Barros Pinho
Escritura da solidão
28.10.2004
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Barros Pinho:
“ O homem precisa de lucidez para garantir a fantasia do sonho
do poeta. Ninguém é poeta sem o sonho e sem o mistério” |
O poeta e escritor, Barros Pinho,
lança hoje, às 19 horas, no Ideal Clube, o livro “Carta do Pássaro”.
Barros Pinho é autor de várias
obras de poesia e prosa - o último “A Viúva do Vestido Verde”,
publicado pela Record, foi cotado para o prêmio Jabuti de
Literatura. Muito cedo, Barros Pinho cultivou duas paixões: a
literatura e a política. Vereador, deputado, prefeito de Fortaleza,
atualmente presidente da Funcet, Barros Pinho, em “Carta do
Pássaro”, reconstitui sua infância, rememora seu passado no engenho
de seu avô, às margens do rio Parnaíba, no Piauí. Leia a seguir,
trechos da entrevista de Barros Pinho sobre a sua nova obra que,
segundo Antônio Carlos Villaça, é “lírica, sem moleza e sem pieguice
e de origem profundamente popular”.
— “Carta do Pássaro” traz poemas autobiográficos?
Barros Pinho - Toda a literatura traz a marca da vida do autor,
sendo um pouco autobiográfica. “A Carta do Pássaro” é a realidade e
a fantasia de minhas vivências na infância, no engenho do meu avô à
beira do rio Parnaíba. Rio que leva e lava a minha solidão.
— Esta frase é emblemática. Todo o poeta é um solitário?
Barros Pinho - A solidão do poeta é muito povoada. Ele fica só, mas
inserido na vida. Às vezes estava em uma reunião política,
participando de uma intensa discussão e sem querer me deslocava
sozinho para o rio Parnaíba e pensava no “Cabeça de Cuia”, uma lenda
que corre nas margens do rio Parnaíba. Diz a lenda que o “Cabeça de
Cuia” era uma criança que desapareceu misteriosamente no rio após
matar a mãe e ficou puxando outras crianças para o fundo do rio.
— Essa lenda o impressionou por quê?
Barros Pinho - Pelo mistério e pelo absurdo. A vida se equilibra
entre o mistério e o absurdo. O homem precisa de lucidez para
garantir a fantasia do sonho do poeta. Ninguém é poeta sem o sonho e
sem o mistério.
— O senhor fala neste livro da sua infância como Manuel Bandeira,
José Lins do Rego, Ciro dos Anjos, Murilo Mendes, entre muitos
autores que penetraram nas suas reminiscências de infância. Qual a
sua maior influência?
Barros Pinho - Dois poetas me influenciaram muito no meu aprendizado
técnico inicial, principalmente quando lancei “Planisfério”, livro
de estréia, em 1969. Manuel Bandeira e Cassiano Ricardo muito me
ensinaram. O primeiro pelo lirismo; o outro pela técnica, pela
precisão no uso da palavra. Ninguém é poeta sem dominar a palavra. O
maior compromisso da poesia é com a energia da palavra. Cassiano
Ricardo é mestre da palavra. Passou brilhantemente por todas as
escolas literárias. O “Geremias sem Chorar” é um livro que precisa
ser lido por quem pretende fazer poesia consciente do exercício
poético. Já Manuel Bandeira é um mestre de todos os que fizeram e
fazem poesia após o movimento de 22. “A Carta do Pássaro” é um livro
do amadurecimento do fazer poético e estabelece os limites entre a
poesia e a ficção, fronteiras instituídas também com “A Viúva do
Vestido Encarnada”, minha última obra em prosa.
— Até que ponto a linguagem desloca sua poesia do “real”?
Barros Pinho - A matéria prima é a palavra. A realidade entra
supletivamente. A fantasia é o ingrediente da poesia sem fronteiras.
Isso ficou evidenciado no livro de contos “A Viúva do Vestido
Encarnado”. Conscientemente tenho uma linguagem literária, não
estabeleço barreiras entre a poesia e a prosa.
