texto de Vanessa é o que
“vale quanto pesa”. Nome de sabonete da minha memória, depurador das
ilações e brilhantinas dos outros.
Uma voz de poetisa nova
saiu porta afora para o encontro de quem possa e queira ler
excelente poesia.
E, assim, contradigo e
brinco com Witold Gombrowicz, cáustico contra os bardos, no seu
livro, antes conferência ou “disertación”, Contra los Poetas (Mate,
Buenos Aires, 2004, pp 36 e 37), oportuno e brigador: “La más seria
dificultad de orden personal y social que debe afrontar el poeta
proviene que él, considerándose superior como sacerdote de la
poesia, se dirige a sus oyentes desde arriba...”. Este não é um
“atributo” de Vanessa Buffone, pois a sua poesia de poetisa está
atada ao seu passado e ao presente. Se o leitor sente-se “abaixo” é
por falta de sensibilidade poética. Afinal, a poesia não dá câncer
na vista.
Os que se acham poetas,
de rimas e metros, fiquem atentos, pois a poesia é coisa da
esperança-folha, de um bicho-folha, um “tetigoniídeo”.
Assim dito, desejo a
este livro de estréia todo o caminho e corredeira para o leitor
anônimo.
Leia a obra de Vanessa Buffone
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