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Barros Pinho


 

O rastro do vaqueiro Gavião
 

 

Diário do Nordeste, Fortaleza, Ceará, Brasil

 

 

Juarez Leitão, homem simples que não tutela a simplicidade como virtude em si mesma como hábito de quem ao longo de sua vida não se desentranhou de suas origens humildes e, marcadamente, sertanejas. Muito cedo, menino ainda, aprendiz de feiticeiro da caatinga, montado no vento da infância embrenhou-se pelas veredas dos Inhamuns, seguindo violeiros e cordelistas que o embeveciam, depois de uma noite de cantoria na fazenda de seus ancestrais que ficaram desesperados com o seu desaparecimento. Era a fuga preparada pelo destino e ninguém duvide. O destino tem a fatalidade de marcar definitivamente todos os passos dos poetas. Juarez, assim brotando da fonte, com a marca legítima de sua freguesia, a ela tem até hoje se mantido fiel e disposto a sempre resgatá-la em qualquer ventura ou aventura de sua intensa vida de labor cultural.

Neste livro, como de resto, em todos os que ele já produziu, mesmo os encomendados, por exercício profissional, ele, claramente, expõe a marca de sua personalidade de homem altivo e livre, espontâneo e despojado do preciosismo convencional e estético muito em voga na perfumaria de intelectuais medíocres que se apontam como donatários únicos da palavra. Ele, ao contrário, é a própria síntese da dialética de sua pureza, pureza não feita de pudicícia cavilosa, mas pureza de sentimentos de quem bebeu água de cacimba nas estiagens que rasgaram o ventre do sol nas terras do sertão. O sertão do labirinto de suas histórias e de seus causos magistralmente contados à beira dos caminhos ou nos pátios das fazendas.

Sérgio Braga, livreiro-mor desta cidade, editor farto do Livro Técnico, pai-de-chiqueiro venerando do Clube do Bode, uma espécie de José Olímpio, sem os maneirismos pretensiosos e cavilosos do Rio de Janeiro, nunca esteve tão feliz em suas inúmeras atividades senão quando montou a idéia de editar, por mágica influência do espírito de João Grilo e de outros parceiros de empreitada, no mutirão da cultura popular, este tal de Vaqueiro Gavião e outros causos da boca do mundo, um bocado rico que fervilha nas entranhas da terra nordestina. O livro é bom porque é simples e, sendo simples, anda distante da pretensão. É o ´alpendre suspenso na brisa´ de que fala o acadêmico e poeta Carlos Augusto Viana. É o próprio Juarez de corpo inteiro, mentindo ou no desvario da supra realidade mítica despejada na boca da noite, na mesa do Flórida Bar, onde a Maria, toda acólita, com sofreguidão, ouve embasbacada seus causos eróticos, encantados, absurdos e alucinantes com o desfecho sempre muito engraçado. Aí se faz a apologia do riso em forma e conteúdo no teatro do viver. No desfiar do novelo maravilhoso de suas histórias, o escritor espanta o mistério e arreda a amargura que hoje domina o homem nos quatro cantos da Terra. Fica evidenciado, em registro para a eternidade, que o Juarez fascina pela fantasia e encanta pelo absurdo, atrai pelo exagero das situações inventadas e reinventadas no prodígio de sua imaginação fecunda e criadora. Tudo se pode depreender de seus talentos, talentos bíblicos de parábolas sem sentido nitidamente moral, mas repletos de humor e de inverossimilhança que enchem de alegria o alforje ou a pasta preta de qualquer triste desavisado ou sofrido da vida urbana. Assim, este homem de letras, da erudição e do regionalismo caboclo, cordelista da feira da palavra, sabe como decifrar o enigma dos homens, catalogando a alegria, quando o mundo ameaça despencar-se no desespero. Ao desafio do viver o poeta responde brejeiramente com os diatribes de seu Vaqueiro Gavião, no desabrochar da flor bonina pelas estradas do sertão. E pactua com todos os poetas lúcidos do Nordeste, sob a música das rabecas, numa forma de viver, viver a procurar estrelas, logo no turvar da noite, no rastro da esperança.
 

 

Juarez Leitão

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