— Discutimos hoje a pós-modernidade, onde a literatura coloca-se
diante de novos desafios, principalmente com relação ao homem:
fragmentando, sozinho, sem um eixo sólido. O que o senhor acha da
chamada poesia “pós-moderna”?
Barros Pinho - A poesia não tem tempo. O tempo da poesia é o talento
do poeta. Em qualquer época se faz boa ou má poesia. O grande
sonetista é pós-moderno. A circunstância técnica não altera. Poderá
alterar a forma, mas sem mexer na qualidade.
— Mas vivemos em novo paradigma. Estamos bem longe em termos de
técnica e forma da geração, por exemplo, de 22 ou 45?
Barros Pinho - A geração de 22 se exauriu historicamente, dando a
sua contribuição para se reinventar a técnica poética. Já a geração
de 45 fez uma revisão de 22. O fundamental, no entanto, é o domínio
da linguagem, da palavra. Tanto isso é verdade que João Cabral de
Melo Neto se destaca na geração de 45, dos demais poetas de sua
geração, com o seu racionalismo. Não há poeta. Há simplesmente
poesia. O importante é a qualidade do texto produzido. Se ele for
bom, atravessa o tempo. Vai além do seu tempo. Caso contrário, cai
no esquecimento típico do modismo de uma época.
— Vivemos uma época de modismos?
Barros Pinho - Já se experimentou muito na poesia. Está provado que
ela vai além do experimentalismo e do vanguardismo. Isso para ser
essência e viver a energia da palavra, do sentimento e da realidade
do homem. O poeta não pode deixar de ter os pés no chão e o dedo no
céu.
— Parece-me que o senhor é romântico e também religioso. Estes
dois vértices são constantes na sua poesia?
Barros Pinhos - Sou romântico pelo avesso. Os pés no chão é a vida,
a realidade. Não se pode fugir da vida, da realidade. O dedo no céu
é o sonho, o encanto, a aventura de viver. O sublime presidindo o
destino do poeta.
— O senhor foi vereador, deputado, prefeito, enfim, travou vários
embates na arena política. Isso o fez, logicamente, tomar contato
com uma realidade dramática do nosso povo. Grande parte dele,
podemos dizer, encontra-se abaixo da linha da pobreza, ou melhor, na
“Casa Grande & Senzala”. Este quadro não sensibilizou a sua
literatura?
Barros Pinho - Este quadro está presente em toda a minha literatura.
Não me alieno da realidade. A minha literatura, como já afirmei, é
feita com os pés no chão e o dedo no céu. Tenho um acento lírico e
social. Não me preocupo em engajamento. A literatura flui
naturalmente da realidade vivida e sofrida, passando pela dor e a
esperança. A realidade está dentro da minha poesia num processo
interativo do poeta lutando com a realidade e a realidade com a
poesia. Não faço literatura alienada. A minha literatura tem dor,
alegria e esperança. Sou um menino que ando sempre com os pés no
chão e o dedo no céu.
— O senhor passou parte da infância na ribeira do Parnaíba,
engenho do seu avô. Que lembranças mais fortes o senhor trouxe para
“Carta do Pássaro”?
Barros Pinho - A “Carta do Pássaro” é marcada pelo azul, pelo
vermelho e pela terra. O rio Parnaíba, a infância, o cordel, o
engenho da cana de açúcar, as chapadas, as matas do Guabiraba e das
morenas cheirando a leite. A mulher e o rio estão dentro do texto
como se estivessem saindo da minha alma. Completam-se no ritmo e na
palavra. Não há limites entre o sonho, fantasia e realidade. Somente
o rio que leva e lava a minha solidão.
— Por que a metáfora ligando rio-mulher?
Barros Pinho - É a vida. Água e mulher são fontes de vida e de
pureza. Essa pureza me persegue forrada de paixão de intenso azul.
SERVIÇO
- Lançamento de “Carta do Pássaro”,
de Barros Pinho, hoje, às 19 horas, no Salão Nobre do Ideal Clube.
Editora Escrituras. 79 páginas. R$ 18,00. Apresentação ministro e
escritor Ubiratan Aguiar. Prefácio de Pedro Paulo Montenegro.
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